Sua história ficou preservada na memória da população insular. Segundo os relatos, Maria Felipa viveu na Ponta das Baleias, no Convento, casarão que tinha esse nome “porque abrigava [...] os que só tinham de seu o sol e a lua” [1].
É descrita como uma negra alta e forte, que vestia saias rodadas, bata, torso e chinelas.
Liderando um grupo de mulheres e homens de diferentes classes e etnias, fortificou as praias com a construção de trincheiras, organizou o envio de mantimentos para o Recôncavo e as chamadas “vedetas” que eram vigias nas praias, feitas dia e noite, a fim de prevenir o desembarque de tropas inimigas além de participar ativamente de vários conflitos.
Durante as batalhas, seu grupo ajudou a incendiar inúmeras embarcações: a Canhoneira Dez de Fevereiro, em 1º de outubro de 1822, na praia de Manguinhos; a Barca Constituição, em 12 de outubro de 1822, na Praia do Convento; em 7 de janeiro de 1823, liderou aproximadamente 40 mulheres na defesa das praias de Itaparica. Armadas com peixeiras e galhos de cansanção surravam os portugueses para depois atear fogo aos barcos usando tochas feitas de palha de coco e chumbo.
Citada claramente por alguns autores como Xavier Marques no romance histórico O Sargento Pedro e pelo historiador Ubaldo Osório em A Ilha de Itaparica.
A história de Maria Felipa pode bem ter sido inspiração para a Maria da Fé de Viva o Povo Brasileiro, obra de João Ubaldo Ribeiro.
Diferente das outras heroínas do panteão do 2 de Julho, Maria Felipa transgrediu os padrões impostos pela sociedade por ser mulher e liderar um grupo armado e, sendo negra e pobre, reivindicar direitos mesmo após o fim da guerra.
Na primeira cerimônia de hasteamento da bandeira nacional, após a derrota definitiva dos portugueses, na Fortaleza de São Lourenço em Ponta das Baleias, Felipa e seu grupo do qual são conhecidas Joana Soaleira, Brígida do Vale e Marcolina, invadem a Armação de Pesca de Araújo Mendes, português abastado, e surram o vigia Guimarães das Uvas, evidenciando que as lutas da população itaparicana não haviam terminado. Esse evento demonstra também a hostilidade que havia entre a população brasileira, principalmente negra e mulata e os lusitanos que resultavam em conflitos denominados mata-marotos.
Mulher, pobre, negra, marisqueira, essas são características não só de Maria Felipa, mas de um grupo que teve participação significativa no processo de libertação da Bahia, mas que permanece, sob vários aspectos, ignorado.
Ela é um símbolo de resistência, de uma população que mesmo notificada para deixar a ilha pelo governo de Cachoeira, preferiu permanecer e lutar pela sua liberdade. Numa passagem do romance O Sargento Pedro, os homens estão se preparando para um ataque português e Maria Felipa segura uma tocha para que os pescadores cavem uma trincheira, um deles diz “Estou cavando a minha cova…” e é imediatamente retrucado por ela “Cava, mas não p’ra ti. . .”[2]
Mesmo sem comprovação documental sobre Maria Felipa, sua existência já está registrada pela população itaparicana, através da memória que lhe confere diferentes significados, para estas pessoas ela é um personagem real inserido em suas histórias de vida e realidade social.
BIBLIOGRAFIA
AMADO, Janaína. O Grande mentiroso: tradição, veracidade e informação em história oral. História. São Paulo, n. 14, p. 125-136, 1995.
FARIAS, Eny Kleyde Vasconcelos de. Maria Felipa de Oliveira: heroína da independência da Bahia. Salvador: Quarteto, 2010.
MARQUES, Xavier. Sargento Pedro: tradições da independência. 2. ed. Salvador: Catilina, 1921.
REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
TAVARES, Luis Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. Salvador; São Paulo: UNESP; Edufba, 2001.
______. Independência do Brasil na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005
Conheça o estudo e alguns resultados de projetos de Pesquisa Participativa de Base Comunitária(PPBC) envolvendo duas comunidades tendo como foco saúde, ambiente e trabalho de pescadoras artesanais/marisqueiras.
SAÚDE, AMBIENTE E TRABALHO EM COMUNIDADES DE MARISQUEIRAS DA BAÍA DE TODOS OS SANTOS, BAHIA, BRASIL.
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