sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Recôncavo terra de matriarcas

Difícil falar do Recôncavo sem lembrar das grandes mulheres deste lugar, todas elas deixaram marcas fundamentais na cultura, traços profundos na historia do candomblé,  alem de serem as responsáveis por manter as tradições, simbolo maior de resistência e beleza.
Gaiaku Luiza, Virgínia Rodrigues, Edith do Prato, Nicinha do Samba, Dona Canô, Dona Dalva, Mãe Filhinha e tantas outras mulheres, serão sempre as grandes homenageadas nesta festa que vamos dar inicio apartir do dia 29, na Flica com a presença do Chef Alicio Charoth e sua cozinha Sotoko, no Identidade Brasil


Quem não provou as receitas de dona Canô?

Mãe de Caetano e Bethânia guardava um rico patrimônio culinário

Dona Canô morreu como viveu: da forma e no lugar que escolheu.  “Estou indo para o céu”, disse, dias antes, a um vizinho. Matriarca não apenas de sua família, mas da cidade banhada pelo Rio Subaé, que tanto lutou para despoluir, Claudionor Viana Teles Velloso foi a guardiã dos costumes do Recôncavo Baiano. Tanto de sua fé como de seu imenso e particular patrimônio culinário.

“Ao contrário do resto da Bahia, o Recôncavo ainda mantém as tradições da comida de azeite, da comida tradicional”, me disse, aos 98 anos, diante de uma fatia de bolo de limão que compartilhávamos, sentada numa poltrona de veludo grosso sob uma grande foto de Maria Bethânia na parede.

“Quando tem um almoço, vou provar, saber como está. Mas quem faz tudo com gosto e prazer é a Isaura”, dizia ela, sobre sua escudeira há mais de 40 anos. “Azeite de dendê, camarão seco, castanhas e leite de coco não faltam. Nem as frutas frescas para sucos e doces. Sempre tenho farinha de mandioca da feira, que

Caetano e Bethânia adoram, ou os mariscos que Mabel tanto gosta”, explicou, em referência à filha que, por sinal, reuniu as receitas da mãe no livro O sal é dom - receitas de mãe Canô (Melhoramentos).
Apesar das predileções, nenhum dos filhos tinha privilégios à mesa. Nem os famosos. “Não tinha esse negócio de Caetano e Bethânia quererem isso ou aquilo, não. O que um comia, todos comiam”, disse ela, lembrando que, provedora, a mãe precisava cozinhar em grandes quantidades para os oito filhos e muitos agregados da casa de quintal e corredores compridos.

Dona Dalva do Samba

Aos 85 anos, dona Dalva Damiana dos Santos é o que podemos chamar, sem medo de ser marketeiro, de matriarca. É guardiã e reprodutora do samba de roda do Recôncavo Baiano. Já fez participações em shows e DVDs de Gil e Beth Carvalho, mas não larga Cachoeira, a cidade-joia do Recôncavo onde mantém suas rodas uma vez por semana. Tem a autoridade dos grandes.

Neta de escravos, preta altiva, aprendeu com a avó a fazer outro tesouro do qual é também guardiã: a maniçoba. É com essa comida ancestral, mistura de técnicas indígenas e portuguesas retemperadas pela mão africana, que Dona Dalva alimenta o povo do samba – e o povo da sua cidade.

Não é comida simples. Longe disso. Como uma feijoada, o prato leva carnes de porco e demais embutidos. Mas nada de feijões. A base é feita de folhas de mandioca brava trituradas e cozidas.Acabou por aí? Qual nada!

Venenosas, as folhas possuem ácido cianídrico que, se não eliminado, pode matar o comensal.“A folha tem uma maldade, se a gente não tirar a maldade dela, ela mata a gente”, diz dona Dalva. São quatro ou cinco lavagens de água quente até o veneno sair. Depois, um a um, os ingredientes, no total de mais de 24 horas de preparo até tudo virar uma grande pasta verde ocre com sabor das carnes. Coisa da época em que éramos obrigados a transformar o incomível em comível. Hoje, elemento de prazer e peça de identidade.
A guardiã da cultura Jeje
Gaiaku Luiza que é bisneta de africano e foi nascida e criada dentro do candomblé aonde chegou a morar dentro da Roça de Ventura. Teve contato com as velhas tias do candomblé que lhe ensinaram muita coisa. Em 1937 Gaiaku Luiza é iniciada para Oyá na nação ketu, no Ilé Ibecê Alaketu Àse Ògún Medjèdjè, do famoso Babalorixá Manoel Cerqueira de Amorin, mais conhecido como Nezinho de Ògún, ou Nezinho da Muritiba, filho-de-santo de Mãe Menininha do Gantois. Por motivos particulares, após 2 anos Gaiaku Luiza se afasta da Roça deste ilustre Babalorixá. Foi Sinhá Abali, segunda Gaiaku a governar a Roça de Ventura, quem viu que Gaiaku Luiza deveria ser iniciada no Jeje, nação de toda sua família, e não no Ketu. Assim, encarrega sua irmã-de-santo Kpòsúsì Romaninha, de sua inteira confiança, a iniciar Gaiaku Luiza no Terreiro Zòògodò Bogun Malè Hùndo, em Salvador. Em 1944, Gaiaku Luiza é iniciada na nação Jeje sendo a terceira a compor um barco de 3 vodunsìs. Seu barco foi constituído por uma Osún, um Azansú e uma Oyá.
Gaiaku Luiza foi uma das poucas Vodunsìs,  na Bahia, que ousaram abrir uma roça de candomblé jeje-mahi. Isso ocorreu em 1952, num período em que não era comum tal prática dentro do culto jeje. Na época, supõe-se que existiam somente dois terreiros jeje-mahi na Bahia, que eram o Zòògodò Bogun Malè Hùndo (Terreiro do Bogun), em Salvador, e a Roça de Ventura (Sejá Hundê) , em Cachoeira. Com a autorização e participação de sua mãe-de-santo Kpòsúsì  Romaninha, dona Luiza abriu um terreiro jeje-mahi, tornando-se, então, uma Gaiaku.
Texto extraído e readaptado do livro “Gaiaku Luiza e a trajetória do jeje-mahi”, escrito por Marcos Carvalho (Mejitó Marcos de Gbèsén), filho de santo de Gaiaku Luiza.
Foto: Gaiaku Luiza, sacerdotisa do candomblé jeje, em Cachoeira, com o percussionista Nana Vasconcelo

segunda-feira, 29 de setembro de 2014


Sem muita mumunha, Alteridade foi o que se viu, a cidade é o espelho das pessoas que nela habitam, e foi só alegria nas ruas da Bahia com a chegada da primavera e com tanta comida gostosa.


