segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana.

Verbete-Moqueca de Feijão 
 Feijão e Dendê 
 A vinda dos africanos não significou somente a inclusão de formas de preparo e ingredientes na dieta colonial, representou também a transformação da sua própria culinária. 

Muitos pratos afro-brasileiros que conhecemos hoje, habitam até hoje o continente africano, assim como vários pratos africanos reinventados com o uso de ingredientes do Brasil, como a mandioca, o dendê, também fizeram o caminho de volta, é o caso do verbete que apresentamos hoje, Moqueca de Feijão, muito comum na cultura Angolana como Feijão de Dendem ou Feijão de óleo de Palma

Tal como o nome sugere, é preparado com feijão e azeite dendê, oferecendo este último um molho de tonalidade alaranjada escura ao prato. 
Para além destes ingredientes essenciais, pode também incluir alho, cebola e sal. 
Em recente visita a cidade de Cairu, na Costa do Dendê, pude constatar a importância destes dois elementos, Feijão e Dendê, sendo básicos na utilização diária. 

Muitas são a formas de preparo desta Moqueca, o que podemos constatar é que é uma receita que varia conforma o produto disponível, sendo desde um prato principal, misturado com ovos, ou simplesmente para guarnecer um prato com peixe frito ou mesmo uma moqueca. 
Uma coisa me chamou muito a atenção foi o preparo, e a utilização do Dendê, comido quase cru, e colocado ao final da preparação numa dose generosa, e fora do fogo. 

Agudás de Uidá 
As tradicionais homenagens a Nosso Senhor do Bonfim, no mês de Janeiro em Salvador também ecoam do outro lado do Atlântico, deixando ainda mais claros os laços culturais que há séculos aproximam a Bahia da África. No sul do Benin,
homens e mulheres vestem uma faixa verde e amarela sobre o peito e seguem rumo a missas para o padroeiro, cerimônias cristãs formais que são acompanhadas por cortejos carnavalescos pelas ruas de cidades como Uidá e Porto-Novo. 
Identificado como Oxalá (o orixá criador da humanidade) no candomblé baiano, o Senhor do Bonfim é um elo entre dois mundos físicos e espirituais, separados por um oceano e marcados pelo estigma da escravidão. 
A devoção tem causa nobre: para os escravos que, libertos, puderam regressar à África nos séculos 18 e 19, tal viagem de volta à terra natal significava um “bom fim”, um bom destino. O culto a um santo católico é um dos traços marcantes dos “brasileiros” que habitam a faixa costeira do Benin, do Togo e da Nigéria. 
 Os agudás, como são conhecidos – a palavra deriva de “ajuda”, nome português da cidade de Uidá, movimentado entreposto negreiro da África Ocidental no passado –, integram famílias que descendem de escravos e de comerciantes baianos lá estabelecidos no auge do tráfico humano entre os dois continentes. Possuem sobrenomes como Souza, Silva, Medeiros, Almeida, Aguiar, Campos, entre outros, dançam a “burrinha”, uma versão arcaica do bumba meu boi, e se reúnem nas festas ao redor de uma feijoadá ou de um kousidou. 
Não raro, os agudás mais velhos se saúdam com um singelo “Bom dia, como passou?”, e a resposta não demora: “Bem, brigado”. 
Em Abomey, Uidá e Porto Novo, a base alimentar é composta por peixes, mandioca, inhame, milho e uma grande variedade de molhos. 
O "Frango à Bicicleta" é o legítimo prato beninense, nos restaurantes ou nas ruas, dispostos de pernas pro ar, geralmente servido com batatas fritas, arroz ou cuscuz marroquino. 
"Frango à Bicicleta" é o nome dado aos frangos que vivem em liberdade e que, quando correm, dão a impressão de estar de bicicleta. Em geral são galetos pequenos, rijos e assados. Outro alimento popular servido nas ruas é o akassá, feito de massa de milho fermentada, é formatado como uma bola de dez centímetros de diâmetro. 
Como na Bahia, a massa esbranquiçada, de boa consistência, vem embrulhada em folha de bananeira cozida. A galinha-d'angola e o cuscuz do norte da África, feito com sêmola moída e cozida no vapor, também fazem parte da alimentação.

