"Não será um lugar de “pratos” mas sim de
ideais e conceitos. Como exemplo, ele citou uma “caipirinha feita com
palmito” assim comentava o Chef Catalão Ferran Adrià, se referindo ao
elBulliDNA, um laboratório, um lugar que inspire o sentimento de
liberdade unindo por exemplo o lúdico do Circ du Soleil, à
interatividade do grupo Fuerza Bruta e a loucura saudável de Salvador
Dali.
A gastronomia na atualidade, tem se mostrado um terreno
fértil para boas discussões, um setor dinâmico, onde o senso comum, da
lugar ao inusitado, ao criativo.
A sociedade bem como a gastronomia,
tem se repensado cotidianamente, e nos mostrar que, como a vida, as
coisas saem do prumo, da zona de conforto, e que necessitamos
desconstruir várias idéias impostas como certas, boas e únicas.
Vou
citar 3 novas alternativas na área de gastronomia, poderia citar muitas mais, que mostram
claramente que o brasileiro, compreendeu que esta na hora de ir a luta,
para de copiar e assumir sua responsabilidade no mundo, Veja ai:
01-Dando um nó na cabeça burocrática.
Inaugurado
o primeiro fast-food Vegano do Brasil.
A novidade em Porto Alegre, vem
para ser referência entre aqueles que buscam uma refeição saudável e
alimentos livres de origem animal.
O B Burger é uma criação do fotógrafo profissional, Rodrigo Bragaglia.
A
escolha por uma lanchonete de comida rápida tem inspiração em marcas
gigantes espalhadas pelo mundo que consagraram o conceito, mas a
semelhança para por aí. A começar pelo investimento para abrir o
negócio, só possível com a cooperação da família, as diferenças vão
adiante. Rodrigo é, há quatro anos, um vegano, e espera ser agente de
uma mudança de mentalidade gradual, que leve ao fim da exploração animal
– motivação mesma dos adeptos dessa dieta. A consciência ambiental
também está na escolha dos materiais das embalagens, todas
biodegradáveis.
Sigulink:http://www.consumidorrs.com.br/2013/inicial.php?case=2&idnot=31546
02-Destruindo a idéia engessada das universidades
Todos
somos unânimes em apontar o "nojo" que o brasileiro sente pelo trabalho
braçal, num pais com grandes pensadores na educação, projetos como o de
Anísio Teixeira, Paulo Freire, são deixados de lado, em contra partida,
cresce o número de universidades pagas e com péssima qualidade.
A
Gastromotiva, uma organização que dissemina o potencial, poder e
responsabilidade da gastronomia como um agente de mudanças que é capaz
de conectar pessoas e desenvolver lugares, formando assim, o Movimento
da Gastronomia Social, chega finalmente a Salvador, que com o apoio da
BrazilFoundation, fara um grande trabalho na insersao social atravez da
gastronomia.
Inscrições já abertas no site > http://gastromotiva.org/ !
03-"Less is more"
Os sem toalhas
Cansou
dos rapapés, do luxo e dos preços abusivos de alguns restaurantes? Você
não está sozinho: muitos chefs também se cansaram, mas de ver a
clientela debandar assustada. Em resposta, deslancharam um movimento que
vem crescendo e o Paladar modestamente batizou de ‘os sem-toalha’. Essa
nova geração de restaurantes aposta na simplificação e eliminou as
toalhas de mesa, não por estética, mas por economia. Tudo para manter a
boa comida a preços saborosos.
lugares pequenos, instalados fora
do circuito gastronômico nobre (onde os aluguéis são caros), com
decoração despojada e, apertadinhos, mantêm apenas dois ou três palmos
de distância entre as mesas. Têm poucos garçons para dar conta do
serviço, sugerir bebidas e vinhos – cada garçom atende, em média, de 15 a
20 clientes. Não há maître ou sommelier.
Sigulink: http://blogs.estadao.com.br/paladar/quando-menos-e-mais/
quinta-feira, 26 de junho de 2014
quinta-feira, 19 de junho de 2014
A cozinhar é imaginação, e tem como princípio reconectar o homem ao universo lúdico do prazer e do gozo.
A cozinhar é imaginação, e tem como princípio reconectar o homem ao universo lúdico do prazer e do gozo.