Finalmente ela, a Comida baiana e seus artífices, mostraram a força e a beleza de uma das mais ricas gastronomias do Brasil, que voltou a ressurgir em grande estilo, e o melhor de tudo, na rua, o simbolo da democracia e da liberdade.

Muita historia passou desde 2012, lembro em tantas conversas, sobre o quanto seria importante uma feirinha gastronômica na cidade. O lançamento do International Guide Bahia, era a chave para esta desconstrução.
Muitos jovens Chefs, alguns que eu nem conhecia, agitavam a cena local, alguns com nitrogênio liquido, outros com esferas, aff, o mundo mudava seus conceitos e a Bahia, não estava fora de compasso.

Por diversas capitais do Brasil e do mundo, meio que de forma simultânea, a Gastronomia, estava em ebulição, um caldeirão fervente, que apontava para todos os lados e sentidos, o mundo se movia, e o alimento era a mola propulsora.

A cozinha, saiu dos fundos da casa, e mostrou-se uma ferramenta eficaz de luta, de dizer não ao conservadorismo do pensamento, onde o Chef é figura chave, nesta mudança, e estávamos todos nós por lá novamente e em muito maior numero, em 2014, no lançamento do Guide, jé eramos muitos e mais fortes, uma festa linda, sempre unindo a grande musica baiana, pilotada por Moraes Moreira, que deu seu recado e sinalizando que a "energia pura do baiano" estava viva e queria mais.

E o "Chame Gente" funcionou mais uma vez, talvez como um mantra, um batuque de nagôs, todo mundo veio ver  tradicionais ou moderninhos e também a senhora do bairro, todos queriam provar as iguarias apresentadas pelos Chefs, todos queriam provar o sabor, pois ele é muito maior, quando é acessível e compartilhado por todos, pois juntos, desfrutamos melhor.
Mas faltava algo; o espaço se fazia exíguo, e não só o físico, os Chefs queriam muito mais, e a cidade também; Cidade que tem na festa e na alegria um dos pilares da sua forma de ser, Faltava retomar a rua.

E foi o que fizemos..

A diversidade e o respeito a ela, foi outra marca importante da Bahia e da feira, a criatividade rolou solta, e deve rolar muito mais, livre de regras e muitas convenções os Chefs tiveram liberdade de fazer o que te dava na telha, ou nas caçarolas. "Deu de um tudo", em bom baianés, de Buraco Quente, a Xinxim de Bofe, de Bobó de Camarão a Helado de Paila, doces Ligths, Diets, Orgânicos
dentro da maior harmonia
‪#‎AFEIRA‬, representa algo muito maior, algo que nós foi roubado, e que perdurou, esta sensação de perda se refletiu durante muito tempo na garganta dos baianos, uma gente amistosa e que já demonstrou ao mundo que sabe viver.
Tomar a rua de volta, fazer saber que este é nosso lugar, desafogar as tensões urbanas de forma criatividade e espontânea, conectar urbanismo, arte de rua e comida, humor e ativismo.
Isto foi o que se viu na Festa de Inauguração da nova Orla da Barra, seguida pela Festa em homenagem a Primavera. 

A gastronomia de um pais, um estado uma cidade, demonstra a evolução de sua gente, a pulsação com que todos  abriram os braços para receber a Feira, foi uma alegria para todos nós Chefs e pessoas envolvidas com alimentos na nossa cidade, e esta alegria deve permanecer, em nome de uma cidade mais humana e para todos, e Chame Gente :)
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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Em terra de Chefs, quem tem um olho dita as regras!!


Cultura, tem por definição muito básica o conjunto de conhecimento adquirido; a instrução, o saber; conjunto das estruturas sociais, religiosas, etc., das manifestações intelectuais, artísticas, o que torna muito abrangente, dando lugar as mais diversas interpretações pensando assim quando estamos inseguros, abrimos a porta para toda serie de vaidades sejam mostradas.
Somos uma cultura que valoriza a imagem, o titulo, mesmo que o nosso sistema educacional seja um lixo, o ensino esteja da forma que estamos acostumados a ver, e despreza os conhecimentos empíricos, os que são fruto das vivencias, cultuamos o discurso único numa clara paixão ao conhecimento carimbado, à verdade, mas que verdade estamos nos referindo??

Ouço sempre a mesma ladainha, de que pessoas que não são do ramo falam em nome da gastronomia, com total liberdade sobre esta assunto, mas me pergunto, o que é ser do ramo, se todos nos comemos, bebemos e nos relacionamos com a alimentação cotidianamente, nada mais Democrático?

E se ha uma permissividade nesta questão, se existe "culpa" não deve ser de quem fala,e sim de quem ouve e aceita de bom grado esta informação.
Sinto e vejo, muita gente falando sobre o assunto, e uma das coisas que mais me chamam a atenção é que sempre estão prontas para ditar uma regrinha, uma normativa, os cozinheiros tem que se portar assim ou assado, os restaurantes devem seguir este ou aquele, pouco propõem um olhar novo, passar informações contribuir com o engrandecimento da cultura gastronômica, reforçar elementos que despertem ao simples leitor uma paixão, não, isso não importa.

Pois temos pouca cultura gastronômica e digo isso sem pestanejar, somos diariamente bombardeados por uma propaganda que acultura, onde a comida alheia é melhor mais gostosa, mais bonita e mais Chic que a nossa, estamos falando de um discurso, que para realmente vir a mesa como forma de debate, necessita informação conhecimento e vontade. A muito a cozinha deixou de ser aquele lugarzinho intimo da casa, ele é responsável por movimentar divisas e isso ainda não foi compreendido, ou pelo menos das pessoas que produzem.

Quando realmente nos dermos conta da importância desta cultura, será quando mais pessoas se reunirem para pensar a gastronomia, quando mais pessoas tiverem acesso a cursos de melhor qualidade, quando incorporar pessoas que desejem produzir algo de qualidade, quando a criatividade tiver um status de empreendedorismo, quando um discurso "conceito" for cientificamente comprovado, e de acordo com realidades, ai sim estaremos preparados para julgar uma fala coerente, no mais vamos seguir dando ouvidos, ou idolatrando o sabor (ideológico) do momento.

