No Bate&Leva de Hoje, temos mais um profissional da área de Biologia, isto é um ótimo sinal de que a Gastronomia cada dia mais vai se aproximando de um olhar mais humanista.
Ela é licenciada em Biologia pela Universidade Estadual da Bahia, finalizando uma especialização em Gestão Ambiental em Municípios pela Universidade Tecnológica Federal do
Paraná e estuda bacharelado de Gastronomia da Universidade Federal da Bahia.
Nossa convidada hoje é Ana Paula Barbosa Santos Alves, que vai falar sobre um tema
apaixonante, ela vem desenvolvendo atividades associadas ao estágio no Projeto de Extensão Universitária da UFBA: Conservação de Plantas Alimentícias Não Convencionais e Fomento à Cadeia Produtiva na Bahia.
Uma ótima oportunidade de convergir as duas formações num mesmo propósito. Aqui temos necessidades da biologia (pesquisas de genética, botânica, sistemática, ecologia, conservação, etc.) e da gastronomia (conhecer como as comunidades aproveitam as PANCs no dia-a-dia, desenvolver receitas e eventos de culinária) e fico feliz em poder participar disso.
Nascida em Salvador, ela nos conta que nao vive sem Coco, prazer que que ela compartilha com o Loko, o dendê e o coentro. A minha comida de carinho, de lembranças, de identidade, de histórias da família é a MOQUECA. Pode ser de peixe ou do que tiver na hora.
Tiete do Chef Beto Pimentel, que mesmo antes de entrar no curso de gastronomia e de ouvir o termo PANCs, já o admirava pelo trabalho onde associa experiências de sua horta urbana no quintal do restaurante, a valorização e divulgação de plantas "desconhecidas" da maioria das pessoas, e a sua cozinha inspiradora.
"Kó si ewé, kó sí Òrìsà, ou seja, sem folhas não há orixá, este cântico resume um pouco da importância das folhas na nossa cultura. Ossaim é o grande sacerdote das folhas, grande feiticeiro, que por meio das folhas pode realizar curas e milagres, pode trazer progresso e riqueza. È nas folhas que está à cura para todas as doenças, do corpo ou do espírito."
Bate&Leva
<Si pudesse sentar a mesa com Ana Alves, o que lhe perguntaria?
R. E como vai o filhão? Podemos conversar muito se me deixar à vontade, mas começamos bem se o tema for educação. Daí pode sair o que quiser! Pode descobrir que gosto muito da terra e mão na massa, por exemplo, e que talvez eu possa te ajudar em alguma coisa.
<Acha que o mercado cresceu e as pessoas estão mais conscientes em termos do que é uma "boa alimentação"?
R. Acho que o mercado cresce sim para pessoas que trabalham com amor. Uma boa alimentação não é só aquela com calorias contadas e nutrientes divididinhos num prato bem colorido, ou aquela pela qual se pagam "os olhos da cara". Devemos lembrar que uma boa alimentação
envolve culturas,tradições, árvore no quintal e colo de mãe. Temos que lutar para que o excesso de publicidade não nos faça esquecer disso.
< Fale um pouco o que são as (Pancs) o trabalho que em conjunto com seus colegas vem desenvolvendo em Salvador, e se o brasileiro esta preparado para lançar mão deste tipo de alimento?
R. PANCs, ou plantas alimentícias não convencionais, nada mais são que plantas que são usadas na alimentação, principalmente, de comunidades tradicionais (como indígenas, quilombolas, ou de alguma região específica), mas que não estão inseridas na cadeia produtiva. São plantas espontâneas que não precisam de muito trato cultural para se manter e se propagar. Algumas delas inclusive são chamadas daninhas por nascerem em meio ao cultivos convencionais. Outra observação seriam quanto às plantas que não são consumidas, mas que tem quantidade e variedade de nutrientes que fazem delas potenciais plantas alimentícias.