Um Agudá (descendentes de escravos ou de mercadores de escravos brasileiros que emigraram para a costa ocidental da África no século 18) gosta de agradar seus convidados pela boca. Por isso, quando tem visita em casa é hora de mostrar os quitutes brasileiros. 
Entre os pontos altos da cozinha agudá está a feijoadá, como chamam a feijoada. Outros destaque é o kousido, o mesmo que o nosso cozido de legumes e carne, além do pirão, entre outros pratos. Tempero Para a sobremesa servem cocadá, semelhante a nossa cocada. Os agudás, mantendo as tradições baianas, gostam de um tempero de azeite de dendê (levado para a região pelos primeiros brasileiros que emigraram para o Golfo do Benin), e também não esquecem da pimenta do reino. "Fizemos algumas escolhas. Preferimos a feijoadá com os grãos amassados. Sei que no Brasil as pessoas comem feijoada sem amassar os grãos", disse Francisca Paterson. Uma outra adaptação da feijoada foi substituir as carnes de porco e boi, não muito comuns por aqui, por galinha, o prato nacional. Os agudás também comem guisado, que é do mesmo estilo do que os baianos gostam de preparar. "Um agudá, quando recebe visita, faz questão de mostrar os pratos da cozinha brasileira que aprendeu com seus antepassados", explicou Francisca Paterson..


Leia também: Historiadora Resgata historia da "Comunidade Brasileira" no Benin.

Miscigenação Cultural
Léopold Sédar Senghor chamou de miscigenação não somente biológica mas principalmente cultural as atividades do estabelecimento do contato do africano trazido como escravo da Africa para a Bahia, uma das consequências do comercio de escravos foi estabelecer um contato muito
próximo com seus senhores, o que se por um lado os negros tinham mais contato com a cultura Europeia, estes mesmos senhores africanizavam-se, numa curiosa reviravolta. A assimilação e a aculturação são fenômenos que geram modificações profundas no contato entre as raças, assim escreveu *Donald Pierson, a este respeito:

"A assimilação e a aculturação nao são fenômenos que resultam em modificações apenas para uma das raças em contato, ficando a outra sem alteração. No Brasil, as circunstancias foram tais que acabaram por favorecer a aquisição de certos alimentos culturais africanos pelos brancos. Era raro, na época da escravatura, encontrar uma criança que nao fosse criada por uma ama negra, que lhe ensinava as primeiras palavras. Sem duvida, a criança aprendia a falar muito mais com a ama ou a babá do que com os pais." 
*Donald Pierson, doutorando da Universidade de Chicago, sob a orientação de Robert Park, foi um pioneiro nos estudos das questões raciais no Brasil, a partir de pesquisa direta realizada em Salvador da Bahia, nos anos 1935 e 1937.
O autor informou que a cidade em 1890 já apresentava uma maioria de população de cor: 35,1 por cento mestiços e 26,4 por cento pretos e apenas 32 por cento eram brancos. 
Pierson afirmou que a sociedade baiana era multirracial, e que sua estrutura se fundamentava em distinção de classe e não de casta. A desigualdade se baseava, sobretudo na classe. A classe e não a raça representaria o principal critério de status. Ele citou um ditado popular para confirmar suas afirmações: “negro rico é branco e branco pobre é negro” . Chegou a afirmar que a contextura do cabelo era mais importante que a cor da pele para a classificação do indivíduo. 
Feijão e Dendê 
Estes dois elementos tem importância significativa na cultura afro-baiana, se por um lado o Feijão compensava a pobre alimentação dispensada ao negro no cativeiro, o Dendê, dava significado e mantinha intacta sua cultura. São muitos os relatos sobre a péssima alimentação dispensada aos escravos, a bem da verdade, a dieta dos escravos nem era tão diferente da dos senhores. 
A alimentação no Brasil colonial era muito pobre, em razão da agricultura e do transporte bastante deficientes e do alto preço dos produtos vindos de Portugal. E os donos do poder não podiam deixar os escravos à míngua, ou eles não teriam forças para trabalhar. 
Assim, ricos e pobres comiam basicamente a mesma coisa: um angu feito de farinha de mandioca e água, carne-seca, feijão, milho e algumas frutas, como coco e banana, alguns escravos tinham permissão de criar algum animal ou cultivar uma pequena horta, com o que complementavam e melhopravam o sabor de seus pratos, cultivando folhas e temperos e o uso de uma grande variedade de pimentas deu um sabor especial aos seus pratos. 
O Baixo Sul da Bahia é uma região antiga, existente desde a época da colonização no Brasil. 
O dendezeiro (Elaeais guineensis Jaquim) fez ai sua morada, sendo definida pelos órgãos governamentais como Costa do Dendê. 
Uma palmeira originária da costa ocidental da África (Golfo da Guiné), sendo encontrada em povoamentos subespontâneos desde o Senegal até Angola. 

