segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Fornos de Pão no Seculo 17 Século XVII nas Abadias Portuguesas.


O pão é, sem dúvida, um dos alimentos base da alimentação portuguesa. Existe em diversas formas ao longo do território nacional, não se limitando ao pão de trigo, de que o pão alentejo é talvez o mais representativo, existindo também a broa de milho, típica do Norte de Portugal, ainda que apreciada em todo o país, o pão de centeio (por exemplo, da Serra da Estrela), etc. 
Na foto: Forno e refeitório do Conjunto Arquitetônico do Carmo na cidade de Cairu.

O pão alentejano, geralmente de grandes dimensões (pão de quilo) e com miolo compacto, é pensado para durar mais do que um dia (algumas variedades são ainda mais apreciadas no dia seguinte à cozedura) e é utilizado em diversos pratos como as açordas e as migas à alentejana. 
Fora do Alentejo, continua a utilizar-se pão para outros pratos, como o torricado (um pão grande, torrado com azeite e que é servido como acompanhamento, próprio do centro do país), o bacalhau espiritual, diversos ensopados e, entre os doces, as rabanadas ou fatias-paridas, os mexidos, etc. Note-se que o doce de Évora designado como pão de rala não leva pão na sua confecção. 
No norte de Portugal, junto ao Porto, é célebre a designada vulgarmente “broa de Avintes“. Existem outras espécies de pão, como a fogaça, a rosca (o pão vulgarmente utilizado no norte, ao Domingo, dia em que o padeiro não vai levar o pão a casa), as “caralhotas” de Almeirim (pães redondos e de tamanho médio, especialmente apreciados quando acabados de sair do forno), o pão-com-chouriço (frequente em feiras e festas, onde é consumido quente, cozendo no forno com o chouriço já no seu interior), os folares (próprios da Páscoa), etc. No norte de Portugal, há ainda a referir as “bolas” (lê-se “bôlas”) que tanto podem significar grandes pães com carne misturada (em Trás-os-Montes) ou pães baixos, redondos e compactos servidos com sardinhas ou carne (como acontece em algumas partes do Minho). 
 Um exemplo dessas “bôlas” é o Folar de Chaves. 

A importância das Abadias no preparo do Pão
O termo "Abadia" pode-se confundir com o de mosteiro, sendo este mais o tipo de casa, onde vivem monges, e o primeiro mais o estatuto administrativo: a abadia é um mosteiro governado por um abade ou abadessa. 
Quando um mosteiro, casa de monges/monjas, é governado por um prior ou prioresas, já não tem o título de abadia, mas sim de priorado - simples se dependente de uma daquelas casas, conventual se estiver já autonomizado em relação
àquela e em via de poder ascender um dia a um estatuto congênere (abadia). 
A abadia implica a existência de um grupo de monges ou monjas superior a 12/15 religiosos; enquanto não atingir essa cifra, mantém-se como priorado. A origem das abadias, e dos mosteiros em geral, continua ainda hoje a ser alvo de discussões e estudos, com vários eruditos a remontarem às primeiras comunidades cristãs orientais, na Síria, já com elementos claustrais; outros recuam ainda mais e veem nas antigas casas senhoriais romanas, as villae, como as antepassadas diretas dos mosteiros beneditinos, pois ambos se organizam em torno de um pátio/jardim central (o claustro). Mas foram os grandes mosteiros carolíngios de Saint-Riquier, Fontenelle ou Saint-Gall que serviram de modelo às grandes abadias beneditinas, de que Cluny (sécs. X-XI) foi o exemplo perfeito. 

Os fornos de pão assumem uma importância simbólica relevante para lugares e populações. Disso é exemplo o forno medieval de Avelar, ligado às Festas de Nossa Senhora da
Guia e ao cumprimento de promessas (para pagar a promessa a pessoa entrava no Forno bem quente, levando nas mãos a farinha para cozer e fazer um pão enorme, e na boca, para sua proteção, flores como instrumento de proteção divina. 
O pão era, depois de cozido, distribuído gratuitamente pelos peregrinos). 
O âmbito dos exemplos e diversidade da temática do pão em associação com a valorização do turismo, servem apenas como indicador das potencialidades deste produto e dos lugares a ele associados. Além de ser um instrumento para conhecimento dos lugares, pode converter-se num modo de assunção de um turismo participativo, de expressão de lazeres potenciadores de desenvolvimento local, de valorização de atores locais. As terras de pão, de recursos, de instrumentos, de produtos e de saber-fazer podem converter-se num elemento de patrimônialização de inegável importância. 
