quinta-feira, 13 de agosto de 2015

As delícias da Chapada

Por Vilson Caetano

É digno de nota o fato de que, aos poucos, vamos adentrando outras cozinhas, experimentando outros sabores e fazendo outras experiências gustativas, que estão além das suscitadas pelas que tradicionalmente conhecemos.

Nos últimos anos tem me chamado a atenção uma espécie de reviravolta do olhar para os de comer da região antes famosa pelos seus diamantes e hoje pela beleza natural indescritível: a Chapada Diamantina.

Não precisamos insistir que essa culinária  começa a gozar de certo prestígio. Se não, mais atenção, que está aparecendo nas redes sociais como uma novidade, ou mais uma opção de slow food. E, por fim, como inspiração de grandes chefes que a contemporaneizam a fim de elevá-la à alta gastronomia, processo que já divide opiniões.

Esta culinária é contemporânea às histórias do próprio garimpo, onde descendentes de índios e africanos se misturaram a outros grupos humanos.

Cabocla
Tive o privilégio de ser criado por uma cabocla do sertão, hoje com mais de 80  anos, nascida numa região próxima às terras que compõem a Chapada. E o de crescer também ouvindo algumas receitas de sua terra natal.

Assim, hoje compreendo que quando a minha avó falava sobre a palma e explicava que era um tipo de cacto que se comia, ela relembrava pela saudade e talvez falasse tanto porque cada vez que rememorava sentia o gosto, o cheiro e outras sensações que a palma refogada lhe remetia.

A palma é, de fato, um dos chamados "carros-chefes" da culinária da Chapada. E prefiro pensar nas suas preparações, combinações, para além do contexto de fome pelo qual algumas comunidades passam.

Gosto mesmo de apostar na criatividade e ousadia das donas de casa, dos cozinheiros, das cozinheiras. A prova disso é que elas estão aí como recheios de tortas, pastéis, refogado, etc. 

Prato de nome curioso é o godó, ou melhor, godó de banana. Em linhas gerais, chamava-se de godó a preparação pastosa onde um ou mais  ingredientes se misturavam. No caso, aqui, é a banana verde com a carne do sol.

A história da carne do sol e o sertão nordestino é algo muito particular.  Infelizmente, a carne do sol como tradicionalmente era feita vem aos poucos desaparecendo, graças aos olhares dos vigilantes sanitaristas que estão por todos os lados. Ou ainda confundindo-se com a chamada carne de sertão e carne de charque.

Não obstante, ainda é possivel encontrar a carne do sol feita através de um dos métodos de conservação mais antigos que se tem notícia, certamente introduzido pelos portugueses e modificado por indígenas e africanos. Assim, outra base da culinária da Chapada é a carne do sol.
A carne do sol é para a cozinha da Chapada, o que o camarão é para a cozinha de azeite. Ela está em tudo e em toda parte. Ela é tão importante que, depois de temperada, bem seca e socada é chamada de farofa de garimpeiro.

Moqueca de jaca
Ao lado da banana e outras  frutas como a manga e a goiaba, destaca-se a jaca, que por mais nacional que pareça, teria
partido da Índia e atravessado o Atlântico. Com a jaca se prepara uma moqueca que vale a pena saborear.

A galinha de quintal, chamada de galinha da terra, é a ave que goza de maior prestígio dentro das delícias da Chapada. Servida acompanhada pelo feijão verde e abóbora, o caldo do ensopado de galinha dá origem a um dos pratos mais emblemáticos da culinária popular, o pirão. Pirão serve para tudo, acredita-se. Levanta até defunto.

Galinha para os doentes foi uma máxima do Brasil Colônia que persiste até hoje. Na Chapada, com o caldo da galinha da terra se prepara o pirão de parida, também conhecido como comida de resguardo, administrada às paridas a fim de fortalecer-lhes o corpo e o espírito.

Hoje se pode degustar esta iguaria e aproveitar para usufruir de outras virtudes que a comida promete. Há ainda a galinha ao molho pardo, preparação por demais conhecida por nós, por ser encontrada em outras cozinhas.

Mas há quem insista que a da Chapada seja diferente e talvez esta diferença possa ser explicada pela ideia de que o gosto é específico de um lugar. Ou ainda porque quando cozinhamos ou saboreamos a comida de um lugar.
Vilson Caetano | Antropólogo | vilsonjr@uol.com.br

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