A Foto: A Cozinha do artista David Teniers ano 1646, Bélgica, estilo Barroco
Gênero: pintura de gênero
Técnica: óleo
Material: lona
Galeria: Hermitage, de São Petersburgo, na Rússia

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Nego Loko

Esta receita esta impregnada de referencias a nossa cultura gastronômica, elementos aos quais não damos a minima importância, neste caso passam realmente a serem prestigiadas, através do nosso olhar.

Para mim a questão gastronômica esta intrinsecamente ligada a nossa cultura, o jeito brasileiro de cozinhar, ao modo de nos relacionarmos com produtos locais, seus modos de preparo, a sua nomenclatura e sua criatividade.

Uma das minhas intenções com isso é incentivar a produção/criação, uma linguagem gastronômica baiana e em especial o com produtos típicos e incorporados a nossa cultura, elem de estimular práticas alimentares sustentáveis e com produtos locais. 

E por isso surgiu a ideia de reinterpretar um ícone da culinária doce baiana, o NEGO BOM, que tive o imenso prazer de ler num verbete do "Pequeno Guia Afetivo da Comida de Rua, bela produção da Poro - intervenções urbanas e ações efêmeras.

Começamos pelo quesito sustentabilidade:

A receita foi desenvolvida, com base no Abacate; todos sabem que um dos mais importantes  ingredientes de um bom bolo, é a manteiga, o produto que confere  sabor, alem de trabalhar com o acúçar , fazendo dupla jornada, com a gema do ovo, a lecitina presente na gema mais o açúcar se emulsificam e ajudam a reter água, o que aumenta a vida util do bolo.
Nesta receita não utilizaremos manteiga na sua base, e sim o abacate, que tem na sua composição, seu rico conteúdo em gordura, 8,8g% no abacate roxo, 15,8g% no abacate Guatemala, de 16 a 18,5g% no abacate comum.
Aproximadamente 89% do calor energético do abacate provém desta gordura assim distribuída: 3,7g de gordura saturada, 8,3g de gordura mono-insaturada e 6,5g de gordura poliinsaturada e quantidades ínfimas de colesterol (14mg%).
Saúde:
O abacate é rico em fitonutrientes, substâncias naturais da planta que funcionam como nutrientes e auxiliam na redução do risco de doenças, tais como as cardiovasculares e o câncer.
Esses fitonutrientes recentemente descobertos no abacate são o beta sitosterol e a glutatoína. O beta sitosterol auxilia na redução dos níveis de colesterol enquanto que a glutatoína, age como um antioxidante. Os antioxidantes ajudam o corpo a neutralizar a ação dos radicais livres, os quais têm sido apontados como um dos fatores responsáveis no desenvolvimento de doenças cardiovasculares e câncer. O abacate, uma das melhores fontes de glutatoína, pode oferecer certa proteção contra o câncer oral, de garganta e outros tipos de câncer , segundo investigações recentes.

Castanha de Caju
A castanha é um simbolo da cultura nordestina, um fruto seco que não perde nada para outros tipos de castanhas do mundo, um delicioso sabor e crocancia, é fonte de saúde, alem disso para ela não tem tempo ruim, ela cresce o ano todo, servindo de ingrediente para saladas, lanches, iogurtes, e outros alimentos em todas as é pocas do ano. 


AMMA 70%
O Nego Loko, foi desenvolvido com Chocolates AMMA, 70%, o consumo de cacau  é necessariamente importante para a saúde, rico em antioxidantes, como flavonoides, que auxiliam a pele e a prevenção contra doenças cardiovasculares. Os Chocolates AMMA, tem o legítimo sabor brasileiro, produzido com cacau orgânico no sul da Bahia de cacau do tipo Pará e Parazinho, nativos da floresta amazônica.

Gengibre:
Outra das minhas paixões, é o Gengibre, muitas das minhas criações, tem nesta raiz, fonte de inspiração, neste caso usei o gengibre cristalizado.
Quem não se lembra do Sorvete de Coco, com Molho de Gengibre, que criei em 99, para a inauguração do Maria Matamouro, Hoje usado e abusado por muitos Restaurantes e Chefs por ai a fora.
O Gengibre, é um potente anti-inflamatório natural, por isso pode usar-se o gengibre para aliviar as dores e processos inflamatórios crônicos como artrite, reumatismo, etc. 
Leia mais no Sigulink:
http://saude.umcomo.com.br/articulo/quais-as-propriedades-do-gengibre-314.html

domingo, 17 de agosto de 2014

Diálogos da Gastronomia e as Artes

A historia esta repleta de referencias sobre o dialogo entre gastronomia e as artes em geral.
Ambas comungam princípios como a sociabilidade, criam encantamento traduzindo através da estética e de um povo, Emocionar e compartilhar através das mais diversas linguagens artísticas novas percepções do mundo,
Elas tem o caráter de  ampliar a sensibilidade, e de nos fazer reflexões e de estimular a imaginação criadora.

Muitos artistas celebraram o ato de preparar e comer, como uma expressão cultural, de valor a criatividade humana, alem de um exemplo claro de afeto em nosso cotidiano.
Quem não se recorda das "Madalenas" na obra de Proust, onde o docinho acaba sendo um simbolo de reflexão afetiva de um passado cheio de vivencias, através da comida, o autor revive a história reencontrando-se com o passado em seu livro "Em busca do tempo perdido".

Vinicius de Moraes, escritor, poeta e gourmet, deixou gravado em sua obra, a imagem de um Rio de Janeiro cosmopolita, bosanovista, cheio de estilo que marcou uma geração.  
Vinicius de Moraes, que no livro, POIS SOU UM BOM COZINHEIRO - Receitas, histórias e sabores da vida de Vinicius de Moraes,   refaz sua vida (e obra) através da comida. Dos pratos que lembram sua infância e que trazia à memória ao sentir a profunda ausência do Brasil, quando longe daqui viveu, Vinicius revivia em detalhes os vatapás e pudins que comia na casa da mãe e avó em descrições irretocáveis o suficiente para que salivemos junto com ele. Também das comidinhas favoritas que sabia cozinhar tão bem e descrevia com o amor do diminutivo, o mesmo que usava para se referir aos seus parceiros e amigos de vida e criação musical. Pois se, de acordo com o próprio autor, para se viver um grande amor era preciso concentração, o mesmo devotava quando cozinhava ou apenas saboreava um alimento.

