sexta-feira, 3 de julho de 2015

A revolução campesina das PANCs

Por que chefs de restaurantes renomados enxergam nas plantas alimentícias não convencionais uma possibilidade para a expansão do sabor.
Capiçoba, mentruz, tanchagem, língua-de-vaca, folha-pepino, caruru, salsinha selvagem, couvinha. Sabe o que é tudo isso? Comida. Esses e mais um monte de outros matinhos escondidos nos parques e praças estão indo para o prato em renomados restaurantes brasileiros. Autor do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) No Brasil (Plantarum, 2014), o professor e biólogo Valdely Kinupp, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, mapeou 351 espécies e 1053 receitas possíveis com as ervas daninhas.

Entre os chefs que aderiram às PANCs, estão importantes nomes da cozinha nacional, alguns deles encontraram no lírio-do-brejo — herbácea aromática encontrada em lugares úmidos — um potente ingrediente para desenvolver uma das suas sobremesas mais famosas, o mil folhas de lírio-do-brejo. Achada por acaso na beira de uma estrada, a flor de aroma tão característico chamou a atenção da chef que fez um sorbet com as folhas da plantinha e do rizoma (caule) saiu o mil folhas.

As PANCs também aparecem em entradas, como o Buquê de PANCs servido no restaurante paulistano TUJU sempre com diferentes opções de plantas, de acordo com a sazonalidade. No restaurante localizado na Vila Madalena, a horta pode ser vista na entrada, na varanda e na estufa: “Onde cabe um pouco de terra, plantamos”, diz o lema do espaço. Por lá, os pratos são incrementados com a azedinha — de folha verde e ranhuras vermelhas que você certamente já viu em canteiros da cidade. O buquê de PANCs chega à mesa reunindo folhas, flores, mel de bora e homus de castanha.

Não são poucos os cozinheiros famosos que abriram os olhos e os sentidos para as PANCs. “Estamos definindo um quadro de alternativas de culinárias novas e disseminando como uma prática que depende basicamente do cozinheiro se articular com pequenos produtores”, revela o sociólogo Carlos Alberto Dória, um dos principais teóricos sobre comida no Brasil e que entende a utilização das plantas alimentícias não convencionais como possibilidade para expansão do sabor dentro da culinária brasileira.

De toda forma, recomenda-se procurar saber do que se trata a plantinha que você achou na beira da estrada antes de colocá-la no prato. As PANCs são hortaliças saborosas e podem ser incluídas facilmente na sua rotina alimentar, mas é preciso um pouco de conhecimento. Isso porque algumas espécies são tóxicas e não devem ser consumidas.

Dos tipos com potencial para ir para mesa, o caruru ou bredo é uma ótima fonte de betacaroteno. Muito comum na Bahia, a hortaliça pode ser confundida pelo Popeye devido sua semelhança com o espinafre. A couvinha, ou arnica, pode substituir o coentro e é uma boa pedida em sopas ou cozidos. O aipo-chimarrão, ou Apium leptophyllum (Pers.) F. Muell, é muito utilizada para fins medicinais contra a úlcera e irritações da pele, mas como hortaliça cai bem no lugar da salsinha.

Historicamente, muitos alimentos que estão no nosso prato já fizeram parte do rol das plantas alimentícias não convencionais. Os vegetais, assim como as roupas ou os cabelos, saem ou entram na moda, são descobertos e quando você menos espera já fazem parte do seu cotidiano. Um bom exemplo é a rúcula, que há 40 anos era considerada uma corriqueira erva daninha e hoje não falta em nenhuma salada que se preze.

Para você ter uma ideia do tamanho da lista de PANCs que existem no Brasil, é sabido que existem mais de 10 mil espécies delas. Hoje, porém, somente cerca de 30 espécies de vegetais são responsáveis por cerca de 70% do consumo alimentar mundial. “As PANCs são exatamente as plantas que não estão nesse escopo. Ou elas são cultivadas de maneira doméstica e limitada ou sequer são cultivadas”, explica Dória.

Kinupp acredita que as PANCs podem ser as protagonistas da cozinha brasileira no mundo. “O Brasil pode ser a bola da vez num futuro próximo com grande destaque na gastronomia mundial se usar os ingredientes brasileiros. A gastronomia vive sendo inovada e se começarmos a usar frutas, legumes e folhas brasileiras na alta gastronomia isso pode ser um diferencial, tanto pelo apelo de sustentabilidade e conservação da natureza quanto por seus sabores, novas texturas, novos nutrientes”, profetiza.

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