'estou cheio desta história dos bolos, vou fazer outro prato'.
E com base nestes ingredientes criou o bacalhau a Gomes de Sá. O prato tornou-se um sucesso - de tal forma que, quando mais tarde atravessou um período de dificuldades econômicas, quando o seu armazém ardeu, a solução foi vender a receita."
Segundo o livro Volúpia, editado em 1940, com reedição em 2000, dedicado à Nona Arte – A gastronomia, de Albino Forjaz de Sampaio, são atribuídos 25 lugares de destaque a gastrônomos da altura, sendo que o lugar 20 do pódio é atribuído a José Luís Gomes de Sá Júnior, o criador do famoso bacalhau batizado com o seu nome.
Mas será que sabemos a verdadeira receita?
Gomes de Sá, abreviando o seu nome, nasceu no Porto a 7 de Fevereiro de 1851 e morreu a 31 de Janeiro de 1926. Negociante de bacalhau, sediou o seu negócio num armazém na Rua do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto. Quando ofereceu esta receita que datará do princípio do século XX, ao seu amigo João, do restaurante Lisbonense, na Cidade Invicta, acrescentou ao manuscrito “João, se alterar qualquer coisa desta receita, já não fica capaz”.
Tendo vendido a receita ao seu colega e amigo João, cozinheiro do Restaurante Lisbonense, localizado na Travessa dos Congregados, na cidade do Porto. A receita original propõe que o bacalhau seja cortado em pequenas lascas amaciadas em leite durante cerca de uma hora e meia a duas horas e que seja cozinhado com azeite, alho, cebola, acompanhado com azeitonas pretas, salsa e ovos cozidos.
Este é um prato originário e típico da cidade do Porto, que é a capital da região Norte de Portugal, muito apreciado pelo seu sabor e requinte, normalmente acompanhado com Vinho verde tinto ou Vinho do Dourotinto. É de preparação simples e relativamente rápida.
Por ser muito apreciado, é um prato que tem também impacto em todo o território português, bem como no Brasil, visto que o Brasil foi povoado, estruturalmente, por
portugueses da região Norte de Portugal, de tal modo que este prato e outros pratos de bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua) são consumidos e muito apreciados no Brasil (em que o azeite também é um componente omnipresente nessas receitas gastronômicas de bacalhau), como herança cultural das povoações do Norte de Portugal que permaneceu, até à contemporaneidade, no Brasil. Por essa razão, o Consul do Brasil no Porto, em 1988, João Frank da Costa, decidiu homenagear o criador da receita, José Luís Gomes de Sá Júnior, mandando colocar uma placa na parede da casa onde nasceu, na Rua do Muro dos Bacalhoeiros.
Em vários mercados do Brasil, o bacalhau é vendido como Bacalhau do Porto, devido a esta história relacionada com o Bacalhau à Gomes de Sá, o que, muitas vezes, confunde as pessoas, que acabam por pensar que o bacalhau é pescado no Porto.
O bacalhau à Gomes de Sá foi um dos candidatos finalistas às 7 Maravilhas da Gastronomia portuguesa, o que revela a sua grande importância para a culinária portuguesa, bem como o seu valor gastronômico em Portugal.
Confira a receita tradicional do José Luís Gomes de Sá Júnior
Bacalhau à Gomes de Sá:
“Deitar um quilo de bacalhau previamente demolhado numa caçarola, cobri-lo com água a ferver, abafar com um pano de lã e deixar assim durante 20 minutos.
Depois, tirar-lhe todas as peles e espinhas, fazê-lo em lascas, colocá-lo num prato fundo, submergi-lo em leite quente e esquecê-lo durante duas horas. Antes de cumprido o horário, preparar uma assadeira, deitar-lhe um decilitro e meio de azeite do mais fino, dois dentes de alho, quatro cebolas cortadas às rodelas e, logo que comece a aloirar, juntar-lhes um quilo de batatas previamente cozidas com pele, destonadas na hora, e cortadas em rodelas com um centímetro de espessura mais o bacalhau lascado retirado do leite. A assadeira vai então ao forno e ferve durante 15 minutos. Serve-se o cozinhado muito quente, na própria assadeira, decorado com azeitonas grandes e pretas de boa qualidade, um ramo de salsa muito picada e rodelas de ovos cozidos.”
Seria contudo impensável, nos dias que correm, em estabelecimentos comerciais, o prato ser assim preparado, ao longo de três horas, por isso a minha sugestão seria dar outro nome à reprodução da iguaria, ou apelidá-la como “abordagem” ou “espécie” ou ainda “bacalhau fingido à Gomes de Sá”. Encontramos diversos sites e receitas na Internet e a maior parte com acrescentos ou imprecisões. Uns têm a batata as rodelas sem azeitonas, outros têm as azeitonas, mas com batatas aos quadrados e folhas de louro, que não constam do manuscrito de Gomes de Sá. É como pintar bigodes na Mona Lisa.
Mas olhando bem para a receita e com uma boa mise-en-place, parece perfeitamente fazível, tentar reproduzir de forma muito fiel este clássico. Mesmo em restaurantes pequenos, basta adaptar as quantidades que se julgam possíveis de vender, escaldar o bacalhau, demolhar no leite e tirá-lo ao fim de 2 horas. Depois fazer preps do resto, tais como ter a cebola alourada, os ovos cozidos, a batata cozida com pele. Empratar em assadeira individual e deitar a mistura ao forno quente durante 15 minutos. Finalize da mesma forma – ovos às rodelas, azeitonas e muita salsa bem picada.
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