quarta-feira, 15 de julho de 2015

DiCaDiLoKo Pegando Fogo:Porque cozinhar nos tornou humanos-Richard Wrangham

O antropólogo Richard Wrangham e o jornalista Tom Standage tecem assuntos diferentes, cada qual a sua maneira, mas que convergem numa rede de proximidade para demonstrar o quanto foram importantes para nós: o ato de cozinhar e a relação que temos com a comida. Publicados
pela Zahar, Pegando fogo – por que cozinhar nos tornou humanos (Catching fire)
O livro aborda como o ato de cozinhar foi essencial na evolução da espécie humana. A preparação de alimentos em si nos dotou de um cérebro maior e contribuiu ao desenvolvimento da sociedade. 

Whangham nos interpela com a máxima: somos o que somos porque aprendemos a cozinhar. Para tanto, podemos observar em nosso cotidiano, que grande maioria de nós, segue essa trilha ancestral, comer bem é um grande prazer. Indo além, é notório o quanto gostamos de compartilhar ao degustamos pratos quando estamos reunidos. Seria resquício de nosso passado? Para o autor cozinhar é um ato distintivo e único de nossa espécie.

Nenhum outro animal tem a capacidade intelectual para preparar um churrasco, por exemplo. E sem, dúvida, ao contrário do que poderíamos pensar, cozinhar não é um invento moderno, e sim, um ato de centenas de milhares de anos. E é essa hipótese que Wrangam defende em seu livro: a de quê foi preparando a comida que nossos antepassados evoluíram. “Nossa capacidade para melhorar o consumo e aproveitar os alimentos é a chave para entender o salto evolutivo que nos separou dos demais primatas”, afirma o professor de Antropologia de Harvard.

Até hoje, a teoria mais aceita entre a comunidade científica era a da adição da carne crua na dieta dos nossos antepassados hominídeos que permitiu a evolução para a espécie humana. Vale lembrar que anteriormente, os australopitecos, tinham uma dieta baseada em plantas, tubérculos e insetos, cujo sistema digestivo enorme necessitava estar sempre irrigado com sangue, que desprenderia a maior parte da energia para alimentação, impedindo o desenvolvimento de outros órgãos, como o cérebro. Tudo mudou com os habilinos que incorporaram a carne crua, tornando nosso tubo digestivo mais curto, com menos gasto energético, cujo excedente calórico foi destinado a outras partes do corpo, sobretudo o encéfalo.

A “hipótese do cozimento” afirma que o Homo erectus, um antepassado nosso, foi quem dominou o fogo e o cozimento há cerca de 1,8 milhão de anos, permitindo que tivéssemos acesso tanto a nutrientes quanto a hábitos que nos mudariam para sempre. Cozinhar a carne deixou-a mais digerível e capaz de liberar ainda mais energia para nosso sistema nervoso. Whangham, baseado em estudos em áreas diversas, como a primatologia, antropologia cultural e biológica e a biologia evolutiva, afirma que o último salto evolutivo foi o cozimento, que rompia as células dos alimentos, ato que fez nossos estômagos tenham menos trabalho para liberar os nutrientes que o corpo precisa, como uma pré-digestão. Mas o fogo intencionado foi o que possibilitou a transição para o Homo sapiens.

Sem dúvida, a teoria de Wrangham é controversa. Antropólogos, arqueólogos e paleontólogos são céticos, pois não há maneira nenhuma de provar que os Homo erectus sabiam controlar o fogo para assar alimentos. Mas o autor sustenta o ensaio científico com uma narrativa tão clara e direta, que torna a discussão convincente e fascinante. Recomendo a leitura do livro pelo assunto e pela experiência que o autor passou, em especial, quando viveu entre chimpanzés, comendo o que eles comiam. 
Já o segundo, Uma história comestível da humanidade, é uma singularidade ambiciosa que mostra a evolução da agricultura, relevando como a alimentação teve papel transformador para o mundo moderno.

O autor, jornalista do The Guardian, The New York Times, entre outros, demonstra que as mais importantes decisões sobre alimentos foram feitas, realmente há milhares de anos, que plantas e animais que temos hoje como os alicerces de nossa atual sociedade foram domesticadas, resultados de seleções assistidas e de “engenharia genética”. Fatores políticos, sociais e econômicos, são abordados para formar uma perspectiva geopolítica do tema e explicar como perdemos em relação à transformação de caçadores-coletores para agricultores.

O autor faz uma tese provocativa em mostrar que a atividade da agricultura é profundamente anormal, provocadora de tantas mudanças em nosso planeta do que qualquer outra atividade humana. Para citar o exemplo dos caçadores-coletores, com uma dieta – de frutas e carne –bem mais variada do que os cereais, eram mais altos e mais bem alimentados e não sofriam com cáries, raquitismo e escorbuto como os agricultores. Em entrevista a Marcela Buscato, da Época, o autor constata que a agricultura mudou a lógica de sobrevivência. As pessoas podiam acumular objetos e trocar o excedente de sua produção por utensílios. Nem todo mundo precisava produzir alimentos e podia se especializar em outros serviços. Tudo isso deu origem à estratificação da sociedade.

Com uma linguagem fácil, Standage detalha de forma bem curiosa como foi feita essa transformação e as escolhas que levaram a isso, revelando os ingredientes do passado, como a obtenção dos processos seletivos que nos levaram aos cereais, principais alimentos básicos do mundo – o milho, o trigo e o arroz – como também os ingredientes do futuro, quando a genética avançada dos dias de hoje cria seus transgênicos. Entretanto, poderia mostrar uma viagem histórica pela gastronomia, como já fez em seu primeiro trabalho publicado, História do mundo em seis copos, mas cria um apanhado histórico sobre a Revolução Verde, para contar um pouco da história da humanidade.

Adotando esta posição, o jornalista considera a importância do alimento, como molde para nossa sociedade, no caso a estratificação da sociedade entre pobres e ricos, a divisão das pessoas em diferentes profissões, o desenvolvimento industrial, os conflitos militares, a competição geopolítica e econômica – tudo tem como base os alimentos. Pode parecer estranho, mas pensando bem, tudo que foi impulsionado pela humanidade foi literalmente pela comida.

Ante os dois trabalhos, um bastante científico, mas atraente pelas questões levantadas, o outro, bem relevante com seu toque jornalístico, podemos concluir, numa síntese de tudo que foi apresentado, que nossos antepassados iniciaram toda essa história quando resolveram o ponto de como converter uma coisa não comestível em comestível. Para nós, continuamos a escolher...

Serviço

Pegando fogo – por que cozinhar nos tornou seres humanos
Richard Wrangham
Zahar
ISBN: 978-85-378-0196-3
228 páginas
R$ 34,90

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