Por Janaina Fidalgo
Quando decidiram investir em hortas próprias, Rafael e Ivan sabiam que a produção, por melhor que fosse, não seria capaz de suprir a demanda que tinham. Ainda assim, arrumaram um pedaço de terra onde cultivam parte dos ingredientes
usados nas cozinhas de seus restaurantes, o Lasai e o Tuju, que receberam nesta semana indicações na versão brasileira do Guia Michelin. A publicação é uma das principais do mundo na gastronomia.
A plantação de Rafael Costa e Silva começou dois anos antes de o Lasai abrir. Tem 700 metros quadrados e fica em Itanhangá, no Rio de Janeiro, a 22 quilômetros do restaurante. Meses depois, ele montou outra, num terreno de 10.000 metros quadrados na região serrana do Estado. A de Ivan Ralston nasceu junto com o Tuju. Ocupa 100 metros quadrados dos cerca de 500 do restaurante, na Vila Madalena, em São Paulo.
A maior parte das 200 espécies plantadas fica nos carrinhos da estufa, na entrada, mas elas ocupam ainda os canteiros laterais e um espaço de terra sobre os banheiros.
“Seria impossível sustentar um restaurante só com a produção das minhas hortas. O que vem são produtos pontuais.
Algumas batatas, vários tipos de cenoura, tomate e ervas. Nem de longe estou perto de cultivar tudo o que preciso. Numa boa semana de colheita, conseguimos uns 40% do necessário.
O restante nós compramos de fornecedores”, diz Rafael “Plantar dá um trabalho impressionante. Ocupa espaço e demanda muita mão de obra.”
No Tuju, 100% das folhas do menu-degustação e alguns tipos de ingredientes, como abobrinha e tomate, vêm do cultivo
próprio. As outras espécies de hortaliças usadas no cardápio à la carte são compradas de agricultores orgânicos.
“O restaurante só foi construído aqui neste terreno, que é bem grande para essa finalidade, porque tinha espaço suficiente para montarmos a estufa. Temos um jardineiro que se dedica exclusivamente ao cultivo. É um baita desafio fazer uma horta dentro da cidade”, diz Ivan.
Mas por que, então, os dois cozinheiros decidiram ir além dos domínios de suas cozinhas e se lançar numa seara desconhecida por eles e tão desafiadora como a agricultura? Resposta única não há. Mas a que melhor explica a empreitada de ambos é o desejo que tinham de cultivar ingredientes diferentes não encontrados com facilidade no mercado. “Minha ideia sempre foi produzir o que não tem nas feiras orgânicas. Se acho um chuchu espetacular por preço justo, por que vou plantar? Se tem batata roxa boa, não vou me arriscar. Sei que a possibilidade de não dar certo é grande”, diz o chef do Lasai.
No terreno na zona urbana do Rio de Janeiro, Rafael planta as ervas mais delicadas, hibisco, milhos mexicanos, pastinaga (Pastinaca sativa), rabanetes, nabos, brotos de beterraba, acelga e manjericão roxo. Conta também com a produção de 15 galinhas poedeiras, que, por ora, dão conta apenas do consumo familiar.
Do cultivo na região serrana, vêm cenouras de várias cores, cebolas de primavera, tomatillos, milho azul, edamame,
vagem amarela e roxa.
Jardim de ervas
No Tuju, Ivan dispõe de 30 espécies de tomates, como coração-de-boi, couve-rábano e uma infinidade de PANCs (plantas alimentícias não convencionais), de beldroega a capuchinha. Para cultivar, o cozinheiro fornece as sementes a uma agricultora que lhe dá consultoria, as germina e entrega as mudas prontas para o replante.
Estufa do restaurante Tuju, em São Paulo (Foto: Divulgação)
“Tudo é orgânico. A única pulverização que fazemos é com leite fermentado. Esta horta salva a gente e serve de inspiração”, conta o chef. “Fomos conhecer o trabalho de muitos produtores antes de abrir o restaurante. Vimos como o mercado é cruel com os agricultores. Querem padrão e rejeitam a cenoura que nasce tortinha ou menor. O fato de termos um cultivo aqui também é para nos fazer refletir um pouco sobre essas questões absurdas que tem por aí. Um dia quero que as pessoas olhem a horta do Tuju e se deem conta do transtorno que é cultivar alimentos”, desabafa o chef Ivan Ralston. É curioso notar que Rafael e Ivan passaram pela mesma escola, o Mugaritz, em Errenteria, zona rural do País Basco. Lá, os canteiros que embelezam a entrada do restaurante de Andoni Luis Aduriz são repletos de ervas e brotos comestíveis.
“É sim o restaurante em que me inspiro e no qual tento me espelhar. Sei como eles tratam o produto, os ingredientes e os fornecedores”, diz Rafael. “Antes de voltar para o Brasil e começar a horta, eu já sabia que seria muito difícil.”
O Mugaritz tem 12 anos e apenas de 5% a 10% dos ingredientes vêm do cultivo próprio. “É mais para ervas e brotos mesmo. Isso eles não compram de ninguém. Produzem 100% lá.”
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