Claude Lévi-Strauss observou que do mesmo modo como não existe sociedade humana sem linguagem verbal, também não existe sociedade humana que não elabore, que não transforme, em parte ao menos, seu alimento cozinhando-o. Assim, o cru e o cozido, o alimento natural e aquele transformado pela ação do homem, estão para natureza e cultura como um dado distintivo entre animalidade e humanidade. Mas, para cozinhar, foi preciso primeiro dominar o fogo.
Cozinhar alimentos significa, recupera o sentido comunitário perdido sob os domínios de uma sociedade pragmática, reconectar com o ato básico de manipular os alimentos, a cocção dos alimentos nos mostra, uma das grandes descobertas do ser humano, bem como um dos momentos iluminados de nossa capacidade racional. A alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo e mais compartilhado. A sociabilidade manifesta-se sempre na comida compartida.
Segundo o professor Luiz Costa, em seu trabalho sobre os indios Kanamari da Amazônia Ocidentalpovo de língua katukina da Amazônia ocidental, que distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: distinguem entre duas modalidades de distribuir e consumir comida: "alimentação", designando uma relação assimétrica de dependência; e "comensalidade", implicando relações mútuas de partilha de comida. "A palavra kanamari para "alimentar [alguém" ou "dar de comer [a alguém", ayuh-man, contém a raiz ayuh, que indica a necessidade de algo ou de alguém.
"Alimentar" implica um conjunto heterogêneo de eventos e atos, que incluem: amamentar; alimentar xerimbabos; transformar alimentos crus em refeições cozidas a serem servidas em festas coletivas; constituir um ambiente físico e moral onde os alimentos são distribuídos; fornecer a terceiros os meios necessários para que obtenham alimentos por conta própria (por exemplo, espingardas, anzóis, terçados); e ainda conhecer e executar os cantos rituais que tornam possível a reprodução da flora e da fauna.
Sendo assim, Cozinhar é acima de tudo uma ato poético, que nos diga Edgar Morin “A poesia... leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade -, mas também poeticamente destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase... mistério, que está além do dizível”.
Fontes:
*Alimentação e comensalidade entre os Kanamari da Amazônia Ocidental
Luiz Costa é professor do Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS)/ UFRJ.
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