quarta-feira, 22 de julho de 2015

Na onda dos alimentos orgânicos, nem tudo é o que parece

Olho vivo para não comer Gato por Lebre!
Livre de fertilizantes e herbicidas, este produto precisa contemplar cuidados

É cada vez maior o número de pessoas que opta pelo alimento orgânico na hora das compras. Mas, sem sem saber, tem muita gente comprando “gato por lebre”, como diz o ditado. Isso porque o conceito de alimento orgânico vai muito além do senso comum, ainda muito difundido por falta de informação, de ausência de uso de agrotóxicos na produção.

Além de estar livre de fertilizantes, herbicidas ou inseticidas, esse tipo de alimento, para certificação, precisa contemplar uma série de cuidados e regras desde o preparo do solo. E esta na lista, do ponto de vista de política pública, até o destino correto dos subprodutos da produção, como restos de alimentos, folhagens e descarte de embalagens.

Além disso, o orgânico integral também deve estar isento de insumos artificiais, como os adubos químicos e os agrotóxicos. A questão é que para cumprir todos esses processos, o produtor precisa eliminar uma lista de subprodutos, como nitratos e metais pesados. No “manejo” da semente ao desenvolvimento da planta nos canteiros, o conceito também estabelece proibição ao uso de drogas veterinárias, hormônios e antibióticos e, inclusive, de organismos geneticamente modificados.

A conceituação não para por aí. Durante o processamento desses alimentos, é proibido usar radiações ionizantes (benzeno e formaldeído, por exemplo) e aditivos químicos sintéticos como corantes, aromatizantes, emulsificantes e outros. Para contemplar todos esses fatores, o produtor de orgânicos tem de se valer apenas de sistemas naturais para combater pragas e mesmo para fertilizar o solo.

O preparo do canteiro é manual e, antes, o “enriquecimento da terra”

No Brasil, do ponto de vista legal, a agricultura orgânica se estabeleceu com a lei 10.831, de dezembro de 2003, regulamentada em 2007. O parâmetro à época, ainda difundido, é o de garantir a produção de alimentos em propriedade auto-sustentável, com redução drástica ou eliminação até da dependência por energias não renováveis. A essência da técnica de plantio e cultivo é garantir oferta de produtos livres de processos contaminantes ou artificiais da agricultura tradicional.

De acordo com a legislação, para ter “orgânico” ou “produto orgânico” no rótulo, o alimento deve conter, no máximo, 5% de ingredientes não-orgânicos. Para que possam comercializar seus produtos “orgânicos”, os produtores precisam de certificação. Ela é credenciada junto ao Ministério de Agricultura e junto ao Organismo da Avaliação da Conformidade Orgânica (OAC).

Bauru
Em relação à certificação municipal, o prefeito Rodrigo Agostinho comenta que o processo está avançando. “Temos uma preocupação sendo disseminada entre os produtores, em um trabalho iniciado pela Sagra. Mas temos de avançar muito. A autocertificação ainda é nosso principal desafio. O produtor precisa ver na agricultura orgânica uma ótima oportunidade de faturamento e de produção sustentável”, comenta.

Terra é tratada de maneira artesanal

Lucas Gimenez recolhe manualmente a infestação de grilos nas plantas e usa biofertlilizante 
Minhocas para descompactar o solo, restos de peixe para melhorar a adubação, pintinhos para controlar infestação de pragas são algumas “armas”

Jovem, ele começou a cultivar hortaliças na chácara do pai e mostrou interesse em parceria com um vizinho. Começou com plantio de tomate, cereja e minipimentão, enquanto realizava a graduação em Direito. O difícil não foi aprender a plantar orgânicos, mas convencer o pai, advogado com carreira consolidada, a deixar o terno.

Lucas Torres Gimenez, 32 anos, hoje cultiva em estufa, ao ar livre, mas meticulosamente seguindo os passos do conceito orgânico. “Eu entrego em restaurantes e residências. E
Lucas Gimenez  usa biofertlilizante 
consigo oferecer a preço competitivo com os alimentos convencionais dos supermercados.”


Lucas diz que é orgânico em tudo. “Não é só não usar adubo, químicos e excluir fertilizantes, herbicidas. É tratar a terra de maneira quase artesanal, desde a origem, com adubação também orgânica, preparar compostagem, usar mineral (iorin), montar minhocário que gera composto no PH certo e desenvolver a planta com homeopatia”, conta.

Cada etapa tem sua função. A minhoca, por exemplo, também descompacta o solo. Em outro processo, restos de peixe são misturados com minerais em água em um tambor e, por fermentação, é gerado outra forma de adubação. “No processo convencional se usa o NPK em fórmula, iniciais dos químicos nitrogênio, fósforo e potássio. Tem em líquido e em bolinha. Na hidroponia tem o inconveniente de se usar adubação na água, diluída e esse processo tem absorção onde é preciso ver os níveis de nitrato (que é bom) e nitrito (que é ruim pra consumo) na planta. No orgânico não se pode utilizar nenhum desses processos.”

