Por que chefs de restaurantes renomados enxergam nas plantas
alimentícias não convencionais uma possibilidade para a expansão do
sabor.
Capiçoba, mentruz, tanchagem, língua-de-vaca,
folha-pepino, caruru, salsinha selvagem, couvinha. Sabe o que é tudo
isso? Comida. Esses e mais um monte de outros matinhos escondidos nos
parques e praças estão indo para o prato em renomados restaurantes
brasileiros. Autor do livro Plantas Alimentícias Não Convencionais
(PANC) No Brasil (Plantarum, 2014), o professor e biólogo Valdely
Kinupp, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, mapeou 351
espécies e 1053 receitas possíveis com as ervas daninhas.
Entre
os chefs que aderiram às PANCs, estão importantes nomes da cozinha
nacional, alguns deles encontraram no lírio-do-brejo — herbácea
aromática encontrada em lugares úmidos — um potente ingrediente para
desenvolver uma das suas sobremesas mais famosas, o mil folhas de
lírio-do-brejo. Achada por acaso na beira de uma estrada, a flor de
aroma tão característico chamou a atenção da chef que fez um sorbet com
as folhas da plantinha e do rizoma (caule) saiu o mil folhas.
As
PANCs também aparecem em entradas, como o Buquê de PANCs servido no
restaurante paulistano TUJU sempre com diferentes opções de plantas, de
acordo com a sazonalidade. No restaurante localizado na Vila Madalena, a
horta pode ser vista na entrada, na varanda e na estufa: “Onde cabe um
pouco de terra, plantamos”, diz o lema do espaço. Por lá, os pratos são
incrementados com a azedinha — de folha verde e ranhuras vermelhas que
você certamente já viu em canteiros da cidade. O buquê de PANCs chega à
mesa reunindo folhas, flores, mel de bora e homus de castanha.
Não
são poucos os cozinheiros famosos que abriram os olhos e os sentidos
para as PANCs. “Estamos definindo um quadro de alternativas de
culinárias novas e disseminando como uma prática que depende basicamente
do cozinheiro se articular com pequenos produtores”, revela o sociólogo
Carlos Alberto Dória, um dos principais teóricos sobre comida no Brasil
e que entende a utilização das plantas alimentícias não convencionais
como possibilidade para expansão do sabor dentro da culinária
brasileira.
De toda forma, recomenda-se procurar saber do que se
trata a plantinha que você achou na beira da estrada antes de colocá-la
no prato. As PANCs são hortaliças saborosas e podem ser incluídas
facilmente na sua rotina alimentar, mas é preciso um pouco de
conhecimento. Isso porque algumas espécies são tóxicas e não devem ser
consumidas.
Dos tipos com potencial para ir para mesa, o caruru
ou bredo é uma ótima fonte de betacaroteno. Muito comum na Bahia, a
hortaliça pode ser confundida pelo Popeye devido sua semelhança com o
espinafre. A couvinha, ou arnica, pode substituir o coentro e é uma boa
pedida em sopas ou cozidos. O aipo-chimarrão, ou Apium leptophyllum
(Pers.) F. Muell, é muito utilizada para fins medicinais contra a úlcera
e irritações da pele, mas como hortaliça cai bem no lugar da salsinha.
Historicamente,
muitos alimentos que estão no nosso prato já fizeram parte do rol das
plantas alimentícias não convencionais. Os vegetais, assim como as
roupas ou os cabelos, saem ou entram na moda, são descobertos e quando
você menos espera já fazem parte do seu cotidiano. Um bom exemplo é a
rúcula, que há 40 anos era considerada uma corriqueira erva daninha e
hoje não falta em nenhuma salada que se preze.
Para você ter uma
ideia do tamanho da lista de PANCs que existem no Brasil, é sabido que
existem mais de 10 mil espécies delas. Hoje, porém, somente cerca de 30
espécies de vegetais são responsáveis por cerca de 70% do consumo
alimentar mundial. “As PANCs são exatamente as plantas que não estão
nesse escopo. Ou elas são cultivadas de maneira doméstica e limitada ou
sequer são cultivadas”, explica Dória.
Kinupp acredita que as
PANCs podem ser as protagonistas da cozinha brasileira no mundo. “O
Brasil pode ser a bola da vez num futuro próximo com grande destaque na
gastronomia mundial se usar os ingredientes brasileiros. A gastronomia
vive sendo inovada e se começarmos a usar frutas, legumes e folhas
brasileiras na alta gastronomia isso pode ser um diferencial, tanto pelo
apelo de sustentabilidade e conservação da natureza quanto por seus
sabores, novas texturas, novos nutrientes”, profetiza.
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