Eu vim de
Luanda, Ê , Ê Luanda (...)
Assim dizia
uma canção dos anos 80 na belíssima voz de Lazzo Matumbe, cantor e compositor
baiano.Palavras do universo culinário como Quiabo, Fubá, Bobó, Andu, Dendê,
Dengo, Cachaça, Fuxico, Quitanda,Caçula, atestam a forte presença banto em
nossa formação cultural.
O que poucos
sabem é que muitos dos negros trazidos como escravos partir do século XVII eram
de etnia banta, e deixaram raízes profundas na nossa língua e em nossa
gastronomia.Entre os países com povos e línguas banto poderíamos citar
Angola e Moçambique (que falam também português), Zimbábue, Camarões, Gabão,
Quênia, Congo, Ruanda, Namíbia, Burundi e África do Sul. Como se pode ver, a
palavra “banto” encerra enorme diversidade, tendo assim um significado
muitíssimo mais amplo que o de um etnônimo (nome de etnia).
Para a
historiadora e etnolinguista Yeda Castro, "Essa penetração banto se deve a
um processo mais prolongado de contatos interétnicos e interculturais e a
supremacia numérica de língua Banta entre os africanos transplantados para o
Brasil colônia", deste modo, foi se delineando a língua falada no Brasil,
à língua portuguesa que foi amplamente
influenciada pelo modo de falar dos
escravos africanos e principalmente os que aqui primeiro chegaram por volta do
século XVII, os povos de origem banto.
Estes bantos
vieram principalmente da região de Congo e Angola, que antigamente se dividiam
entre os reinos do Congo, Ndongo e reinos ovimbundos, entre outros.
Os bantos
(originários da África Central) têm sido vítima de grande preconceito, desde os
tempos da escravidão, ao serem considerados culturalmente inferiores aos povos
vindos da África Ocidental (como jejes, hauçás e iorubás).
Para muitos
estudiosos, estes povos teriam sido os únicos a manter intacta uma cultura
africana no Brasil.
Segundo
Edson Carneiro, o fato dos bantos terem, em quatrocentos anos, mesclado
elementos da cultura branca e indígena em algumas de suas tradições,
comprovaria a idéia de que sua cultura seria inferior à dos iorubáse sua
mitologia mais rudimentar.
Assim sendo,
cem anos após os primeiros estudos afro-brasileiros, é hora de superar os
estereótipos que, no pensar da afro-brasilidade, nos têm impedido de perceber a
importância do legado africano para o Brasil.
"A ama
negra com seu linguajar banto, fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com
a comida: machucou-as, tiraram-lhes as espinhas, os ossos, as durezas, só
deixando para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí esse português de
menino que no norte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste
mundo. Sem rr nem ss; as sílabas finas moles; palavras que só faltam
desmanchar-se na boca da gente.
A linguagem
infantil brasileira, e mesmo a portuguesa, tem um sabor quase africano: cacá,
bumbum, tentén, nenén, tatá, papá, papapo, lili, mimi (...) Amolecimento que se
deu em grande parte pela ação da ama negra junto à criança; do escravo preto
junto ao filho do senhor branco. Os nomes próprios foram dos que mais se
amaciaram, perdendo a solenidade, dissolvendo-se deliciosamente na boca dos
escravos. Freyre (2001, p. 382)
Alguns
autores como Yeda Pessoa de Castro e Nei Lopes, têm chamado atenção para um
alarmante fato: a matriz africana mais importante para nossa formação cultural
– a matriz banto – tem sido, desde o começo dos estudos afro-brasileiros,
depreciada e esquecida em favor de outra matriz, a iorubá (também chamada
nagô), que, apesar de importante, exerceu influência muito menos significativa
para nossa formação.
O próprio
termo “banto”, no entanto, continua sendo pouco conhecido, e compreender seu
significado é o primeiro passo para que possamos reconhecer a dimensão de nossa
herança africana.
“Banto” (ou
bantu) significa, em centenas de línguas africanas, “as pessoas” ou seja, “os
seres humanos”. Quando, no século XIX, um lingüista alemão – WilhemBleek –
começou a estudar as línguas africanas para saber de onde e como tinham
surgido, ele resolveu utilizar o termo “banto” para designar todas as línguas
nas quais esta palavra – “banto” – possuía o mesmo significado; assim, na sua
sistematização dos idiomas africanos, estas línguas passaram a ser chamadas de
“línguas banto”.
Todas estas
línguas têm também uma raiz comum, provavelmente uma língua muito antiga e
desaparecida há milhares de anos, chamada de “protobanto” (CASTRO, 2001:
27-37).
Com a
continuidade dos estudos sobre estes povos, vária outras semelhanças foram
sendo percebidas, e de uma denominação para um conjunto de línguas, o termo
banto passou a designar o conjunto dos próprios povos que as falavam, surgindo
assim o hábito de usar o termo para designar pessoas, povos, culturas: os povos
banto, a arte banto, a filosofia banto. O termo é amplamente utilizado hoje.
