domingo, 3 de maio de 2015

"O alimento com que nascemos, faz parte da nossa memória mais querida e confortante." Hoje o Bate&Leva tem como convidada Rosana Almeida.

Foto: Scott Milliman
Há pessoas que parecem sensações, um encontro fortuito, uma paisagem de Van Gogh com brilho de girassóis, onde a calma, é um mero pretexto de intensidade. 
Um fim de tarde azul e música, música...Reflexos dos cristais de Jobim, ou enigmáticas Clarices, minha convidada de hoje no Bate&Leva, é um querida, e trafega por estes universos.

"O lugar não importa: pode ser o Japão, a Holanda, a campina inglesa. 
Mas é absolutamente preciso que seja domingo. 

O azul do céu ecoa na esmeralda do rio
E o rio reflete docemente as margens de relva verde-laranja
Dir-se-ia que da mansão da esquerda voou o lençol virginal de miss
Para ser no céu sem mancha a única nuvem.
A calma é velha, de uma velhice sem pátina
As cores são simples, ingênuas
A estação é feliz: o guarda da ponte chegou a pintar..
." A ponte de Van Gogh 
Vinícius de Moraes

Foto: Scott Milliman
Diplomada em Comunicação com Habilitação em Jornalismo Rosana Almeida, se dedicou ao ensino de inglês e português como língua estrangeira,  tradutora de  português para o inglês, e do alemão para o português. Trabalhou na realização de vídeos e de festivais de arte audiovisual, e no momento em sua mesa um livro de contos em fase de editoração.
Na cozinha, ela se diz uma amadora pronta há experimenta
ção, cultiva plantas e sonha com uma casinha em Mucujê, onde possa dedicar mais tempo as frutas orgânicas, gosta de tudo e esta sempre aberta ao novo.

  Bate&Leva

< Se pudesse se sentar à mesa com Rosana Almeida, o que lhe perguntaria?

- Ai, Loko! Juro que não sei! O que você me perguntaria?

< Acha que o mercado cresceu e as pessoas estão mais conscientes do que é uma "boa alimentação"?

Foto Leandro Nuñez
- Se eu comparar a oferta de ingredientes e restaurantes que havia na Salvador em que eu cresci com a que temos agora, é óbvio que o mercado cresceu muito. Muitíssimo, eu diria. Quanto às pessoas estarem mais conscientes do que é uma boa alimentação, me parece que nas camadas mais escolarizadas esta conscientização vem aumentando - haja vista a crescente procura por alimentos orgânicos, por exemplo, e por um maior balanceamento das refeições. No entanto, ainda há um longo caminho a ser trilhado; a grande maioria desconhece o fato de que consumimos uma quantidade inadmissível de agrotóxicos, os produtos orgânicos ainda são inacessíveis para elas, e em muitos lugares do interior as pessoas deixam as frutas virar lama debaixo das árvores e só se alimentam de carne seca e farinha. Tudo isto é muito triste.

< Na Bahia, precisamente no Recôncavo, temos um patrimônio que são os "Fumeiros", com uma técnica que vem sendo desenvolvida ali há séculos  mas seguem proibidos pela Saúde Pública e a polícia do Estado. Acha que o Estado deve promover a inserção deste patrimônio ou simplesmente punir, levando à extinção deste bem gastronômico?

Foto: Rafael Moraes
- Seria um crime cultural inominável permitir que essa técnica desapareça. 
É preciso que haja um esforço no sentido de adequá-la às exigências sanitárias, o que poderá acontecer se houver um mínimo de boa vontade de ambas as partes e apoio por parte do governo em relação a qualificar os produtores. Sabe-se que existem vários tipos de queijo na Europa que são produzidos sem passar pelo processo de pasteurização, o que vai de encontro às exigências dos órgãos de Saúde Pública. Não sei se a coisa funciona lá clandestinamente, mas o fato é que pequenos produtores continuam a fornecê-los. Temos que ter bom senso e não deixar que riquezas culturais sejam perdidas.

< Os brasileiros não formam um grupo étnico homogêneo, o que nos torna um pais com uma rica diversidade de culturas; esta mistura é muito propícia à criação. No nosso caso, a culinária, como tirar proveito maior destas riquezas?

- Creio que isto vem acontecendo de algum tempo para cá, com a já citada valorização de ingredientes, sabores e saberes culinários tipicamente brasileiros. Espero que os chefs ora em formação sejam cada vez mais incentivados a enveredar por este caminho.

< Como fazer para conscientizar as pessoas da importância dos orgânicos?


Foto: Scott Milliman
- O único caminho é a educação.  Isto significa não somente trazer informação à população como possibilitar que os pequenos agricultores tenham condições de aderir a esta prática, que ela seja economicamente viável para eles. No entanto, devemos lembrar que isto não interessa nem um pouco ao Agronegócio,  e que ele dispõe dos meios para influenciar muitos de nossos legisladores. No dia, porém, em que a maior parte da população exigir ter em sua mesa alimentos sem veneno, pode ter certeza de que isso se fará.

< Acha que ainda somos, gastronomicamente falando, colonizados?  Ou - melhor -,  já estamos seguros de que a nossa culinária é fruto da nossa história? Ou isso é uma tendência?

- Acredito que estamos a caminho de valorizar cada vez mais uma gastronomia genuinamente brasileira. Mas isso não significa desprezar a arte culinária que vem de fora, que em todos os países é extremamente rica e saborosa. Eu, por exemplo, adoro a culinária indiana, vietnamita, a autêntica cozinha chinesa (não a que temos em Salvador). Todas elas, inclusive, fazem uso de técnicas que só podem vir a enriquecer e facilitar o trabalho de quem cozinha. O mundo é um só, há lugar para todos, e uma cidade cosmopolita pode oferecer o que melhor existe no planeta para a alegria do paladar de seus residentes.

< As preferências alimentares são uma das principais bases das identidades culturais. Como vê este momento, quando muitos de nossos famosos chefs voltam-se a valorizar e prestigiar pratos e produtos locais?

- Pergunte a qualquer imigrante do que é que ele sente falta e ele vai certamente mencionar a comida como um dos elementos.  
O alimento com que nascemos e crescemos faz parte da nossa memória mais querida e confortante. Você vê que, por mais que se tente impor produtos como Sucrilhos para o café da manhã, os nordestinos, por exemplo, continuamos preferindo o beiju, o mingau, o cuscuz e tudo isso que faz parte da nossa história pessoal. Portanto, uma gastronomia brasileira que dê o devido valor a essa história sempre será bem recebida por estômagos e corações.

< Como vê a participação das mulheres na gastronomia hoje, ou ela segue sendo um território masculino?

- Tem essa coisa, né, de que os melhores chefs são homens. Mas tem muita mulher lhes fazendo frente: Nossa Dadá, Carla Pernambuco, Neka Mena Barreto e muitas outras. Essa lenda ainda é fruto de um machismo que vem perdendo cada vez mais importância. Talento e cabeça aberta é boa coisa e independe de gênero.

4 comentários:

  1. Entrevista bacana sobre comidas de raiz, o último traço de cultura que abandonamos quando moramos fora. Qual o baiano que retornando a bahia, resite a chegar junto de um tabuleiro, ao sentir o cheiro do acarajé?!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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