Claude Lévi-Strauss observou que do mesmo modo como não existe sociedade humana sem linguagem verbal, também não existe sociedade humana que não elabore, que não transforme, em parte ao menos, seu alimento cozinhando-o. Assim, o cru e o cozido, o alimento natural e aquele transformado pela ação do homem, estão para natureza e cultura como um dado distintivo entre animalidade e humanidade. Mas, para cozinhar, foi preciso primeiro dominar o fogo.
Cozinhar alimentos significa, recupera o sentido comunitário perdido sob os domínios de uma sociedade pragmática, reconectar com o ato básico de manipular os alimentos, a cocção dos alimentos nos mostra, uma das grandes descobertas do ser humano, bem como um dos momentos iluminados de nossa capacidade racional. A alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais compartilhado. A sociabilidade manifesta-se sempre na comida compartida.
Segundo o professor Luiz Costa, em seu trabalho sobre os indios Kanamari da Amazônia Ocidentalpovo de língua katukina da Amazônia ocidental, que distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: "alimentação", designando uma relação assimétrica de dependência; e "comensalidade", implicando relações mútuas de partilha de comida. "A palavra kanamari para "alimentar [alguém" ou "dar de comer [a alguém", ayuh-man, contém a raiz ayuh, que indica a necessidade de algo ou de alguém.
"Alimentar" implica um conjunto heterogêneo de eventos e atos, que incluem: amamentar; alimentar xerimbabos; transformar alimentos crus em refeições cozidas a serem servidas em festas coletivas; constituir um ambiente físico e moral onde os alimentos são distribuídos; fornecer a terceiros os meios necessários para que obtenham alimentos por conta própria (por exemplo, espingardas, anzóis, terçados); e ainda conhecer e executar os cantos rituais que tornam possível a reprodução da flora e da fauna.
Sendo assim, Cozinhar é acima de tudo uma ato poético, que nos diga Edgar Morin “A poesia... leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase... mistério, que está além do dizível”.
Fontes:
*Alimentação e comensalidade entre os Kanamari da Amazônia Ocidental
Luiz Costa é professor do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)/ UFRJ.
Claude Lévi-Strauss observou que do mesmo modo como não existe sociedade humana sem linguagem verbal, também não existe sociedade humana que não elabore, que não transforme, em parte ao menos, seu alimento cozinhando-o. Assim, o cru e o cozido, o alimento natural e aquele transformado pela ação do homem, estão para natureza e cultura como um dado distintivo entre animalidade e humanidade. Mas, para cozinhar, foi preciso primeiro dominar o fogo.
Cozinhar alimentos significa, recupera o sentido comunitário perdido sob os domínios de uma sociedade pragmática, reconectar com o ato básico de manipular os alimentos, a cocção dos alimentos nos mostra, uma das grandes descobertas do ser humano, bem como um dos momentos iluminados de nossa capacidade racional. A alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais compartilhado. A sociabilidade manifesta-se sempre na comida compartida.
Segundo o professor Luiz Costa, em seu trabalho sobre os indios Kanamari da Amazônia Ocidentalpovo de língua katukina da Amazônia ocidental, que distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: "alimentação", designando uma relação assimétrica de dependência; e "comensalidade", implicando relações mútuas de partilha de comida. "A palavra kanamari para "alimentar [alguém" ou "dar de comer [a alguém", ayuh-man, contém a raiz ayuh, que indica a necessidade de algo ou de alguém.
"Alimentar" implica um conjunto heterogêneo de eventos e atos, que incluem: amamentar; alimentar xerimbabos; transformar alimentos crus em refeições cozidas a serem servidas em festas coletivas; constituir um ambiente físico e moral onde os alimentos são distribuídos; fornecer a terceiros os meios necessários para que obtenham alimentos por conta própria (por exemplo, espingardas, anzóis, terçados); e ainda conhecer e executar os cantos rituais que tornam possível a reprodução da flora e da fauna.
Sendo assim, Cozinhar é acima de tudo uma ato poético, que nos diga Edgar Morin “A poesia... leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase... mistério, que está além do dizível”.
Fontes:
*Alimentação e comensalidade entre os Kanamari da Amazônia Ocidental
Luiz Costa é professor do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)/ UFRJ.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Cenas Urbanas, Um olhar sobre duas rodas, do Sameer Kulavoor
Fiquei fascinado com "O Ciclo do Projeto Ghoda"do do ilustrador
Sameer Kulavoor, ele é conhecido por sua música, arte e design.
