quinta-feira, 7 de maio de 2015

"É uma ilusão achar que os grandes produtores estão preocupados com a fome no mundo." Peri Maré

A natureza é sábia e muito do trabalho de um Chef, é ter um olhar preciso na escolha dos seu produtos, ele se beneficia muito da qualidade e do frescor de bons insumos. 

Para tanto o nosso Bate&Leva de hoje foi conversar com um biólogo, Peri Maré, e saber como pensa e como vê a importância da vida marinha e a necessidade de cuidar melhor deste bem tão espoliado.

Atualmente fazendo doutorado em Ecologia pela UFBA, ele guarda muito contato com comunidades tradicionais de pesca desde de Caravelas, no extremo sul da Bahia, até a Baía de Todos os Santos e todo o seu recôncavo.
Leciona no Ensino Médio e no Curso Superior tendo contato diário com as mais diversas faixas etárias, o que lhe mantem atualizado. Desde adolescentes entre 14 e 18 anos, a alunos entre 19 e 56 anos (é isso mesmo), o que lhe da um suporte importante no debate e lhe permite um contato amplo e aberto. 

Além disso concilia as atividades de pesquisador e o trabalho com ecologia de peixes tropicais, atividade que desenvolve em campo, em conjunto com pescadores em terra e muitas vezes embarcado e que muito lhe inspira.

Não passa sem a lasanha da mamãe, mas curte muito a cozinha da esposa, inspirada na Bella Gil, arrisca na cozinha e eu já soube que manda muito bem, com vocês Peri Maré!

Bate&Leva

<Si pudesse sentar a mesa com Perimar Maré, o que lhe preguntaria?
R. Converso comigo mesmo e tem vários assuntos que trataria comigo numa mesa (futebol, capoeira, filosofia, política, literatura, sexo, história, ciências)... mas pra começar, perguntaria que bebida seria interessante com o prato a ser servido.


<Acha que o mercado cresceu e as pessoas estão mais conscientes em termos do que é uma "boa alimentação"?
R. Acho que há um aumento e uma popularização maior da boa alimentação, mas não é massiva ainda. Há muito o que avançar até termos consciência da importância e do que é de fato uma boa alimentação, visto que há muitos mitos e inverdades que permeiam esse assunto, bem polêmico, por sinal.

<Que acha do processo das mariculturas e da inserção de peixes que não fazem parte do seu verdadeiro habitat, como e o caso da Tilápia, os Biólogos são consultados ? 

           
R. Há de se ter muito cuidado com os cultivos, pois eles provocam vários tipos de impactos negativos, principalmente ao meio ambiente. 
Um deles é a introdução de espécies que não são nativas do local de cultivo. Quando isso acontece, sempre há fuga desses animais, pois é praticamente impossível controlar 100%. Se eles começam a se reproduzir nesse novo ambiente, podem competir ou predar espécies nativas, levando-as a extinção. Ainda, os efluentes desses cultivos não são tratados, sendo despejados na maioria das vezes diretamente no ambiente próximo (rio ou mar), modificando as condições naturais da água e provocando uma série de danos às espécies que ali vivem. Outro problema é o uso de ração na alimentação, que não é balanceada como a alimentação natural. Sendo assim, você come peixe achando que é saudável, mas na verdade está comendo hormônios em excesso e nutrientes diferentes dos naturais, esses sim bons para nossa alimentação. Contido, a aquicultura bem praticada, com tratamento de efluentes, espécies nativas e alimentação o mais natural possível, pode ser uma saída interessante para aplacar a fome em boa parte do mundo e gerar renda para comunidades tradicionais. Geralmente há biólogos trabalhando nos projetos de aquicultura, mas nem todos tem consciência ambiental e o poder do salário fala mais alto, lamentavelmente.

<Na Bahia, precisamente no Recôncavo, temos um patrimônio que são os "Fumeiros", uma técnica que vem sendo desenvolvida ali, a séculos, mas seguem proibidos pela saúde publica e a policia do estado.

Acha que o estados deve promover a inserção deste patrimônio, ou simplesmente punir levando a extinção deste bem gastronômico?
                                                       
R. Não tenho conhecimento sobre o motivo pelo qual os fumeiros foram proibidos. Isso tem que ser visto com calma. Nem toda tradição é boa e deve ser mantida. Há coisas que os mais antigos faziam e não é correto ou a atividade tornou-se mais arriscada por algum motivo. Outras são patrimônio mesmo e devem ser resgatadas e/ou preservadas. Nesse caso, precisaria estudar os motivos da proibição para dar uma resposta mais sensata.

<Segundo estimativas da FAO (Organização da Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), indica que 34 mil pessoas morrem de fome todos os dias e 930 milhões, sofrem desnutrição severa. Nunca se produziu tantos alimentos, porque não se acaba com a fome no mundo?                       
R. Porque o motivo de se produzir alimentos não é alimentar a população, mas lucrar com isso. Não é incomum casos em que produtores jogam sua produção fora literalmente porque os preços caíram, sem sequer pensar em doação para lugares onde há pessoas carentes. É uma ilusão achar que os grandes produtores estão preocupados com a fome no mundo. Ainda, muitos dos alimentos que são produzidos em grande escala são transgênicos, como soja, milho e vários outros, podendo ser perigosos para saúde humana. A questão não é a quantidade de alimento, mas que alimento é esse e qual é o seu fim.

<Como fazer para conscientizar as pessoas da importância dos Orgânicos?
R. Mostrar resultados. Não há outra forma. Mostrar diferenças entre a alimentação baseada em orgânicos e a que usa agrotóxicos. E ainda há os dados mascarados, pesquisas sobre câncer que são boicotadas por grandes empresas produtoras de alimentos não saudáveis.

<Estamos consumindo percapto cerca de 5,5 litros por ano de agrotóxicos, que pensa disso? 
R. É totalmente absurdo e obviamente haverá um preço a ser pago por isso em nosso organismo. 

<As preferência alimentares são uma das principais bases das identidades culturais, como vê este momento, onde muitos do nossos famosos Chef volta-se a valorizar e prestigiar pratos e produtos locais?

R. Isso demorou de acontecer, deveria sempre ter sido assim. Acho maravilhoso que a comida da terra seja valorizada, e não apenas do ponto de vista cultural, mas também porque geralmente é uma alimentação baseada em coisas locais e evitam a introdução de novas espécies para cultivo.

<Como vê a participação das mulheres na gastronomia hoje, ou segue sendo um território o masculino?
R. Mudou bastante ao meu ver. Hoje temos vários programas apresentados por mulheres com boas receitas, temos boas chefs pelo mundo todo e, em contrapartida, os homens começaram a entrar na cozinha em casa... eu mesmo adoro cozinhar quando tenho tempo.

<Que  te faz brilhar os olhos com seu trabalho?
R. Adoro tudo que faço no meu trabalho, desde o contato com os alunos e pescadores, até as atividades mais braçais em campo. Gosto da diversidade de atividades e dos resultados pessoais que ele me traz.

2 comentários:

  1. Obrigado pelo espaço, meu velho. É sempre um prazer poder participar e colaborar com o seu belíssimo trabalho!!!!!!! Forte abraço...

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  2. Adorei essa reportagem da Bahia para o Mundo vc merece Perimar Maré bjs,

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