O pão deixou de ter a centralidade que tinha há algumas dezenas de anos enquanto bem de necessidade básica, e passou a ter um significado ao níveis de outras necessidades. Assim é, porque o acesso ao pão se democratizou e sobretudo porque a procura do pão tradição/lugar/saber-fazer local se tornou inovação. Perante a importância das novas formas de lazer e turismo na identidade de regiões e descoberta de novos lugares, o pão enquanto saber-fazer e produto tradicional, identificando-se com atrativo essencial de diferenciação. 
Pão como elemento de Identidade
Hoje, como é do conhecimento geral, multiplicam-se os formatos de pão e as suas características. As padas, as bicas, e os papos-secos, o pão de calo e o molete (próximo do pão espanhol), o bijú e a pinha (com influências gaulesas), a viana (de origem austríaca). A par desta internacionalização
persistem ainda, por todas as regiões e em certas padarias, um saber/fazer, uma linguagem e um conjunto de gestos específicos herdados do passado, que constituem a Cultura do Pão. 
Esta cultura serve de linha orientadora para todos os projetos de patrimonialização deste produto, que é simultaneamente para além de símbolo social, religioso, econômico, também territorial. 

Grandes migrações 
Apesar da forte presença portuguesa no Brasil desde o século XVI, o período que concentra os maiores fluxos migratórios para o país vai de meados do século XIX a meados do século XX. Entre 1855 e 1914, por exemplo, na chamada “era das grandes migrações”, as estatísticas de Portugal registam cerca de 1,3 milhões de saídas, sendo 80 a 90 por cento delas rumo ao Brasil. A ex-colónia era quase destino único. A ideia de que tantos lusos partiam apenas para fugir da pobreza é hoje considerada simplista pelos estudiosos. Segundo o historiador Joaquim da Costa Leite, no seu artigo O Brasil e a Emigração Portuguesa, “apesar das dificuldades nas suas terras de origem, os potenciais emigrantes conseguem esperar o melhor momento para atravessar o oceano. Isto equivale a negar, por via estatística, o desespero cego da sua condição, confirmando uma ponderação de riscos e oportunidades”
É no século XIX, justamente, que muitos novos fatores entram nesta balança, com mudanças estruturais que facilitaram um fluxo mais constante e seguro rumo às Américas. Além da garantia de liberdade migratória estabelecida em Portugal, grandes avanços na navegação alteraram radicalmente as condições de transporte e comunicação entre os continentes. No lugar dos demorados e irregulares veleiros, navios a vapor muito mais confortáveis, rápidos e com horários regulares ganharam a confiança de uma população até então insegura frente a uma travessia longa e cheia de riscos. 
Mais perto do coração 
 A navegação favoreceu também o transporte de correspondência, criando espaço para um intenso fluxo de informações. Os que já estavam no Brasil passaram a avisar os conterrâneos, com muito mais facilidade, sobre possibilidades de empregos, salários e lugares para viver. 
“O que temos reparado é como a imigração portuguesa funcionou em rede, muito mais do que a de outros grupos como os italianos. O familiar chamava um sobrinho, que chamava alguém da aldeia e assim por diante. Muitos, inclusive, já saíam com emprego arranjado”, diz a historiadora Maria Izilda Santos de Matos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
 Nessas condições, o fluxo para o Brasil tornou-se cada vez mais heterogêneo. 
Partiam de Portugal pessoas de diferentes regiões, idades, profissões e classes sociais, desde cidadãos quase miseráveis até homens ricos em busca de novos negócios. 
É claro que algumas tendências principais saltam aos olhos, como a preponderância de imigrantes jovens e do sexo masculino e a grande quantidade de imigrantes saídos das regiões central e principalmente norte de Portugal. Entre os milhares de portugueses que desembarcavam em portos brasileiros, principalmente em Santos, uma parte seguia diretamente para o campo, para trabalhar na atividade agrícola. Estimulados pelo governo brasileiro, que procurava mão-de-obra para as lavouras de café, eram em geral os imigrantes das classes mais baixas, que mal tinham condições para pagar as suas viagens. Partiam, portanto, subsidiados por um governo que, ao mesmo tempo, levava por diante um projeto de “branqueamento” da miscigenada população nacional. Outra parte dos imigrantes, mais numerosa, ia para as cidades, sendo o Rio e São Paulo os principais destinos. 
Apesar de saídos principalmente das zonas rurais de Portugal, a vontade maior dos que chegavam ao Brasil era de se integrarem na vida urbana, que prometia melhores retornos financeiros e mais oportunidades de ascensão social. “De facto, a grande expectativa que circulava em Portugal para quem pretendia emigrar estava relacionada com as atividades urbanas, especialmente o comércio”, diz Santos de Matos. Aqueles que iam para as cidades partiam, em geral, por conta própria; tinham alguma formação ou ofício e, por vezes, algum capital. Estabeleceram-se nas mais diversas profissões, de jornaleiros, sapateiros, taberneiros, leiteiros e vendedores de roupas a operários da construção civil ou da grande indústria que florescia nas novas metrópoles. Muitos tornaram-se também pequenos empresários, abrindo negócios para suprir as novas necessidades de consumo de uma população urbana em rápido crescimento. E entre elas estava, por exemplo, o pão. 