Canteiro de plantio preparado manualmente, com o enriquecimento da terra com a ajuda da compostagem, a planta tem um empurrão no desenvolvimento por homeopatia. “Basta uma gota misturada para irrigação. Mas têm outras maneiras. Tem quem não acredite, mas eu uso aqui na chácara os xacras. Em pontos previamente definidos é gotejado homeopatia em cristais. Esse processo gera energia integrada para o plantio aqui na propriedade”, defende o jovem.

No combate a pragas, ou entra a “limpeza” manual de plantas ou o uso de pulverização com biofertilizante. “Eu produzo extrato de compostagem em gavetas misturando minhocas e folhas com esterco. Uso restos in natura de casca de fruta. Isso gera, em gavetas empilhadas, uma espécie de chorume que é o fertilizante.”

Também é utilizado óleo de neem, um extrato derivado de uma árvore. “É um repelente natural de inseto. Já os pulgões e grilos, comuns aqui em algumas épocas do ano, são recolhidos manualmente. Tem até uma brincadeira misturada com trabalho aqui, de colheita dos grilos. Eles são recolhidos mas não são mortos”, garante.

Quando as pragas ampliam seus “exércitos”, Lucas solta pintinhos nos canteiros. “Quando infesta muito, recorremos aos pintinhos. Ajuda muito e eles não se interessam pelas plantinhas ainda pequenos.” Além das etapas de plantio e desenvolvimento, o jeito orgânico de ser exige a limpeza de restos de folhas e destino final de qualquer elemento de descarte.


Vitor Guimarães Rosa mexe com o plantio de hortaliças há 40 anos; para ele, processo envolve vocação e muito carinho
Mão na terra
A relação com a terra e as plantas completa quatro décadas na vida de Vitor Guimarães Silva. Ele considera que o processo envolve vocação e carinho. “É um trabalho manual, delicado, embora duro nos dias de chuva ou calor. Mas é um cuidado que é preciso ter com as plantas”, posiciona.

Conforme o agricultor, a rúcula está entre as que mais exigem cuidado no campo. “É que a borboleta gosta muito de depositar ovos nas plantas de rúcula. E tem de realizar a retirada com as mãos, planta a planta. Mas é um trabalho muito gratificante”, fala.

Na gôndola e na feira
Em umas das feiras tradicionais, à noite, em Bauru, Regina Almeida escolhe os tomates. “Eu consumo orgânicos aqui da feira há alguns anos, desde quando começou. Fui criada na roça e sinto o gosto do veneno quando não é orgânico. São produtos um pouco mais caros, mas compensa pela qualidade. Em supermercados em Bauru, acredito que só um ofereça alguns produtos orgânicos”, lamenta.

Em outra barraca, Maria Cecília confessa que sabe pouco do processo. “Eu sei que não pode ter adubo químico, nem veneno. Mas não tenho condições de diferenciar. E acho que tem de avançar muito porque quem vai fiscalizar lá no campo se o produtor não pulveriza veneno?”, questiona, na feira.

Em um supermercado que oferece alguns produtos com o anúncio de orgânico na embalagem, a funcionária se atrapalha. “É orgânico sim, garantido. Imagina que iam vender sem saber disso! Mas eu não sei se usa esse processo de compostagem. Não tem veneno, nem adubo, isso eu sei”, comenta, ao ser indagada sobre os processos de produção e a origem dos produtos.   

Município tenta avançar em certificação
Francisco Maia reconhece potencial; Eneida Muniz vê desafio
Os produtores de hortaliças, frutas e legumes em Bauru estão iniciando processo de organização para buscar certificações. O secretário municipal de Agricultura, Francisco Maia,
lembra que a produção orgânica é amparada por lei federal e a certificação regida pelo Ministério da Agricultura, em Brasília (DF).

Ele explica que o conceito vai além da produção em si. “O plano nacional de produção orgânica é recente, mas para a certificação tem de cumprir a lei. O fato de não usar veneno ou adubo químico é apenas uma etapa. O conceito de orgânico tem de atingir toda a propriedade, do modo de plantio, com uso de compostagem, uso de biofertilizante, até as etapas de saneamento, destinação do lixo e respeito às leis ambientais”, menciona.

A norma garante que o produtor orgânico certificado possa comercializar com os órgãos públicos. “30% do que é comprado para a merenda escolar, por exemplo, têm de vir da agricultura familiar. E é autorizado chamamento específico para o orgânico, que também garante valor 30% a mais que a produção convencional. Mas não temos produtores com certificação para responder por essa demanda. Estamos no início do processo”, explica Maia. Só a merenda municipal consome 66 mil refeições diárias.

Bauru possui somente dois produtores com certificação, conta Eneida Muniz Carrasco da Organização de Controle Social (OCS). “Nos assentamentos há potencial de produtores na fase de transição. O modo de produção já é orgânico, com algum processo de compostagem já desenvolvido. Mas falta alcançar os demais itens, como destino do lixo, o saneamento no local. Estamos apostando em capacitação para atingir resultados”, adianta Eneida.

Atualmente, 12 produtores estão em treinamento. “Temos ainda alguns com dificuldades nas etapas de compostagem. É um desafio, mas estamos caminhando. É uma quebra de conceito, de resistência cultural no campo”, diz.

Fotos: João Rosan

Fonte:JCNET

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