Não é só uma demonstração de vida sustentável, mas também como uma parte da sociedade na Índia, ganhar a vida com isso. Com personalização, adornos, enfeites, acaba sendo uma solução alternativa, um movimento dentro da sociedade indiana, que tem uma comunidade de entusiastas. Diz-se de ser a prova de criatividade do indiano, ou a maneira onipresente e eficaz de resolver os problemas da vida cotidiana, da qual o ciclo da cultura é um exemplo claro.
Como resultado, as bikes, começaram a desenvolver sua própria personalidade, refletindo diretamente a ocupação, e coletivamente acrescentando enorme charme para as ruas da Índia.
No país mais de 20.000 bicicletas são fabricados todos os dias, a empresa, Bicicletas Indianas foi nomeado como o maior fabricante de bicicletas de acordo com o Guinness Book of World Records, com uma produção impressionante de 18.500 bicicletas por dia! As belas imagens de Kulavoor são uma coleção de suas observações e desenhos desses ciclos onipresentes, Que pode ser visto como um ícone da Índia moderna.
"O Ciclo do Projeto Ghoda 'foi exibido no Festival de Cinema de Bicicleta com sede em Helsínquia, em Julho de 2012, como parte do World Design Capital Helsinki, em colaboração com Chalo Índia!, Kesküla rede e Pelago Bicicletas. Um ano depois de quatro desenhos da exposição "O Ciclo do Projeto Ghoda 'também foram parte de uma colaboração exclusiva com Paul Smith. O resultado foi uma série de t-shirts disponíveis em todo o mundo tornando-se uma vitrine ciclismo ampla divulgação da cultura única da Índiana, Que estão todos esgotados neste momento.
Área de trabalho de Sameer Kulavoor, encontra-se na interseção entre o design gráfico, ilustração contemporânea e arte. Ele detem o olhar da criação, nos corpos de pessoal no trabalho, nos maneirismos característicos e facetas arquetípicas da cena urbana, do design e da cultura.
Para mais informações sobre "O Ciclo do Projeto Ghoda" e outros trabalhos de Sameer Kulavoor ver aqui:http://goo.gl/RmbF97
terça-feira, 3 de junho de 2014
Cru, cozido, mexido por Edgar de Assis Carvalho
A culinária contemporânea, que se
apropria da regional para inseri-la em novos contextos, coloca na mesa o
conceito de “desterritorialização”
Por Ricardo Barretto
A culinária talvez seja a atividade em que essas interações se manifestem de maneira mais explícita. As formas tradicionais e regionais se desenvolvem à base dos recursos naturais disponíveis em determinado lugar. Já na gastronomia contemporânea, essa interação é levada às últimas consequências, por meio da rica e intensa dinâmica com a qual a cozinha tradicional e regional é apropriada e inserida em novos contextos culinários e culturais.
Promover linhas de fuga de um elemento em relação ao contexto em que é conhecido e reorganizá-lo em uma nova conformação remete aos conceitos de desterritorialização e reterritorialização, criado pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari.
No caso da culinária, isso se dá de várias formas: uso de ingredientes exóticos, técnicas de baixa cocção, formas de apresentação da comida, entre outras. O resultado pode ser a ampliação do universo de sabores de um prato, sua elaboração como obra de arte ou mesmo a inserção em um contexto de sustentabilidade- como na busca de uma alimentação mais saudável e produzida com menor impacto socioambiental.
“Quando os chefs contemporâneos revisitam a culinária tradicional do Amazonas, e chegam a uma nova proposta, podemos olhar para isso como o duplo vínculo entre desterritorialização e
reterritorialização”, exemplifica o antropólogo Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (atual UNESP), com pósdoutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.
Tartar de atum com pérolas de mandioca
Essa mistura faz parte do menu que a chef baiana Morena Leite desenvolve para o restaurante Capim Santo, em São Paulo. “Tem gente que pergunta se é um prato brasileiro. Digo que é uma fusão de ingredientes.” Carvalho acredita que as misturas são um vetor de desterritorialização na culinária. “Isso é um traço da cultura contemporânea no mundo inteiro, muito relacionado à cultura fusion. A cultura contemporânea está se ‘deslocalizando’.” Ao trabalhar com fusões, Morena Leite tem por base um Princípio da Cordon Bleu, renomada escola de gastronomia francesa, onde se formou, que é valorizar o que tem em cada região, valendo-se da técnica do contraste. “No restaurante você pode comer um picadinho de picanha acompanhado de uma salada de quinua”, exemplifica, ao citar a junção da carne vermelha com o grão típico da culinária vegetariana.
