Por Irme Salete Bonamigo, Caio Bonamigo Dorigon, Patricia de Gomensoro Malheiros.
Diferentemente dos países desenvolvidos, a comida de rua brasileira possui origem na escravidão, em que negras denominadas ganhadeiras vendiam nas ruas doces e salgados produzidos a mando de seus donos, dividindo o lucro entre escravos e senhores.
Segundo Cardoso (2007), o termo comida de rua pode ser definido como o comércio de alimentos vendidos em vias públicas, destinados ao consumo imediato ou posterior, não necessitando de mais nenhuma etapa adicional de processamento.
No caso do Brasil, estas comidas tinham por características serem alimentos gordurosos, fortemente condimentados e por utilizarem partes renegadas dos animais, como vísceras e genitálias. Com a abolição da escravidão, muitas dessas negras viram neste mercado uma forma de sobrevivência e continuaram com a prática de vender estas preparações em vias públicas. Devido ao baixo poder aquisitivo das vendedoras e de sua instrução empírica no preparo dos alimentos, a comida de rua brasileira passou a ter uma forte característica cultural regional, utilizando preparos passados por gerações e fazendo uso de insumos locais com baixos valores agregados.
Por muito tempo esta forma de comércio foi marginalizada, sendo compreendida como comida barata, destinada a pessoas com baixo poder aquisitivo, além de possuir a imagem de ser uma comida “suja” devido ao fato de ter sido preparada fora de casa e, por este motivo, não ter enfoque na higiene e na saúde. No entanto, com o crescimento dos centros urbanos e com a diminuição do tempo livre do dia-a-dia, a comida de rua se tornou uma opção rápida e barata para refeições e passou a abranger diferentes classes sociais, mas manteve sua imagem de mercado marginalizado e com pouca higiene.
Atualmente o termo comida de rua está em voga na mídia brasileira, contando com uma série de eventos destinada a classes com um maior poder aquisitivo. Este é o caso de Porto Alegre, em que acontece há seis edições o projeto itinerante “Comida de Rua” em que chefs emergentes vendem pratos produzidos na hora por um preço, denominado pelos organizadores do evento, como não elitista para em média seis mil pessoas. Além disso, está acontecendo o “Pop Up Tour” em que chefs renomados da cidade utilizam praças e um pequeno caminhão adaptado para servir receitas conceituadas, também denominadas pelos organizadores do evento, como um convite “a experimentar, por um precinho camarada, uma culinária diferente daquela de todo dia em um ambiente também inusitado, como calçadas, gramados e bancos públicos”. Uma característica marcante nestes dois eventos é o afastamento da origem brasileira da comida de rua e a aproximação da origem e tradição europeia, seguindo receitas estrangeiras e usando-as como uma forma de divulgação, mas mantendo a ideia de não elitismo e preço baixo.
Apresentado esse panorama, este artigo visará construir um contraponto entre a comida de rua estigmatizada e a comida de rua em voga, além de identificar possíveis motivos desta ter se tornado uma tendência no mercado alimentar de Porto Alegre. Para isso, será desenvolvida uma revisão de literatura sobre comida de rua, uma teorização tendo base os conceitos desenvolvidos por Bourdieu (2007) em seu livro “A Distinção: crítica social do julgamento” e efetuada entrevistas semiestruturadas com chefs participantes dos eventos citados e com vendedores tradicionais de comida de rua de Porto Alegre.
Irme Salete Bonamigo (Unochapecó), Caio Bonamigo Dorigon (Universidade Federal de Santa Maria), Patricia de Gomensoro Malheiros (UNISINOS) apresentam o trabalho
De estigma à Valorização: panoramas da comida de rua a partir da cidade de Porto Alegre
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