domingo, 26 de julho de 2015

Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete A-Alferes
Todos nos sabemos que a grande maioria dos doces brasileiros, na realidade nascem de inspiração Lusa, que sofreu forte influência
dos 300 anos de presença Moura, na
península Ibérica.
Bom ressaltar que foram os mouros que aperfeiçoaram o astrolábio, instrumento de origem grega que permite a orientação em alto-mar pela observação de estrelas. Sua ciência náutica teve grande influência sobre a Escola de Sagres, em Portugal, de onde saíram os oficiais e marinheiros das navegações da Era dos Descobrimentos.

"Alfenim: alfenie, vem do árabe, valendo o alvo, o branco. que que dizer uma "Massa de açúcar branco, uma das  gulodices orientais, . Em Portugal, já era popularíssima em fins do século XV e princípios de XVI. Citado em Gil Vicente, Jorge Ferreira e Antônio Prestes. 

Era um doce fino, sem as complicações portuguesas, que tomou formas humanas, de animais, flores, objetos de uso, vasos, cachimbos, estrelas. Sempre com pequenos desenhos vermelhos. É açúcar e água, apenas. Passa-se goma nas mãos na hora de puxar o fio no ponto do alfenim. De sua fragilidade e mimo restou a comparação melindroso como alfenim. 
Pertenceu a doçaria dos conventos, ofertado nos outeiros e nas festas de recebimento nas grades nos abadessados portugueses no século XVIII" e no Brasil passaram a representar as Festas do Divino.



Com a chegada na Bahia, este doce foi incorporou a Rapadura, na sua elaboração, Hoje, sendo muito pouco comum encontrar nas ruas de Salvador.
Voltamos ao Mestre Feryre pois no Manifesto Regionalista de 1926, ele já denunciava o fim da venda desta iguaria.