As misturas que Morena promove estão ligadas a sua busca pela brasilidade, não apenas por meio dos ingredientes, mas na concepção dos pratos. “Não dá para falar em brasilidade com purismos. Somos uma cultura de misturas.”
Moqueados, defumados, suavizados
O caldeirão cultural nacional serve de referência para muitos chefs contemporâneos. Mariana Villas Boas é autêntica representante desse movimento. Passou parte da infância no Parque Indígena do Xingu, acompanhando a mãe antropóloga e o pai indigenista. “Lá conheci os moqueados e os defumados, que são tão necessários à rotina dos índios. Como fazer isso chegar à nossa mesa?”, questiona. Mariana, no entanto, não é adepta das fusões. Ao contrário, busca a simplificação ao reterritorializar pratos brasileiros. “Se a gente fala em comida regional, tem muita coisa pesada, gordurosa. Comida baiana, por exemplo, é muito condimentada. Como compor menos forte?” Algumas dicas de Mariana: “Tento trabalhar com ingredientes orgânicos, frescos, amainar temperos, procurar a essência dos sabores. A coisa mais original e simplificada.”
Outra adepta da suavização de pratos é Ana Luiza Trajano, autora de uma pesquisa para a qual percorreu 47 cidades brasileiras e que resultou no livro Brasil a Gosto (Editora Melhoramentos) no restaurante homônimo. “Se lá eu faço rabada, tiro o osso e todas as nervuras e gorduras. O caldo é da rabada, mas sem aquele peso”, conta Ana Luiza. “Você não mexe na receita, mas a suaviza. E vas misturas é importante reconhecer cada ingrediente, sem que um brigue com o outro.”
Crus e pouco cozidos
Encarar a culinária como vetor de saúde é outra concepção que permeia a gastronomia contemporânea em seu processo de reterritorialização das comidas típicas. “Sou adepta da culinária saudável, da alimentação como farmácia natural”, conta Morena Leite, que indica alguns princípios da alimentação alinhada com a sustentabilidade. “Viver uma vida com mais harmonia passa também por saber a origem dos alimentos, como foram transportados, como serão manuseados.” E faz uma ressalva: “É preciso deixar esse mito de que, se é saudável, não é saboroso”, defende Morena, que evita fritura, manteiga, creme de leite e dá preferência ao azeite, a alimentos crus, frescos, e ao preparo com baixo cozimento.
Outro modo de reterritorialização da culinária é tratá-la como vetor de conhecimento. Ana Luiza Trajano segue esse princípio ao pé da letra. “Meu propósito é divulgar a cultura brasileira. A comida no restaurante é só uma desculpa”, brinca sobre as atividades que promove no Brasil a Gosto. “As pessoas têm pouco preconceito (menor resistência) em relação à comida. Por isso eu divulgo o Brasil por meio da cultura gastronômica.”
No restaurante são organizadas programações culturais com poesia, teatro e música, levando temas como ‘comida e fé’ ou ‘festas populares’. “A comida se torna um elo entre a fonte dos pratos e os centros urbanos”, define Ana Luiza, que treina os garçons para que saibam contar a história das iguarias servidas.
“Você vê a quantidade incrível de livros de gastronomia. É quase uma filosofia. A culinária está perdendo essa coisa local, para ficar mais universal”, avalia Edgar de Assis Carvalho. O antropólogo ressalta que a culinária também sofreu uma reterritorialização ao ser transformada e reconhecida como atividade artística. “Existem cozinhas, como a do restaurante DOM (em São Paulo), que são uma obra de arte, um museu praticamente.” O exemplo mais contundente dessa reterritorialização da gastronomia em obra de arte vem da Documenta de Kassel, mostra alemã de arte contemporânea.
A edição de 2007 tinha como tema a “transformação” e agregou o restaurante El Bulli, do chef catalão Ferran Adrià, a seu programa, como um pavilhão deslocado (o restaurante fica na região da Catalunha), onde as obras expostas eram seus pratos. Talvez nem os modernistas adeptos da antropofagia imaginassem que um dia seria possível literalmente comer uma obra.