E o que dizer da obra da poeta Cora Coralina, que traduziu a vida simples do seu Goias Velho, através dos doces que preparou. Sobre o tempo que de forma lenta, como a preparação da Ambrosia, necessita  paixão para ser desfrutado,
Na cidade de Goiás, as estratégias de enquadramento do passado promovem a simbiose entre a comida-signo, poderoso atrativo para os turistas, e a figura emblemática da cidade: Cora Coralina, doceira e poeta, transformada em mulher-monumento. 
No entrecruzamento entre memória e gênero, este artigo pretende inventariar a rede de representações tecidas em torno do oficio de doceira no processo de monumentalização de Cora Coralina: na autobiografia da poeta, no conjunto de discursos que instituíram os marcos biográficos do monumento, na memória subterrânea engendrada pela tradição oral na Cidade de Goiás, na narrativa biográfica produzida no Museu Casa de Cora Coralina.

A fotografia corteja com as cozinhas da Chapada Diamantina, num olhar delicado e de profunda humanidade, pelas lentes da Ieda Marques, que num belo registro, nos mostra cozinhas, panelas, e toda a arquitetura simbólica rural.
A Chapada Diamantina é o cenário revelado pelas lentes de Iêda em Lembranceiras, mas não apenas aquela Chapada de grotões e flora exuberante para os trilheiros ou turistas. É a partir do povo da região que a autora nos conta uma história feita de muitos instantâneos, mas também de textos que fazem a ponte entre os diversos mundos que formam a Chapada. As fotos, de uma beleza comovente, até falam por sí, mas a prosa da autora, o texto segue um ritmo inspirado no proseado sertanejo, possibilita uma reflexão mais profunda sobre o ambiente, os costumes, a cultura e o povo retratados.

A comida e seu universo, foi um grande elemento detonador da Pop Art, numa clara referencia à mudanças claras no modo alimentar americano e em paralelo o surgimento do Fast Fod, denunciou a banalização do ato de comer na pós-modernidade.

A obra de Carybé esta cheia de referencias a alimentos e comidas, uma obra vasta que abrange pinturas, desenhos, ilustrações, esboços, murais de cores fortes, gestos sensuais e comidas com sabores condimentados. 
O artista viveu em muitas cidades com forte referencia gastronômica, Itália, Espanha, Argentina, alem do local escolhido para viver, sua amada Bahia.
Quando aqui chegou para viver como baiano, em 1950, Carybé escreveu sobre aquele definitivo agosto de 1938, assim:
“O gosto da Bahia, como um vinho, vinha-se sazonando dentro de mim há doze anos, desde o primeiro encontro em 1938, numa clara manhã de agosto, dia mágico em que, de um risco verde no horizonte, a Bahia surgiu no mar.
A cidade veio vindo ao meu encontro, cada vez mais luminosa, cada vez mais definida, veio vindo, veio vindo, até que atracou toda no Itanagé.
Nesse ano, fui definitivamente tarrafeado por sua luz, sua gente, seu mar e sua terra”
(Carybé)
Itanagé era o nome do navio.
Por sorte, destino ou feitiço dos deuses, orixás, caboclos e encantados que habitam a misteriosa Baía de Todos-os-Santos, a passagem pela Bahia alongou-se por seis meses até o fim de sua vida.
Jorge Amado escreveu:
…’Carybé plantou raízes tão fundas na terra baiana como nenhum outro cidadão aqui nascido e amamentado. Bebeu avidamente essa verdade e esse mistério, fez da Bahia carne de sua carne, sangue de seu sangue, porque a recriou a cada dia com maior conhecimento e amor incomparável’.
O artista registrou baianas de Acarajé, comidas de santo, as bebidas baianas e todo o universo simbólico da gente simples baiana dos 60/70, numa grande homenagem a terra amada que escolheu para viver.

sábado, 9 de agosto de 2014

Cartas a um jovem Chef




 A cozinha brasileira só vai existir se ela não for minha, se for do povo, se for de outros chefs; senão, ela morre.”
Alex Atala
Vou utilizar desta oportuna citação do Chef Alex Atala, para tentar fazer uma breve descrição do que venho fazendo na profissão que escolhi, a 30 anos atrás.
A culinária ou gastronomia como falamos hoje, talvez seja uma das mais importantes demonstração da inteligencia do ser humano. Ter a capacidade de transformar simples produtos em deliciosas iguarias, não é tarefa fácil, quanto mais quando nos propomos a dar voz a este alimento, ai sim ele pode revelar muito de quem o come, de quem prepara, da minha cultura e onde ele pode nos orientar.
Quando utilizo produtos orgânicos é no intuito de chamar a atenção para a necessidade de repensar a nossa forma alimentar. Outro ponto importante neste processo é mostrar que a Batata Doce, o Quiabo ou o Coco, são os nosso comodites alimentares e  por isso devem ser preservados e valorizados.

Meu interesse é muito maior que o ato de cozinhar, é literalmente cozer relações, digerir ideias e transforma-las em algo novo, que também é desconhecido para mim.
Intuir e cozinhar, relaxar,  vivenciar são verbos que fazem parte do meu cotidiano, e também da gente que amo, que foi capaz de fazer das adversidades beleza. Sim falo do baiano, terra querida que nasci e onde descobri o meu amor pelo universo culinário.

A criatividade é outro ponto fundamental no meu discurso, a ampliação do conhecimento da nossa cultura gastronomia, pois só amamos o que conhecemos profundamente, "criar um prato é mais importante que descobrir uma nova galaxia", e este deve ser, ao meu ver a postura de um profissional da área de gastronomia, ser engajado e lutar pela valorização e ampliação da nossa sementinha, ou como diz o próprio Atala, esquecer um pouquinho a Flor das vaidades.
Nas Fotos:
Pratos do Evento Banquete Verde
*Bacalhau com Inhame Confit e Nirá
*Brownie de chocolate e manjericão, Panforte de castanha e caju e Amanteigado de Maracujá
*Morcilia de Sarapatel
Fotos da Jessica Augusta
Conheça alguns dos conceitos que o Chef Alicio vem se dedicando:
Sotoko https://www.facebook.com/C.Sotoko/timeline

Projeto Mandalah https://www.facebook.com/pages/Projeto-Mandalah/301881673300574?fref=ts
Banquete Verde https://www.facebook.com/events/325866450911276/

terça-feira, 22 de julho de 2014

Quando o Lobo é caçador

Um velho ditado nunca esteve mais na ordem do dia, "Quanto mais abundante está, menos valor se dá."
Durante muitos seculos a mesa foi sinônimo de luxo, poder e ostentação, no seculo XIX, muitos reis e rainhas mantinham chefs particulares, que eram disputados por casa reais,e tinham status de primeiros ministros e homens de confiança. Ainda no mesmo seculo, cabeças rolaram, e de forma despretensiosa o dinheiro publico foi queimado para manter os luxos das casas reais e como moeda de subjugar a população, mas que felizmente a resposta veio, pondo fim a uma era de monarquia, de desmandos e fome.

