São Africanos, Hindus, Árabes e cristãos.
Desembarcados, exaustos, sangrando pelo “mal de Luanda”, o escorbuto infalível, ulcerados, arquejando ao peso da “barriga-d`água”, os escravos quase sempre, iam recuperar as forças e recobrar a saúde acampados debaixo dos cajuais multimilionários de ácido ascórbico“ Costume velho. Já os negreiros e os senhores de engenho praticavam o internamento dos negros debilitados pela longa travessia oceânica ou dos atacados de ascites, cobertos de feridas, esgotados pela árdua tarefa dos eitos, nos cajuais praieiros, de onde dois ou três meses depois regressavam curados. (CASCUDO. História da alimentação no Brasil, p. 223.).
Por Maria Laura Oliveira Gomes
Molhos fundamentais na culinária baiana
1. Molho de Pimenta verde e Limão:
Juntam-se algumas pimentas verdes e caldo generoso de limão mirim. Cortam-se algumas
rodelas de cebolas levemente amassadas, para incorporar o seu sabor peculiar. Esse molho é para assados e guisados, sendo o mais apreciado por todos, no dia a dia.
2. Molho de Acarajé
Para Iansã, oferece-se o alimento mais quente de todos, o acará, mais conhecido como acarajé, cuja palavra se origina de akará on jé, que significa pão para se comer.
É o alimento preferido dos orixás do Fogo, Iansã e Xangô.
O molho para servir com o acarajé exige um trabalho mais artesanal. Tudo isso faz parte de detalhes da culinária votiva, sujeita também a variações de cada Casa religiosa. Utiliza-se
a pimenta malagueta seca, de sabor ativo e marcante, com camarões secos moídos e cebolas cuidadosamente raladas. Adiciona-se sal para finalizar essa primeira etapa. Em frigideira de barro, fritam-se os ingredientes em azeite de dendê, que deve já estar fervendo, para depois ser oferecido como complemento indispensável ao caruru, efó, xinxim, acarajé, abará e outros pratos. Todos à base de dendê que, no dizer de Lody (1979), “funciona como uma espécie de síntese de todos os sabores africanos aqui preservados e relembrados nos terreiros”. Se uma África geral é assumida no dendê, então, comer dendê é comer um pouco da África, trazendo-a, assim, para a intimidade de um prato, de um ritual, de um gosto condicionado às civilizações e às histórias dos povos africanos
´.
3. Molho de Azeite e Vinagre
Sal, pimenta e cebola são os ingredientes básicos que participam também do banquete dos orixás. Adicionam-se um molho de coentro e cebolinha verde, ao tempo em que se banha generosamente a pasta de pimenta com azeite e vinagre.
4. Molho Nagô
Também bastante representativo na antropologia da culinária baiana é essa pasta conseguida pela maceração de pimentas malaguetas com sal, cebola ralada, camarões secos e triturados. Tudo isso é frito no azeite de dendê. Vale ressaltar que toda essa alquimia é conseguida através da cuidadosa escolha de vasilhames de barro, de machucador e mão-de-pilão feitos com madeira e de ralos tradicionais.
A observância desses requintes, aqui na Bahia, deve-se aos “fundamentos” da comida de santo que incorporadas ao cotidiano das famílias em geral, estabelecem o elo entre a comida sagrada e a profana, constituindo-se desta maneira uma extensão da realidade ocorrida nos terreiros.
Ingredientes do tipo cravo, canela, gengibre e erva doce, ao serem adicionados aos doces em calda, cocadas, mugunzás e acaçás, transformam o alimento em manjares dos deuses. E pela generosidade de uma cultura milenar, essas iguarias tornam-se presentes no cotidiano dos brasileiros de todos os lugares e credos.
As cores, do amarelo-ouro à púrpura, presentes no acarajé, quindins, etc, ao branco imaculado do coco, do inhame, as cocadas e do arroz de haussá ou mesmo nos bolinhos de estudante, conferem ao alimento um belo visual , transformando-o em iguarias tão famosas e que, no
entanto, são comumente encontradas nos tabuleiros da baiana, ou caixas de vender mercadorias.E por falar em arroz de haussá, qual a sua origem? Valhome da transcrição feita por Vianna Sodré (1939: 45), acerca de uma recordação da infância, segundo nota de rodapé, em Caderno de Xangô, publicação que visava à perpetuação do fazer viver das deusas do dendê, as famosas quituteiras da Velha Bahia, principalmente Fortuna, vendedora de comidas na rampa do mercado Modelo:
A Bahia é envolvida por verdadeiros mistérios, muitos deles de origem africana. Esta terra de mistérios é um território livre que abriga e conjuga todas as vertentes culturais possíveis: tradição e história registradas nos antigos cadernos e anotações culinárias, nas novas seduções dos fast-foods típicos das sociedades contemporâneas, ou até mesmo, das franquias mais disputadas dos acarajés das famosas baianas.
Diante de uma realidade tão inusitada, onde o passado está tão presente no cotidiano das pessoas, testemunhei a perplexidade de uma jovem visitante francesa.
Ela ficou observando a passagem de uma baiana com seu tabuleiro de quitutes.
A figura majestosa desceu de um pequeno carro popular e, junto com alguns auxiliares, possivelmente, seus filhos ou parentes, começaram a arrumar
o cenário que ser viria como pano de fundo para desenvolver o espetáculo diário. As saias engomadas, que a cada passo revelavam o farfalhar de todos os panos, complementadas com uma blusa e uma bata larga, arrematadas por bordados richelieur, o que lhe dava amplitude de movimentos para, simbolicamente, acolher, em seus generosos braços, todos aqueles que a distinguem com a sua preferência. O pano da costa listrado, caindo despojadamente sobre um ombro esquerdo, deixava entrever os fios de contas, nas cores de seus orixás.
Ela ajeitou com graciosidade o seu tabuleiro, acendeu o pequeno fogareiro e se pôs a preparar os acarajés, fritandoos na mais pura flor do azeite
de dendê.
Os fregueses foram chegando e ela adicionava a pimenta e outras iguarias que o acarajé comporta.
O cheiro da comida se espalhava pela praça e a jovem francesa não resistiu à sedução mágica de tudo isso. Esses cheiros e sabores do passado se projetam no presente e no futuro, pois os baianos de hoje disputam tão prazerosamente a culinária votiva, quanto os habitantes da velha Baía.
BIBLIOGRAFIA
AMADO, James. É dengue o que a moça tem: a propósito do erotismo na obra de J. Amado. In:
Vogue Brasil. São Paulo: 56; fev.p.120/129.
VIANNA, Sodré. Molhos. IN: Cadernos de Xangô. Salvador: Livraria E. Bahiana. 1939.
LODY, Raul. Santo também come: estudo sócio-cultural da alimentação cerimonial em terreiros afro-brasileiros. Pref.
Gilberto Freyre. Recife. Instituto Joaquim Nabuco,1979.
Candomblé: religião resistência cultural. São Paulo: Ática, Princípios, 1987.
VARELLA, J. S. C. Cozinha de Santo. Rio de Janeiro: Espiritualista
Ltda. 1972.
RICARDO, C. Marcha para Oeste: a influência da “Bandeira” na formação social e política do
Brasil”. Rio de Janeiro/ São Paulo: José Olympio, Edusp,1970.
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