O antropólogo Claude Lévi-Strauss descreveu em 1964, no primeiro volume da obra Mitológicas, o uso do fogo na culinária indígena como o signo da passagem do homem e sua relação com o ambiente de um contexto de natureza para o de cultura. Essa passagem ficou marcada pela expressão “O cru e o cozido”, que dá nome ao livro de Lévi-Strauss. “A transformação de um estado para outro é possível pela mediação do fogo. E fogo é igual à cultura”, explica o especialista .
Os vários estágios dos alimentos foram organizados por Lévi-Strauss em um triângulo no qualos vértices correspondem aos estados de cru, cozido e podre, e os lados indicam o assado, o defumado e o ensopado, que representam os estados intermediários entre cada vértice. “Esse triângulo pode ser observado nas diferentes formas de preparo da comida em todas as culturas”, explica Carvalho. Do arroz com feijão ao biju com caldo de peixe. Do stake tartar com molho de tamarindo ao casu-marzu, o queijo italiano repleto de larvas.
Leia entrevista com Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, aqui
http://www.charoth.com/
Por Ricardo Barretto
Ricardo Barretto
Ricardo Barretto
Território
e cultura são planos que se misturam e se influenciam mutuamente. O
espaço físico determina atividades produtivas e ritos de uma população,
ao mesmo tempo que a população modifica o ambiente onde vive de acordo
com valores, costumes e interpretações da realidade.A culinária talvez seja a atividade em que essas interações se manifestem de maneira mais explícita. As formas tradicionais e regionais se desenvolvem à base dos recursos naturais disponíveis em determinado lugar. Já na gastronomia contemporânea, essa interação é levada às últimas consequências, por meio da rica e intensa dinâmica com a qual a cozinha tradicional e regional é apropriada e inserida em novos contextos culinários e culturais.
Promover linhas de fuga de um elemento em relação ao contexto em que é conhecido e reorganizá-lo em uma nova conformação remete aos conceitos de desterritorialização e reterritorialização, criado pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari.
No caso da culinária, isso se dá de várias formas: uso de ingredientes exóticos, técnicas de baixa cocção, formas de apresentação da comida, entre outras. O resultado pode ser a ampliação do universo de sabores de um prato, sua elaboração como obra de arte ou mesmo a inserção em um contexto de sustentabilidade- como na busca de uma alimentação mais saudável e produzida com menor impacto socioambiental.
“Quando os chefs contemporâneos revisitam a culinária tradicional do Amazonas, e chegam a uma nova proposta, podemos olhar para isso como o duplo vínculo entre desterritorialização e
reterritorialização”, exemplifica o antropólogo Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (atual UNESP), com pósdoutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.
Tartar de atum com pérolas de mandioca
Essa mistura faz parte do menu que a chef baiana Morena Leite desenvolve para o restaurante Capim Santo, em São Paulo. “Tem gente que pergunta se é um prato brasileiro. Digo que é uma fusão de ingredientes.” Carvalho acredita que as misturas são um vetor de desterritorialização na culinária. “Isso é um traço da cultura contemporânea no mundo inteiro, muito relacionado à cultura fusion. A cultura contemporânea está se ‘deslocalizando’.” Ao trabalhar com fusões, Morena Leite tem por base um Princípio da Cordon Bleu, renomada escola de gastronomia francesa, onde se formou, que é valorizar o que tem em cada região, valendo-se da técnica do contraste. “No restaurante você pode comer um picadinho de picanha acompanhado de uma salada de quinua”, exemplifica, ao citar a junção da carne vermelha com o grão típico da culinária vegetariana.
As misturas que Morena promove estão ligadas a sua busca pela brasilidade, não apenas por meio dos ingredientes, mas na concepção dos pratos. “Não dá para falar em brasilidade com purismos. Somos uma cultura de misturas.”
Moqueados, defumados, suavizados
O caldeirão cultural nacional serve de referência para muitos chefs contemporâneos. Mariana Villas Boas é autêntica representante desse movimento. Passou parte da infância no Parque Indígena do Xingu, acompanhando a mãe antropóloga e o pai indigenista. “Lá conheci os moqueados e os defumados, que são tão necessários à rotina dos índios. Como fazer isso chegar à nossa mesa?”, questiona. Mariana, no entanto, não é adepta das fusões. Ao contrário, busca a simplificação ao reterritorializar pratos brasileiros. “Se a gente fala em comida regional, tem muita coisa pesada, gordurosa. Comida baiana, por exemplo, é muito condimentada. Como compor menos forte?” Algumas dicas de Mariana: “Tento trabalhar com ingredientes orgânicos, frescos, amainar temperos, procurar a essência dos sabores. A coisa mais original e simplificada.”