A frase debochada foi proferida pala rainha Maria Antonieta, ' Se o povo não come pão, que coma croissants' custou caro a rainha que perdeu o poder e a cabeça, dando lugar a Revolução Francesa.
talvez a melhor lição aprendida foi que não ha, negligencia maior e mais vergonhosa, que aquela para com os alimentos que necessitamos para comer.

seculo XX, chegou trazendo duas grandes guerras sangrentas, que nos mostraram a fome de forma cruel e perversa. Racionamentos passaram a ser o  cotidiano de milhares de famílias, e a Europa, entendeu que comer bem, deveria ser sinônimo de planejamento e sustentabilidade.
Um dos livros mais interessantes que li, sobre culinária, não fala do fausto das mesas burguesas e seus sabores exuberantes, e sim quase que um manual de sobrevivência diante a escarces de alimentos.

Em 1942, Mary Fischer publicou: Como cozinhar um lobo, o livro foi publicado no auge da Segunda Guerra Mundial, sobre a escassez de alimentos. "Páginas oferecida à donas de casa conselhos sobre como conseguir uma dieta equilibrada, esticar ingredientes, comer durante blecautes, lidar com a insônia e a tristeza, e cuidar de animais de estimação durante a guerra. 
 O livro recebeu boas críticas e alcançou sucesso literário, onde Mary, escrevia sobre a sigla MFK, pois só aos homens era permitido a escrita sobre comida.
Fisher era uma mulher com uma prosa fina e uma língua afiada. Ela tinha uma maneira elegante, porém direta, de dar uma opinião. O livro nos mostra claramente a sensibilidade feminina sobre o assunto. 
O mundo mudou, mas o desperdício e a fome seguem como chagas abertas, a palavra sustentabilidade, nunca foi tao usada, mas o homem, segue acreditando que os recursos são ilimitados, e não vale a pena investir em novas alternativas, apesar de que elas se impõem. 

“Descubra do que você tem fome.
É um desperdício imperdoável passar a vida empanzinado daquilo que não nos sacia.'
Sarah Westphal 

Descobrir, valorizar e despertar para novas formas de relacionar-se com a alimentação, se fazem necessária a uma cultura perdularia, onde perdemos o sentido do valor do alimento, mudanças de hábitos, mesmo que por alguns seja visto como oportunismo de alguns Chef, que se preocupam com o tema, o certo é que a boa mesa, se alimenta muito mais por atitudes simples e bem planejadas, do que caros e raros alimentos exclusivos a alguns poucos eleitos.  

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Gastronomia Brasileira, modismo ou compromisso?

“... o alimento não é um produto de consumo banal, ele é incorporado. Ele entra no corpo do comedor, torna-se o próprio comedor, participando física e simbolicamente da manutenção de sua integridade e da construção de sua identidade.”

Jean-Pierre Poulain (2004)


Percebemos um aumento do interesse pela gastronomia, entre vários segmentos da população, motivado talvez por maior divulgação sobre o assunto nos meios de comunicação, maior acesso à internet, crescimento e mobilidade social da classe media rumo ao consumo, mas será que é só isso? Como entendemos este processo, cozinha deixou de ser um espaço serviçal, restrito a pessoas que careciam de escolarização, e passou a integrar à casa e a novela das oito, Será mesmo? Pegamos carona com esse maior interesse pelos ingredientes brasileiros e sua cozinha, para vasculhar a nossa despensa de informações, mas será que tem mudanças por ai?

Oportunismo ou realmente o Brasil começa a compreender, que seus valores, tem peso e importância? Sou um otimista, seguirei acreditando e espero que finalmente mas que um modismo, olhemos mais para nossa realidade.

Hoje vemos, ou pelo menos em alguns círculos, que o pais deixou de ter pudores de falar das suas comidas, fala-se do famoso tucupi e da maniçoba, em todo pais, foi-se tempo que se falava de "Molletes ala Reina" pelos "experts" que comiam miúdos, rabo e tripas que são parte da gastronomia tradicional de países europeus, mas que por aqui torciam o nariz. Mesmo distante da região norte do Brasil, Quem nunca se sentou para tomar um açaí ou deparou-se com um cardápio recheado de sucos de carambola, cajá ou seriguela? A gastronomia, passou a fazer parte do tema da mesa cotidiana do brasileiro, da infinidade de ingredientes provenientes das mais diversas regiões do nosso país para nos levar a uma viagem de novas experiências. São sabores, cheiros e cores diferentes.

A gastronomia define a cultura de um país, mostrando tradições, modo de convivência e o gosto coletivo de cada região. A partir da (globalização), talvez, tenha sido possível conhecer um pouco mais de todos os aspectos desenvolvidos na cultura de outros lugar do mundo, que refletiram direta e positivamente neste movimento, podendo apontar a gastronomia Brasileira, como um simbolo de pais tão rica e extensa como as suas dimensões geograficas.

Moqueca, feijoada, churrasco, tutu de feijão, acarajé: a lista de preparações é extensa e têm, em comum, o fato de serem reconhecidos como práticos tipicamente brasileiros.
A dimensão continental do Brasil, nos da a percepção da grandeza da nossa culinária, tipicamente regional. Cada estado, cidade, região deste pais possui seus próprios costumes e rituais à mesa que nos mostra mosaico de possibilidades pouco exploradas.

