A música assim
como a comida tem o poder de unir pessoas em torno a objetivos comuns, a mais
forte delas, a alegria.
Tia Ciata, Cozinheira.
Mãe de santo. Animadora cultural.
Dona da casa
onde se reuniam sambistas e onde foi criado o primeiro samba gravado em disco,
"Pelo Telefone", assinado por Donga e Mauro de Almeida. Há
controvérsias sobre a data de nascimento de Tia Ciata. Alguns pesquisadores
afirmam que a data correta é : 23/4/1854. Tia Ciata (seu nome é encontrado
também grafado como Siata, Aciata, Assiata ou Asseata) chegou ao Rio de Janeiro
em 1876, aos 22 anos, indo residir inicialmente na Rua General Câmara. Em
seguida, residiu na Rua da Alfândega e depois na Rua Visconde de Itaúna
(próxima à Praça Onze). Tia Ciata tirava seu sustento da cozinha típica baiana.
Ela vendia quitutes em seu tabuleiro entre as ruas Uruguaiana e Sete de
Setembro, e também no Largo da Carioca. Logo se destacou entre as baianas
festeiras introdutoras da dança do sombra no Rio de Janeiro, e passou a
promover sessões de samba em sua casa, na qualidade de Batalaô-omin. Realizava
igualmente rituais
de culto aos seus orixás africanos.
Cada vez mais popular,
Tia Ciata recebia em sua casa um grande número de políticos, boêmios, músicos e
batuqueiros que lá iam saborear seus pratos típicos, principalmente sua
moqueca. Foi numa destas reuniões que nasceu o samba "Pelo telefone",
de Donga e Mauro de Almeida.
“Tia Bebiana e suas irmãs-de-santo, Mônica, Carmem do Xibuca, Ciata, Perciliana, Amélia e outras, que pertenciam ao terreiro de João Alabá, formam um dos núcleos principais de organização e influência sobre a comunidade. Enquanto as classes populares, em sua maioria proletarizadas, sob a liderança inicial dos anarquistas, se organizam em sindicatos e convenções trabalhistas, grande parte do povão carioca que se desloca do cais pra Cidade Nova, pro subúrbio e pra favela, predominantemente negro e mulato, também se organiza politicamente, em seu sentido extenso, a partir dos centros religiosos e das organizações festeiras. Assim, são essas negras, que ganham respeito por suas posições centrais no terreiro e por sua participação conseqüente nas principais atividades do grupo, que garantem a permanência das tradições africanas e as possibilidades de sua revitalização na vida mais ampla da cidade.”
"Poucas cidades
pode haver tão originalmente povoadas como a Bahia. Se não se soubesse que ela
fica no Brasil, poder-se-ia sem muita imaginação tomá-la por capital africana,
residência de poderoso príncipe negro, na qual passa inteiramente despercebida
uma população de forasteiros brancos puros. Tudo parece negro: negros na praia,
negros na cidade, negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo o que
corre, grita, trabalha, tudo o que transporta e carrega é negro."
(Robert
Avé-Lallemant, Reise Durchnord-brasilien)
Varias passagens na historia brasileira
atestam a ligação da culinária e da musica, foi assim quando Tia Ciata chegou ao Rio de Janeiro no
final do século 19, em sua Pequena África do Rio de Janeiro, e o importante
papel desempenhado pelas chamadas “Tias”, que em razão principal do seu oficio
de quituteiras.
Essas baianas,
geralmente libertas e filhas de escravo, ocupavam o espaço publico e nele
circulavam com total desenvoltura, tecendo uma ampla rede de contatos sociais
que lhes conferiam uma posição de poder no interior da comunidade, sendo
utilizada como arma contra todas as perseguições policiais, garantindo certa
tranquilidade a comunidade baiana da capital e mantendo relativamente intactas
suas praticas culturais, resultando um papel decisivo na formação cultural e
social da cidade.
Muitas
composições que permanecem até hoje no nosso imaginário musical, foram
desenvolvidas nas cozinhas e fundos de
quintal, regados ao tempero dedicado destas “tias”, que deram o melhor de si,
em beneficio da comunhão e do fortalecimento da coletividade, através do
encantamento da música e da comida. Feijoadas, Rabada, Língua, Angu e muitos
outros pratos fortaleceram a nossa musica, criando um elo proativo e simbólico.
Importante
ressaltar que muitos dos pratos e suas maneiras de preparo, foram sendo
adaptados de receitas que saíram das cozinhas dos terreiros, e que hoje fazem
parte do nosso cotidiano, apropriando-se de sabores locais. Há inúmeros pratos
sagrados que saíram dos rituais para as mesas de casas e restaurantes além de
receitas que fazem parte do nosso cotidiano, que paulatinamente foram resinificadas.
Outra importante
função da comida e da musica é promover a integração entre a comunidade, principalmente
no Candomblé, uma cultura fundada nos segredos da comunicação oral, cheia de
rituais fechados reconhecidos apenas por iniciados, é como se fosse um rito de
passagem, num novo código iniciação.
A começar pela
relação entre as funções das comidas de santo e os instrumentos de percussão
nos rituais do candomblé, há uma conversação que se estabelece em todos os
momentos, cada toque guarda um significado um determinado discurso, uma
mensagem especifica, cada uma conta uma historia. Os instrumentos percussivos,
também são passiveis do alimento, segundo Raul Lody em “Santo também Come”, numa casa de candomblé até a cumeeira deve ter
seu alimento, que deve fazer parte dos trabalhos e assentamentos, segundo Lody, o s alimentos têm escolhas simbólicas e têm também estéticas pré-estabelecidas, objetivando, inicialmente, aproximar, comunicar, falar pelo sabor, pelos aromas, pelos gostos e gestos que fazem os rituais cotidianos e festivos do comer.
Os deuses adoram comer. No caso, os deuses que chegaram pelas tradições do continente africano, certamente têm variedade de pratos e de rituais de oferecimento cerimonial. Deuses e seus cardápios, unindo homens aos deuses. Sem dúvida, em âmbito religioso, comer é estabelecer contato e reforçar elos sociais e de devoção.
Os ritmos
propiciadores do transe de cada Orixá pode ser também o que afasta as energias
em determinado momento e é através das comidas e da musica, que as festividades do
candomblé, apresentam a historia e os mitos de todos os orixás suas
trajetórias, por meio das danças suas representações dramáticas e onde a
comunidade é remetida a um determinado modelo de conduta, não havendo, portanto
como se tentar estabelecer uma fronteira rígida entre o Sagrado e o Profano,
que não seja constantemente reelaborada pelos contatos entre os povos e as
circunstancias de suas historias.
Que mulher linda e forte! Heitor dos Prazeres, Mano Heitor, vivia por lá também. Estou estudando a vida e a obra plástica dele.
ResponderExcluirEncantada de achar você na pesquisa, seu blog sempre com muita informação boa!Beijo, saudade!