Outra adepta da suavização de pratos é Ana Luiza Trajano, autora de uma pesquisa para a qual percorreu 47 cidades brasileiras e que resultou no livro Brasil a Gosto (Editora Melhoramentos) no restaurante homônimo. “Se lá eu faço rabada, tiro o osso e todas as nervuras e gorduras. O caldo é da rabada, mas sem aquele peso”, conta Ana Luiza. “Você não mexe na receita, mas a suaviza. E vas misturas é importante reconhecer cada ingrediente, sem que um brigue com o outro.”
Crus e pouco cozidos
Encarar a culinária como vetor de saúde é outra concepção que permeia a gastronomia contemporânea em seu processo de reterritorialização das comidas típicas. “Sou adepta da culinária saudável, da alimentação como farmácia natural”, conta Morena Leite, que indica alguns princípios da alimentação alinhada com a sustentabilidade. “Viver uma vida com mais harmonia passa também por saber a origem dos alimentos, como foram transportados, como serão manuseados.” E faz uma ressalva: “É preciso deixar esse mito de que, se é saudável, não é saboroso”, defende Morena, que evita fritura, manteiga, creme de leite e dá preferência ao azeite, a alimentos crus, frescos, e ao preparo com baixo cozimento.
Outro modo de reterritorialização da culinária é tratá-la como vetor de conhecimento. Ana Luiza Trajano segue esse princípio ao pé da letra. “Meu propósito é divulgar a cultura brasileira. A comida no restaurante é só uma desculpa”, brinca sobre as atividades que promove no Brasil a Gosto. “As pessoas têm pouco preconceito (menor resistência) em relação à comida. Por isso eu divulgo o Brasil por meio da cultura gastronômica.”
No restaurante são organizadas programações culturais com poesia, teatro e música, levando temas como ‘comida e fé’ ou ‘festas populares’. “A comida se torna um elo entre a fonte dos pratos e os centros urbanos”, define Ana Luiza, que treina os garçons para que saibam contar a história das iguarias servidas.
“Você vê a quantidade incrível de livros de gastronomia. É quase uma filosofia. A culinária está perdendo essa coisa local, para ficar mais universal”, avalia Edgar de Assis Carvalho. O antropólogo ressalta que a culinária também sofreu uma reterritorialização ao ser transformada e reconhecida como atividade artística. “Existem cozinhas, como a do restaurante DOM (em São Paulo), que são uma obra de arte, um museu praticamente.” O exemplo mais contundente dessa reterritorialização da gastronomia em obra de arte vem da Documenta de Kassel, mostra alemã de arte contemporânea.
A edição de 2007 tinha como tema a “transformação” e agregou o restaurante El Bulli, do chef catalão Ferran Adrià, a seu programa, como um pavilhão deslocado (o restaurante fica na região da Catalunha), onde as obras expostas eram seus pratos. Talvez nem os modernistas adeptos da antropofagia imaginassem que um dia seria possível literalmente comer uma obra.
O antropólogo Claude Lévi-Strauss descreveu em 1964, no primeiro volume da obra Mitológicas, o uso do fogo na culinária indígena como o signo da passagem do homem e sua relação com o ambiente de um contexto de natureza para o de cultura. Essa passagem ficou marcada pela expressão “O cru e o cozido”, que dá nome ao livro de Lévi-Strauss. “A transformação de um estado para outro é possível pela mediação do fogo. E fogo é igual à cultura”, explica o especialista .
Os vários estágios dos alimentos foram organizados por Lévi-Strauss em um triângulo no qualos vértices correspondem aos estados de cru, cozido e podre, e os lados indicam o assado, o defumado e o ensopado, que representam os estados intermediários entre cada vértice. “Esse triângulo pode ser observado nas diferentes formas de preparo da comida em todas as culturas”, explica Carvalho. Do arroz com feijão ao biju com caldo de peixe. Do stake tartar com molho de tamarindo ao casu-marzu, o queijo italiano repleto de larvas.
Leia entrevista com Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, aqui
http://www.charoth.com/