 Com a chegada massiva de imigrantes de todo o mundo e com o acelerado crescimento urbano, novos hábitos e costumes de alimentação foram-se difundindo nas grandes cidades brasileiras. A farinha de trigo, por exemplo, começou a conquistar o terreno ocupado até então pelas de milho ou mandioca, com as quais se fazia o pão no Brasil. Até então, em meados do século XIX, o ramo era comandado principalmente por mulheres, com uma produção caseira e um sistema de distribuição de entrega ao domicílio e de venda nas ruas. 
A evolução tecnológica e a desestruturação social que caracterizaram o último terço do séc. XX fizeram cair no abandono os muitos fornos que por toda as freguesia Portuguesas, que serviam para a cozedura do pão da Broa caseira fabricada artesanalmente. 
 Geralmente construídos em pedra ou alvenaria, os fornos domésticos tinham forma quadrangular ou cilíndrica e a cúpula era na maioria coberta por um telhado. Duas ou três vezes por mês, a fabricação de pão era feita em casa com utensílios de madeira e barro. Cada forno era aquecido com lenha seca, preferentemente de estevas, e, após limpeza do piso, era introduzido o pão já levedado, aproveitando-se habitualmente a ocasião para cozer ainda costas e bolos secos que adoçavam depois o quotidiano da família. 
Um labor onde não faltavam os rituais cristãos da bênção e das rezas. Com uma traça arquitetônica humilde, os fornos desempenhavam também uma vertente animadora e ativadora da dinâmica social, estreitando os laços de vizinhança (duas ou três famílias juntavam-se para a fabricação do pão). Construídos com um saber transmitido de geração em geração, muitos desses fornos já ruíram e os que restam perseguem o mesmo destino. 
Os fornos da freguesia do Azinhal são
um patrimônio a valorizar. 
Alguns construídos há um ou dois séculos, deverão ser restaurados e preservados de modo a continuarem a ser testemunhos reais de um modelo de vida e uma arquitetura rural ancestral da serra algarvia, salvaguardando a autenticidade e a história dos pequenos núcleos populacionais onde se inserem. Os edifícios devotados à hospitalidade dividiam-se em três grupos: um para a recepção das visitas mais importantes; outro para os monges que estivessem de passagem pelo convento; outro para os viajantes pobres e peregrinos. 
O primeiro e terceiro ficavam nos lados da entrada comum do mosteiro. O hospício para visitas de importância ficava do lado norte da igreja, não muito longe da casa do Abade; as instalações para os pobres ficavam a sul, depois dos edifícios da quinta. Os monges eram alojados numa casa de hóspedes construída junto à parede norte da igreja. 
 O grupo de edifícios destinados à satisfação das necessidades materiais do estabelecimento ficam a sul e a ocidente da igreja, estando claramente separados dos edifícios monásticos. 
Chegava-se à cozinha e às oficinas por uma passagem no extremo-oeste do refeitório, estando ligadas às padarias e aos alambiques, situando-se numa dependência mais afastada. Toda a parte sul e ocidental é dedicada às oficinas de trabalho manual, estábulos e dependências ligadas ao trabalho do campo. As construções eram apenas de um piso, com apenas algumas excepções (como o dormitório principal, sobre o calefatório). 
Tirando a igreja, o conjunto de trinta e três blocos separados era construído, provavelmente, em madeira. 
O refeitório, a partir do qual de acede à cozinha, pela extremidade, esta está separada do edifício principal, e liga-se, por uma longa passagem, a um edifício onde se encontram os fornos para fazer o pão e os alambiques, bem como os dormitórios dos criados que aí trabalham. Sobre o refeitório ficava o vestiário, onde se guardavam as roupas do dia-a-dia dos confrades. 
Preparação da Farinha e a Cozedura do Pão 
Com as questões climáticas decorriam as vicissitudes, que ficava o trabalho da colheita, no moleiro, as pessoas preferiam pagar-lhe com parte do cereal, ou então moíam elas mesmas o grão; onde pequenas mós que trabalhavam uma sobre a outra, empurradas manualmente através de um cilindro de madeira que se encaixava numa delas. Era um moinho caseiro que, apesar de ser difícil de manobrar, deveria ser muito utilizado, a julgar pelos sinais de uso que tinha. E esta farinha, porque ficava com partículas de pedra na sua composição, tinha um sabor e um cheiro diferentes. 