Compreender e respeitar as diferenças talvez seja uma das tarefas mais significativas deste processo, A História da nossa cultura culinária nasceu de uma mistura grandiosa de índios nativos e donos da terra, de portugueses colonizadores e dos negros africanos trazidos para trabalharem nas lavouras e engenhos de cana, este ecletismo de forças e toda harmonia que foi gerada, deve ser compreendida como ganhos de uma sociedade, e que os frutos deste ganho devem voltar para as sociedades como fortaleza e auto estima.
Os nativos contribuíram com a mandioca e seus vários usos, o consumo dos peixes amazônicos e carnes exóticas como antas e tatus. O moquém, técnica que consiste em secar a carne no fogo para que pudesse ser consumida mais tarde, é, também, criação indígena..
Além dos métodos de preparo, os portugueses ajudaram a fixar o gosto pelo açúcar, produzido nos engenhos, e o consumo da carne de porco, ao mesmo tempo em que incorporaram às suas refeições a farinha de mandioca. Os escravos africanos, por sua vez, disseminaram o uso do leite de coco, do azeite de dendê e da pimenta.
Toda cultura gastronômica de um pais e criada cotidianamente, no labor do dia-a-dia, pois a sofisticação está na interrelação do homem com o seu alimento, com o seu entorno, não da para pensar comida sem pensar no ser humano, a a relação afetiva que se estabelece apartir da amamentação, talvez o primeiro momento de compartilhamento do amor e do afeto.

Com o advento destas descobertas e o respeito que adquirimos pela nossa cultura, é que serão possíveis a experimentação de novos ingredientes, texturas, agregando novos sabores e técnicas, enfim criar uma cozinha com uma identidade moderna, mas adaptada aos nosso dias, sem esquecer as nossas tradições e a sua importância para a nossa vida.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quebrando Conceitos!

"Não será um lugar de “pratos” mas sim de ideais e conceitos. Como exemplo, ele citou uma “caipirinha feita com palmito” assim comentava o Chef Catalão Ferran Adrià, se referindo ao elBulliDNA, um laboratório, um lugar que inspire o sentimento de liberdade unindo por exemplo o lúdico do Circ du Soleil, à interatividade do grupo Fuerza Bruta e a loucura saudável de Salvador Dali.

A gastronomia na atualidade, tem se mostrado um terreno fértil para boas discussões, um setor dinâmico, onde o senso comum, da lugar ao inusitado, ao criativo.
A sociedade bem como a gastronomia, tem se repensado cotidianamente, e nos mostrar que, como a vida, as coisas saem do prumo, da zona de conforto, e que necessitamos desconstruir várias idéias impostas como certas, boas e únicas.
Vou citar 3 novas alternativas na área de gastronomia,
poderia citar muitas mais, que mostram claramente que o brasileiro, compreendeu que esta na hora de ir a luta, para de copiar e assumir sua responsabilidade no mundo, Veja ai:

01-Dando um nó na cabeça burocrática.

Inaugurado o primeiro fast-food Vegano do Brasil.

 A novidade em Porto Alegre, vem para ser referência entre aqueles que buscam uma refeição saudável e alimentos livres de origem animal.

O B Burger é uma criação do fotógrafo profissional, Rodrigo Bragaglia.
A escolha por uma lanchonete de comida rápida tem inspiração em marcas gigantes espalhadas pelo mundo que consagraram o conceito, mas a semelhança para por aí. A começar pelo investimento para abrir o negócio, só possível com a cooperação da família, as diferenças vão adiante. Rodrigo é, há quatro anos, um vegano, e espera ser agente de uma mudança de mentalidade gradual, que leve ao fim da exploração animal – motivação mesma dos adeptos dessa dieta. A consciência ambiental também está na escolha dos materiais das embalagens, todas biodegradáveis.
Sigulink:http://www.consumidorrs.com.br/2013/inicial.php?case=2&idnot=31546

02-Destruindo a idéia engessada das universidades

Todos somos unânimes em apontar o "nojo" que o brasileiro sente pelo trabalho braçal, num pais com grandes pensadores na educação, projetos como o de Anísio Teixeira, Paulo Freire, são deixados de lado, em contra partida, cresce o número de universidades pagas e com péssima qualidade.

A Gastromotiva, uma organização que dissemina o potencial, poder e responsabilidade da gastronomia como um agente de mudanças que é capaz de conectar pessoas e desenvolver lugares, formando assim, o Movimento da Gastronomia Social, chega finalmente a Salvador, que com o apoio da BrazilFoundation, fara um grande trabalho na insersao social atravez da gastronomia.
Inscrições já abertas no site > http://gastromotiva.org/ !

03-"Less is more"

Os sem toalhas
Cansou dos rapapés, do luxo e dos preços abusivos de alguns restaurantes? Você não está sozinho: muitos chefs também se cansaram, mas de ver a clientela debandar assustada. Em resposta, deslancharam um movimento que vem crescendo e o Paladar modestamente batizou de ‘os sem-toalha’. Essa nova geração de restaurantes aposta na simplificação e eliminou as toalhas de mesa, não por estética, mas por economia. Tudo para manter a boa comida a preços saborosos.

lugares pequenos, instalados fora do circuito gastronômico nobre (onde os aluguéis são caros), com decoração despojada e, apertadinhos, mantêm apenas dois ou três palmos de distância entre as mesas. Têm poucos garçons para dar conta do serviço, sugerir bebidas e vinhos – cada garçom atende, em média, de 15 a 20 clientes. Não há maître ou sommelier.

Sigulink: http://blogs.estadao.com.br/paladar/quando-menos-e-mais/

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A cozinhar é imaginação, e tem como princípio reconectar o homem ao universo lúdico do prazer e do gozo.

A cozinhar é imaginação, e tem como princípio reconectar o homem ao universo lúdico do prazer e do gozo.

Claude Lévi-Strauss observou que do mesmo modo como não existe sociedade humana sem linguagem verbal, também não existe sociedade humana que não elabore, que não transforme, em parte ao menos, seu alimento cozinhando-o. Assim, o cru e o cozido, o alimento natural e aquele transformado pela ação do homem, estão para natureza e cultura como um dado distintivo entre animalidade e humanidade. Mas, para cozinhar, foi preciso primeiro dominar o fogo.

Cozinhar alimentos significa, recupera o sentido comunitário perdido sob os domínios de uma sociedade pragmática, reconectar com o ato básico de manipular os alimentos, a cocção dos alimentos nos mostra, uma das grandes descobertas do ser humano, bem como um dos momentos iluminados de nossa capacidade racional. A alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais compartilhado. A sociabilidade manifesta-se sempre na comida compartida.