O alfenim por Gilberto Freyre
"...Os doces com feitio de homem e de animal, sempre muito encontrados nas feiras portuguesas, e dos quais Leite de Vasconcelos já escreveu que parecem "relacionar-se com antigas formas cultuais" comunicaram-se ao Brasil, sobrevivendo nos mata-fomes de tabuleiro e nos alfenins. Os mata-fomes em forma de cavalo, camelo, camaleão, homem ou mané-gostoso; os alfenins, em formas também de homem, menina, galinha, galinha chocando, pombinhos, cavalo. Doces hoje raros mas que ainda se encontram no Nordeste..."
Do livro: Açúcar (2002-77)
"...Todas essas tradições de mesa e sobremesa de Portugal - a cristã, a pagã, a moura, a israelita, a palaciana, a burguesa, a camponesa, a monástica ou fradesca, a freirática - transmitiu-as de algum modo Portugal ao Brasil, onde as matronas portuguesas - é a informação de Gabriel Soares de Souza - não tardaram a aventurar-se a combinações novas com as carnes, os frutos, as ervas e os temperos da terra americana. Aventuras de experimentação continuadas pelas brasileiras, senhoras de engenho, pelas sinhás das casas-grandes, umas, grandes quituteiras, outras, doceiras, quase todas peritas no fabrico do vinho de caju, do licor de maracujá, da garapa de tamarindo: símbolos da hospitalidade patriarcal, nesta parte do Brasil, antes de o "cafezinho" ter-se generalizado como sinal de cortesia ou boas vindas.
Por outro lado, onde se foi levantando um mosteiro ou um recolhimento de religiosos ou um convento de freiras é quase certo que foi também se erguendo no Brasil um novo reduto de valores culinários. Um novo laboratório em que frades ou freiras se especializaram em inventar novas combinações culinárias, dentro das boas tradições portuguesas como "o eclesiástico paio" e o "gótico presunto fumeiro", a que se refere Ortigão.
A tais mestres se juntaram cunhãs e negras Minas com seu saber também considerável de ervas, de temperos, de raízes, de frutos, de animais dos trópicos: ervas, frutos e animais bons para o forno e para o fogão. E esse saber não seria o português, sempre amigo das aventuras e dos descobrimentos, sempre franciscanamente disposto a confraternizar com os irmãos pardos e negros, que o desprezasse. O que explica a crescente influência ameríndia e africana sobre a mesa e a sobremesa do colonizador, por intermédio não só de cunhãs e negras Minas como de cozinheiros ou mestres-cucas: em geral pretalhões efeminados ou amaricados.
E sempre muito lírico, o português foi dando aos seus doces e quitutes, no Brasil, nomes tão delicados como os de alguns de seus poemas ou de seus madrigais: Pudim de Iaiá, Arrufos de Sinhá, Bolo de Noiva, Pudim de Veludo. Nomes macios como os próprios doces. E não apenas nomes de um cru realismo, às vezes lúbrico, como "barriga de freira".
Enquanto isto, foi se mantendo a tradição, vinda de Portugal, de muito quitute mourisco ou africano: o alfenim, o alféloa, o cuscuz, por exemplo. Foram eles se conservando nos tabuleiros ao lado dos brasileirismos: as cocadas - talvez adaptação de doce indiano, as castanhas de caju confeitadas, as rapaduras, os doces secos de caju, o bolo de goma, o munguzá, a pamonha servida em palha de milho, a tapioca seca e molhada, vendida em folha de bananeira, a farinha de castanha em cartucho, o manuê. E o tabuleiro foi se tornando, nas principais cidades do Brasil, e não apenas do Nordeste, expressão de uma arte, uma ciência, uma especialidade das "baianas" ou das negras: mulheres, quase sempre imensas de gordas que, sentadas à esquina de uma rua ou à sombra de uma igreja, pareciam tornar-se, de tão corpulentas, o centro da rua ou do pátio da igreja. Sua majestade em às vezes a de monumentos. Estátuas gigantescas de carne. E não simples mulheres iguais às outras.
Muitas envelheceram como que eternas, como os monumentos - as fontes, os chafarizes, as árvores matriarcais - vendendo, no mesmo pátio ou na mesma esquina, doce ou bolo a três gerações de meninos e até homens gulosos. Algumas ficaram famosas pelo asseio dos seus trajos de cor e das mãos pretas ou pardas; pela alvura dos panos quase de altar de igreja dos seus tabuleiros; pelo primor dos enfeites de papel azul, vermelho, verde, amarelo, dentro dos quais arrumavam seus doces ou seus quitutes; papéis caprichosamente recortados. Outras, pelos seus pregões. Outras, ainda, pelos seus cabeções picados de rendas, pelos seus panos da Costa, pelas suas chinelas, pelos seus balagandãs, pelos seus turbantes, pelas suas tetéias, pelo seu ar de princesas ou de rainhas não de maracatus, mas de verdade; pelos angus que só elas sabiam fazer tão gostosos. Rara é a meninice, raro é o passado de brasileiro, hoje pessoa grande ou grave, a que falte a imagem de uma negra dessas, vendedora quase mística de angu, de tapioca ou de bolo ou alfenim recortado em forma de gente, de cachimbo, de bicho, de árvore, de estrela. Ou a figura de uma mãe, avó, tia, madrinha, senhora de engenho, que o tenha iniciado nos segredos da glutoneria das casas-grandes..."


Receita do Alferes
Ingredientes

½ copo de água
800 g de rapadura triturada
Suco de limão
Modo de preparo
Coloque a água em uma panela maior em fogo alto. Junte a rapadura. Deixe no fogo até a rapadura derreter completamente. Depois, coloque o limão e mexa delicadamente, só para misturar. Depois, não mexa mais até dar o ponto. Se mexer, a mistura volta a ser só rapadura.
Depois de uns oito ou dez minutos, coloque um pouco da mistura em um copo com água fria. Se a massa estiver em ponto de bala, está no ponto.
Despeje a massa do doce em uma pedra untada com manteiga. Deixe esfriando. Depois de frio, bata a massa e puxe, como mostra no vídeo. Não se esqueça de passar um pouco de manteiga nas mãos. A massa vai mudar de cor, e ficar mais clara.
Faça um cordão fino, e corte as balas, para embalar.

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