O melhor milho era quase branco, ao contrário do amarelo que vemos normalmente, o qual faz uma broa áspera e desagradável, fruto, julgo, de más misturas! 
Depois era o fazer da massa do pão, a arte do amassar, o crescente (fabricado com produtos naturais) que passava de uma pessoa para a outra, sempre aumentado de mais massa, a mistura de farinhas que variava de mulher para mulher (algumas guardavam ciosamente o segredo, mas a broa mais "lambareira" tinha mais trigo ou centeio). Com alguma curiosidade e até estranheza, fruto mais do misticismo que adivinhava do que aquele que via, recordo as cruzes com que se marcava a massa que se deixava a levedar e as ladainhas que se teciam no ato. Finalmente, apesar de uma grande parte das casas possuírem forno, mercê do dispêndio de lenha que se gastava para o acender e manter, só se acendia um em cada semana e aí acorriam todas as vizinhas. Como gostava que chegasse à vez da minha avó para ter companhia de uma quantidade de mulheres todas em grande alarido, conversas perdidas, cusquices que se trocavam, novidades que se partilhavam, uma excitação para uma criança como eu, habituada a viver algo solitária! E, claro, lá para o final da cozedura, para aproveitar o último calor, alguém sempre tinha uma lambarice para cozer, e eu ficava ali de olho arregalado a ver se me calhava algum bocado (e muitas vezes tinha sorte!). 
Os fornos ficavam dentro de uma estrutura paralelepipédica (entre a cúpula do forno e esta estrutura o espaço estava preenchido quer com cacos, quer com areia ou outro qualquer material isolante, para não permitir que o forno esfriasse muito rápido), a qual não deixava ver a forma troco-cônica do mesmo, no entanto, esta adivinhava-se olhando para o interior através da boca do forno. 
O fabrico do pão era uma atividade essencial na alimentação do povo insular. George Forster, companheiro de viagem de James Cook, dava conta da base da alimentação do madeirense na segunda metade do século XVIII: 
“Os camponeses são excepcionalmente sóbrios e frugais; a alimentação consiste em pão, cebolas, vários tubérculos e pouca carne” (SILVA, 1986). 
Os alguidares ou as amassadeiras de madeira e de cerâmica vidrada desempenhavam um papel determinante na confecção do pão. 
Um dos exemplares de madeira existentes no circuito museológico regional está patente no Núcleo Museológico de Machico - Solar do Ribeirinho. Trata-se de um peça única, com um diâmetro, bordo e diâmetro, acrônimo Legenda: Amassadeira de Machico, finais do século XVIII inícios do XIX (NMM.SR/06-27, Fig.1582) 
Do ponto de vista da recolha etnográfica e confecção do pão caseiro consistia nas seguintes tarefas. Os ingredientes necessários (farinha, batata-doce cozida, sal e fermento) são misturados na amassadeira ou no alguidar. 
A batata-doce cozida, uma vez esmagada, é adicionada à farinha, juntando-se fermento e água morna. Em seguida, amassa-se tudo muito bem até ganhar um aspecto consistente. 
O alguidar é coberto com uma toalha durante algum tempo para a massa “dormir” - uma técnica utilizada para a massa descansar, antes de ser tendida. Enquanto este processo se desenrola, o forno de cantaria vermelha vai consumindo a lenha até atingir a temperatura pretendida. Depois, a massa é tendida, formando-se dezenas de pães que são colocados na mesa para posteriormente serem levados ao forno. Entretanto, procede-se à retirada das brasas com um utensílio de metal (puxa-brasas) e à limpeza, utilizando um “varredor”. Há muitos anos, as brasas resultantes da combustão eram reutilizadas nos ferros de engomar. O pão é colocado dentro do forno com a pá de madeira e são pronunciadas as seguintes palavras: “Deus te cresça e aumente”. Em seguida, a tolha sobre a qual repousava o pão, é sacudida para dentro do forno ao mesmo tempo que se diz “pega que é tudo teu” ou a reza popular “Nosso Senhor te acrescente como o trigo no fermento e a graça de Deus para Sempre Ámen”. 
Fecha-se, de seguida, a porta do forno. Uma outra oração que acompanha este processo é a seguinte: “Assim cresças tu ai/ Cuma Deus está sobre ti/ Assim cresças tu no forno/ Cum’ à graça de Dês sob’ nós todos/ Assim cresças tu na massa / Cuma Deus cresceu em Graça.” 
O tempo de cozedura varia entre trinta a quarenta minutos dependendo da temperatura do forno, avaliada pela experiência da “padeira”. Depois de cozido o pão, é tirado com a pá de ferro. Em tempos idos, era guardado numa “giga” ou “ jiga” (cesto em vime) para ser consumido durante a semana.

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