Os bantos
tiveram importância fundamental na história brasileira, pois foram maciçamente
introduzidos no Brasil durante os três séculos da escravidão. Ao contrário dos outros
africanos (que ficaram restritos mais ao litoral e Minas Gerais), eles se
espalharam por todas as regiões do Brasil, participando ativamente da
reconstrução cultural que caracteriza nossa história.
Além dos
povos bacongo (que falavam a língua quicongo e oriundos do Congo), dos ambundo
(do Ndongo, que falavam o quimbundo) e dos ovimbundo (falantes do umbundo),
vieram também os monjolo, os anjico, os balundo e muitos outros (CASTRO, 2001:
25-26).
O grande
fluxo de bantos para o Brasil se deveu ao fato de que, para Portugal, Angola e
toda África Central não passavam de um grande fornecedor de escravos para a
colônia brasileira. Houve um verdadeiro esvaziamento populacional na África,
primeiro nos reinos da costa, como Congo e Ndongo, e em seguida também nos
reinos mais internos, como Cassanje e Matamba (DELGADO, V.3, 1940: 40).
Uma vez
aqui, os bantos foram determinantes para a nossa formação social e cultural.
Tiveram grande influência religiosa: a umbanda e os candomblés de caboclo e
angola (variedades de candomblé) são banto em suas raízes.
Candomblé
vem de “kandombélé”, que significa “rezar” em várias línguas banto, como
umbanda vem de “mbanda”, que significa “algo sagrado”.
As
influências vão muito além do campo religioso. A maioria das manifestações
populares afro-brasileiras, vieram dos bantos. É o caso do samba, do jongo, das
congadas, das festas do boi, da capoeira de Angola ou do Moçambique (CARNEIRO,
1991). Manifestações insuficientemente estudadas e que são muito mais que mero
“folclore”.
Sem
compreendê-las melhor, tampouco compreenderemos a importância do legado
africano para nós. A mais marcante contribuição banto, foi no entanto, para a
nossa língua e, consequentemente, para nossa forma de pensar e lidar com o
mundo.
As línguas
africanas foram o principal fator de transformação da língua portuguesa no
Brasil e dentre elas, as línguas banto foram as mais importantes
(principalmente o quicongo e o quimbundo).
Como
escreveu a lingüista Yeda de Castro, em Falares Africanos na Bahia (2001:74),
esta importância deveu-se “à antiguidade e superioridade numérica de seus
falantes e à grandeza da dimensão alcançada pela sua distribuição humana
(...)”. Como a mesma autora explica, vários aportes bantos, como “mucama”,
caíram em desuso, pois eram relativos à época da escravidão. A maior parte
deles, no entanto, estão completamente integrados ao nosso dia-a-dia. É o caso
de “quitanda”, “carimbo”, “cachimbo”, “corcunda” ou “cachaça”. Às vezes, os
termos banto substituíram por completo o equivalente português, como é o caso
de “caçula”, que é a única palavra que temos para nos referirmos ao irmão mais
novo.
Assim, se o
Brasil pretende valorizar seu legado africano, é urgente que ele reconheça a
importância dos bantos para sua história.
Veja abaixo
uma pequena amostra de termos comuns de origem banto, extraído do livro “Falares
Africanos na Bahia”:
CANJICA:papa
de milho, do : quicongo /quimbundo
kanjika.
CAPANGA:
guarda-costas, do quicongo/quimbundo
kimpungo.
CARIMBO:
selo, sinete, do umbundukandimbu.
DENDÊ:
palmeira, fruto da palmeira, do quicongo/
quimbundo/umbundundende.
DENGO:
birra, manha, do quimbundo ndenge.
FUBÁ:
farinha de milho, do quicongomfuba.
FUTUCAR:
remexer, procurar, do quimbundo kufuca.
GANGORRA:
balanço, do quicongokangula.
GINGA:
balancear, movimento da capoeira, do quicongo/
quimbundo
zinga.
LENGALENGA:
conversa-fi ada, enganosa, do
quimbundo/quicongolenga-lenga.
MACACO:
símio, do quicongomakaaku.
MACULÊLÊ:
dança de bate-pau, do quicongo/
quimbundomankwaleele.
MACUMBA:
manifestações religiosas de origem banto
(congo-angola),
do quicongo/quimbundo makuba(= reza,
invocação).
MANDRAQUE:
feiticeiro, mágico, do quicongo
mandóki.
MANGAR:
zombar, caçoar, do quicongomannga.
MARACUTAIA:
engodo, trapaça, do quimbundo
ma(dia)kutola.
MARIMBONDO:
vespa, do umbundoalimbondo.
MINHOCA:
verme anelídeo, do quicongo/quimbundo
nyoka (=
cobra).
MOLEQUE:
menino travesso, do quicongo/quimbundo/
umbundonleeke.
MONJOLO:
engenho simples movido a água, do
quicongo/quimbundo
mansulu.
MUAMBA:
contrabando, fraude, do quicongo/
quimbundomuhamba.
QUIABO:
fruto do quiabeiro, do quicongo/quimbundo
kiambo.