O fruto do dendê produz dois tipos de óleo: o óleo de dendê ou de palma (palm oil, como é conhecido no mercado internacional), extraído da parte externa do fruto, o mesocarpo; e o óleo de palmiste (palm kernel oil), extraído da semente, similar ao óleo de coco e de babaçu. O óleo originário desta palmeira, o azeite de dendê, consumido há mais de 5.000 anos, foi introduzido no Brasil, a partir do século XVII, através do tráfico de escravos, e adaptou-se bem ao clima tropical úmido do litoral baiano. 
No contexto atual, os principais produtores são: a Malásia, a Indonésia e a Nigéria, sendo o Brasil 11º produtor mundial. No Brasil, o Pará é o principal produtor, com 70% da produção nacional, em seguida vem os estados da Bahia e Amapá. A região Sudeste da Bahia possui uma diversidade excepcional de solos e clima para o cultivo do dendezeiro, com uma disponibilidade de área da ordem de 854.000 hectares. A região possui uma riqueza de cenários, muitos ainda em excelente estado de conservação. 
Começou a ser ocupado em meados do século XVI e abastecia de alimentos a recém-fundada cidade da Bahia (Salvador). Como testemunha dessa era tem-se o Convento de Cairu, considerado um marco da arquitetura franciscana, erguido entre 1551 e 1642, e o Complexo Defensivo de Morro de São Paulo, construído para evitar o perigo de novas invasões, depois da ocupação holandesa em Salvador (1634-1635). Recortado por ilhas, estuários e baías profundas, pequenas enseadas e braços de mar que avançam terra adentro, coberto por densa vegetação, rios de águas limpas, cachoeiras, manguezais, restingas, coqueiros, etc.
O Baixo Sul da Bahia é uma das regiões de maior diversidade ambiental e paisagística do planeta, onde encontra-se a maior parte dos remanescentes de Mata Atlântica do estado. 
As condições climáticas regionais permitem grande diversificação da produção agrícola, como cacau, palmito, seringueira (látex), guaraná, cravo-da-índia, piaçava, dendê, mandioca e pimenta-do-reino, entre outros produtos. 
Situada entre a foz do Rio Jaguaripe e a Baía de Camamu, a Costa do Dendê é um verdadeiro mosaico de praias, baías, manguezais, costões rochosos, restingas, nascentes, lagoas, rios, cachoeiras e estuários. Seus 115 km de litoral abrangem as localidades de Valença, Morro de São Paulo, Boipeba, Igrapiúna, Cairu, Camamu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá e Maraú. As praias intocadas, de águas claras e quentes, com formações variadas de recifes de coral e emolduradas por vastos coqueirais, figuram entre as melhores do país nos principais guias do gênero. O arquipélago fluvial do Rio Una abriga uma variedade de ilhas paradisíacas – Tinharé, Boipeba, Cairu. A estonteante Baía de Camamu abre-se em dez ilhas inexploradas, com vegetação primitiva e coqueirais. Os intermináveis manguezais servem de berçário para robalos, tainhas, caranguejos, siris, camarões, pitus, ostras e lambretas. Uma extensa contracosta de águas plácidas é ideal para navegação, vela, mergulho e pesca.


IPAC inicia hoje (11) elaboração do dossiê sobre o ‘Zabiapunga’ 

A manifestação ‘Zabiapunga’ que ocorre no Baixo Sul baiano – municípios de Cairu, Nilo Peçanha, Taperoá e Valença – pode ser o próximo Patrimônio Cultural Imaterial da Bahia Saiba mais: http://goo.gl/ddgB9M 
 Segundo estudiosos, a palavra ‘Zabiapunga’ viria de Zamiapombo, Nzambi Mpungu, Zambi e Nzambi, que seria equivalente nos candomblés da nação bantu, ao deus Olorum do candomblé Ketu, e seria sincretizado no catolicismo ao
Senhor do Bonfim. Os bantus são originários de Angola e Congo, na África. No Baixo Sul baiano a tradição é marcada pelo uso de adereços alegóricos: trajes de roupas coloridas papéis de seda e pinturas faciais. Nos períodos de festejo dos municípios, um grupo de homens utilizando búzios gigantes e enxadas tocadas como instrumentos de percussão se espalham pelas ruas durante a madrugada, acordando a população em ritmo de celebração.

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