Segundo o professor Luiz Costa, em seu trabalho sobre os indios Kanamari da Amazônia Ocidental
povo de língua katukina da Amazônia ocidental, que distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: "alimentação", designando uma relação assimétrica de dependência; e "comensalidade", implicando relações mútuas de partilha de comida. "A palavra kanamari para "alimentar [alguém" ou "dar de comer [a alguém", ayuh-man, contém a raiz ayuh, que indica a necessidade de algo ou de alguém.
"Alimentar" implica um conjunto heterogêneo de eventos e atos, que incluem: amamentar; alimentar xerimbabos; transformar alimentos crus em refeições cozidas a serem servidas em festas coletivas; constituir um ambiente físico e moral onde os alimentos são distribuídos; fornecer a terceiros os meios necessários para que obtenham alimentos por conta própria (por exemplo,
espingardas, anzóis, terçados); e ainda conhecer e executar os cantos rituais que tornam possível a reprodução da flora e da fauna.

Sendo assim, Cozinhar é acima de tudo uma ato poético, que nos diga Edgar Morin “A poesia... leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase... mistério, que está além do dizível”.


Fontes:
*Alimentação e comensalidade entre os Kanamari da Amazônia Ocidental
 Luiz Costa é professor do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)/ UFRJ.



quarta-feira, 11 de junho de 2014

Cenas Urbanas, Um olhar sobre duas rodas, do Sameer Kulavoor











Fiquei fascinado com "O Ciclo do Projeto Ghoda"do do ilustrador
Sameer Kulavoor, ele é conhecido por sua música, arte e design.

É uma documentação visual dos muitos tipos de bicicletas "Ghoda" encontrados em toda a Índia rural e urbana. A palavra "Ghoda" significa "garanhão"; o nome alude à robustez, peso e durabilidade destes veículos que sustentam as empresas e os meios de vida da mesma forma, e que se tornam personalizado e personalizado de acordo com as necessidades e os caprichos de cada proprietário.O pivô do "O Ciclo do Projeto Ghoda 'é colocar ênfase na estrutura, decoração e design de Bikes na Índia. Estes ciclos ergonomicamente falando, pode não ser os melhores exemplos de design da bicicleta, mas fazem muita força para realizar as esperanças e as aspirações de uma grande parte da população indiana. Não admira que eles são chamados Ghoda, que se traduz em ciclos resistentes ou duráveis. Na Índia necessidades básicas, como gás de cozinha, leite, pão, jornais e Tiffin(marmias) são entregues nas casas das pessoas em uma bicicleta,  junto a essa atividade, existem lojas que vendem móveis, entre outras coisas, chá, legumes, cintura cintos, sorvetes, cartões SIM e assim por diante. Bicicletas na Índia são verdadeiramente multifuncionais, muito além da imaginação ocidental, e está perfeitamente capturado por Kulavoor.
Não é só uma demonstração de vida sustentável, mas também como uma parte da sociedade na Índia,  ganhar a vida com isso. Com personalização, adornos, enfeites, acaba sendo uma
solução alternativa,  um movimento dentro da sociedade indiana, que tem uma comunidade de entusiastas. Diz-se de ser a prova de criatividade do indiano, ou a maneira onipresente e eficaz de  resolver os problemas da vida cotidiana, da qual o ciclo da cultura é um exemplo claro.
Como resultado, as bikes,  começaram a desenvolver sua própria personalidade, refletindo diretamente a ocupação, e coletivamente acrescentando enorme charme para as ruas da Índia.

No país mais de 20.000 bicicletas são fabricados todos os dias,
a empresa, Bicicletas Indianas foi nomeado como o maior fabricante de bicicletas de acordo com o Guinness Book of World Records, com uma produção impressionante de 18.500 bicicletas por dia! As belas imagens de Kulavoor são uma coleção de suas observações e desenhos desses ciclos onipresentes, Que pode ser visto como um ícone da Índia moderna.
"O Ciclo do Projeto Ghoda 'foi exibido no Festival de Cinema de Bicicleta com sede em Helsínquia, em Julho de 2012, como parte do World Design Capital Helsinki, em colaboração com Chalo Índia!, Kesküla rede e Pelago Bicicletas. Um ano depois de quatro desenhos da exposição "O Ciclo do Projeto Ghoda 'também foram parte de uma colaboração exclusiva com Paul Smith. O resultado foi uma série de t-shirts disponíveis em todo o mundo tornando-se uma vitrine ciclismo ampla divulgação da cultura única da Índiana, Que estão todos esgotados neste momento.
Área de  trabalho de
Sameer Kulavoor, encontra-se na interseção entre o design gráfico, ilustração contemporânea e arte. Ele detem o olhar da criação, nos corpos de pessoal no trabalho, nos maneirismos característicos e facetas arquetípicas da cena urbana, do design e da cultura.
Para mais informações sobre "O Ciclo do Projeto Ghoda" e outros trabalhos de Sameer Kulavoor ver aqui:
http://goo.gl/RmbF97

terça-feira, 3 de junho de 2014

Cru, cozido, mexido por Edgar de Assis Carvalho

A culinária contemporânea, que se apropria da regional para inseri-la em novos contextos, coloca na mesa o conceito de “desterritorialização”
Por Ricardo Barretto
Ricardo Barretto
Ricardo Barretto
Território e cultura são planos que se misturam e se influenciam mutuamente. O espaço físico determina atividades produtivas e ritos de uma população, ao mesmo tempo que a população modifica o ambiente onde vive de acordo com valores, costumes e interpretações da realidade.
A culinária talvez seja a atividade em que essas interações se manifestem de maneira mais explícita.  As formas tradicionais e regionais se desenvolvem à base dos recursos naturais disponíveis em determinado lugar.  Já na gastronomia contemporânea, essa interação é levada às últimas consequências, por meio da rica e intensa dinâmica com a qual a cozinha tradicional e regional é apropriada e inserida em novos contextos culinários e culturais.
Promover linhas de fuga de um elemento em relação ao contexto em que é conhecido e reorganizá-lo em uma nova conformação remete aos conceitos de desterritorialização e reterritorialização, criado pelos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari.  
No caso da culinária, isso se dá de várias formas: uso de ingredientes exóticos, técnicas de baixa cocção, formas de apresentação da comida, entre outras.  O resultado pode ser a ampliação do universo de sabores de um prato, sua elaboração como obra de arte ou mesmo a inserção em um contexto de sustentabilidade- como na busca de uma alimentação mais saudável e produzida com menor impacto socioambiental.
“Quando os chefs contemporâneos revisitam a culinária tradicional do Amazonas, e chegam a uma nova proposta, podemos olhar para isso como o duplo vínculo entre desterritorialização e
reterritorialização”, exemplifica o antropólogo Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (atual UNESP), com pósdoutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.

Tartar de atum com pérolas de mandioca
Essa mistura faz parte do menu que a chef baiana Morena Leite desenvolve para o restaurante Capim Santo, em São Paulo.  “Tem gente que pergunta se é um prato brasileiro.  Digo que é uma fusão de ingredientes.”  Carvalho acredita que as misturas são um vetor de desterritorialização na culinária.  “Isso é um traço da cultura contemporânea no mundo inteiro, muito relacionado à cultura fusion.  A cultura contemporânea está se ‘deslocalizando’.”  Ao trabalhar com fusões, Morena Leite tem por base um Princípio da Cordon Bleu, renomada escola de gastronomia francesa, onde se formou, que é valorizar o que tem em cada região, valendo-se da técnica do contraste.  “No restaurante você pode comer um picadinho de picanha acompanhado de uma salada de quinua”, exemplifica, ao citar a junção da carne vermelha com o grão típico da culinária vegetariana.
As misturas que Morena promove estão ligadas a sua busca pela brasilidade, não apenas por meio dos ingredientes, mas na concepção dos pratos.  “Não dá para falar em brasilidade com purismos.  Somos uma cultura de misturas.”

Moqueados, defumados, suavizados
O caldeirão cultural nacional serve de referência para muitos chefs contemporâneos. Mariana Villas Boas é autêntica representante desse movimento.  Passou parte da infância no Parque Indígena do Xingu, acompanhando a mãe antropóloga e o pai indigenista.  “Lá conheci os moqueados e os defumados, que são tão necessários à rotina dos índios.  Como fazer isso chegar à nossa mesa?”, questiona.  Mariana, no entanto, não é adepta das fusões.  Ao contrário, busca a simplificação ao reterritorializar pratos brasileiros.  “Se a gente fala em comida regional, tem muita coisa pesada, gordurosa.  Comida baiana, por exemplo, é muito condimentada.  Como compor menos forte?”  Algumas dicas de Mariana: “Tento trabalhar com ingredientes orgânicos, frescos, amainar temperos, procurar a essência dos sabores.  A coisa mais original e simplificada.”
Outra adepta da suavização de pratos é Ana Luiza Trajano, autora de uma pesquisa para a qual percorreu 47 cidades brasileiras e que resultou no livro Brasil a Gosto (Editora Melhoramentos) no restaurante homônimo.  “Se lá eu faço rabada, tiro o osso e todas as nervuras e gorduras.  O caldo é da rabada, mas sem aquele peso”, conta Ana Luiza.  “Você não mexe na receita, mas a suaviza.  E vas misturas é importante reconhecer cada ingrediente, sem que um brigue com o outro.”

Crus e pouco cozidos
Encarar a culinária como vetor de saúde é outra concepção que permeia a gastronomia contemporânea em seu processo de reterritorialização das comidas típicas.  “Sou adepta da culinária saudável, da alimentação como farmácia natural”, conta Morena Leite, que indica alguns princípios da alimentação alinhada com a sustentabilidade.  “Viver uma vida com mais harmonia passa também por saber a origem dos alimentos, como foram transportados, como serão manuseados.”  E faz uma ressalva: “É preciso deixar esse mito de que, se é saudável, não é saboroso”, defende Morena, que evita fritura, manteiga, creme de leite e dá preferência ao azeite, a alimentos crus, frescos, e ao preparo com baixo cozimento.
Outro modo de reterritorialização da culinária é tratá-la como vetor de conhecimento.  Ana Luiza Trajano segue esse princípio ao pé da letra.  “Meu propósito é divulgar a cultura brasileira.  A comida no restaurante é só uma desculpa”, brinca sobre as atividades que promove no Brasil a Gosto.  “As pessoas têm pouco preconceito (menor resistência) em relação à comida.  Por isso eu divulgo o Brasil por meio da cultura gastronômica.”
No restaurante são organizadas programações culturais com poesia, teatro e música, levando temas como ‘comida e fé’ ou ‘festas populares’.  “A comida se torna um elo entre a fonte dos pratos e os centros urbanos”, define Ana Luiza, que treina os garçons para que saibam contar a história das iguarias servidas.
“Você vê a quantidade incrível de livros de gastronomia.  É quase uma filosofia.  A culinária está perdendo essa coisa local, para ficar mais universal”, avalia Edgar de Assis Carvalho.  O antropólogo ressalta que a culinária também sofreu uma reterritorialização ao ser transformada e reconhecida como atividade artística.  “Existem cozinhas, como a do restaurante DOM (em São Paulo), que são uma obra de arte, um museu praticamente.”  O exemplo mais contundente dessa reterritorialização da gastronomia em obra de arte vem da Documenta de Kassel, mostra alemã de arte contemporânea.
A edição de 2007 tinha como tema a “transformação” e agregou o restaurante El Bulli, do chef catalão Ferran Adrià, a seu programa, como um pavilhão deslocado (o restaurante fica na região da Catalunha), onde as obras expostas eram seus pratos.  Talvez nem os modernistas adeptos da antropofagia imaginassem que um dia seria possível literalmente comer uma obra.

O antropólogo Claude Lévi-Strauss descreveu em 1964, no primeiro volume da obra Mitológicas, o uso do fogo na culinária indígena como o signo da passagem do homem e sua relação com o ambiente de um contexto de natureza para o de cultura.  Essa passagem ficou marcada pela expressão “O cru e o cozido”, que dá nome ao livro de Lévi-Strauss.  “A transformação de um estado para outro é possível pela mediação do fogo.  E fogo é igual à cultura”, explica o especialista .
Os vários estágios dos alimentos foram organizados por Lévi-Strauss em um triângulo no qualos vértices correspondem aos estados de cru, cozido e podre, e os lados indicam o assado, o defumado e o ensopado, que representam os estados intermediários entre cada vértice.  “Esse triângulo pode ser observado nas diferentes formas de preparo da comida em todas as culturas”, explica Carvalho.  Do arroz com feijão ao biju com caldo de peixe.  Do stake tartar com molho de tamarindo ao casu-marzu, o queijo italiano repleto de larvas.

Leia entrevista com Edgar de Assis Carvalho, professor da PUC-SP, doutor em Antropologia pela Faculdade de Filosofia, aqui

http://www.charoth.com/