O trabalho em conjunto é realizado por um grupo bem diverso da UFBA. Temos Professores, Administradores, Técnico em Agroecologia, estudantes de biologia, gastronomia, administração e engenharia da computação. Esse trabalho visa justamente fazer um resgate dessas plantas nas comunidades antes que se percam os materiais genético e cultural delas; desmistificar seu uso (até os próprios comensais as vezes as tratam com descaso ou preconceito, sentem-se
envergonhados em ter que comê-las por não poderem comprar as convencionais); e valorizar através do fomento à cadeia produtiva para que possa também ser gerada renda nessas comunidades. Aqui temos o compromisso de
realizar diversos diagnósticos, fazer divulgação, realizar eventos, assessorar a economia solidária, etc.
Acho que o brasileiro precisa é quebrar preconceitos e conhecer os benefícios de consumir PANCs. Essa tarefa nós estamos encarregados de realizar e estimular que mais pessoas realizem.
<Sempre digo que não são as pessoas que buscam o alimento, e sim o alimento que busca as pessoas, me refiro sempre ao feijão, um item importante na nossa alimentação, e a língua de vaca(me recorda minha avó, que sempre preparava Efó) o que você acha?
R. Os alimentos nos buscam sim, mas temos que estar atentos. Creio que feijão nunca deixará de ser consumido no Brasil, ou teremos uma crise séria para combater. Mas alimentos em comunidades mais restritas podem sumir e é nisso que trabalhamos. Queremos manter a biodiversidade e as
tradições associadas a ela. Se perdemos o costume de consumir determinada espécie ou variedade, não nos preocupamos em conservá-la e a perdemos, deixaremos de ter também as histórias de vida associadas à ela. Quanto o efó era consumido antes e o quanto é hoje? E quais as plantas utilizadas antes e quais são hoje? Temos que continuar a consumir a língua de vaca para não perdê-la.
<Na Bahia, precisamente no Recôncavo, temos um patrimônio que são os "Fumeiros", uma técnica que vem sendo desenvolvida ali, a séculos, mas seguem proibidos pela saúde publica e a policia do estado.
Acha que o estados deve promover a inserção
deste patrimônio, ou simplesmente punir levando a extinção deste bem gastronômico?
R. Sem dúvida o estado deve promover a inserção sim desses produtos que trazem consigo toda uma tradição. O nosso dever como profissionais da área é trabalhar para que isso seja de fato feito, seja na academia, seja capacitando nas boas práticas de higiene, seja criando receitas com esses produtos, seja participando nas discussões nos órgãos reguladores e fiscalizadores. E aqui vai uma deixa que não podemos deixar passar. Está aberta uma discussão para a criação e implementação da Política Estadual de Agroecologia da Bahia e uma das questões colocadas num evento ocorrido essa semana foi justamente a dificuldade que o produtores familiares tem de inserir seus produtos no mercado, principalmente devido à vigilância sanitária. Foi um ponto registrado que será considerado no decorrer do processo, mas devemos nos fazer representar e cobrar das autoridades providências quanto a isso.
<Em outros países como a Espanha, os Chef e Biólogos sempre andaram de mãos dadas, inclusive a Fundação Alicia, apoia as pesquisas do Chef Ferran Adriá, acha importante este bom relacionamento e dialogo?
R. Esse bom relacionamento é extremamente importante. O Projeto com PANCs é um exemplo de integração das duas áreas em busca de um objetivo único. No outro curso que termino esse ano também faço esse link. O problema que trabalho agora no TCC é ambiental, é de gestão, é de saúde pública, é de educação, mas é
característico das atividades com gastronomia e nutrição que é o resíduo sólido orgânico. Não só a relação é boa entre Chefs e Biólogos como a mesma pessoa busca as duas formações. Só no meu curso hoje são três biólogos estudando gastronomia.
Na verdade acho que a gastronomia tem isso de mágico. Ela pode se relacionar muito bem com todas as áreas.
<Como fazer para conscientizar as pessoas da importância dos Orgânicos?
R. Começar com quem trabalha na base, os produtores. Fomentar a transição da agricultura convencional cheia de aditivos químicos e agrotóxicos para a agroecologia. O Estado deve criar políticas públicas para regulamentar isso. A divulgação deve ser muito grande, aqui entra a educação. O preços devem ser mais competitivos para não elitizar um produto que deveria ser para alimentar a maior parte da população. Nós
devemos inserir esses insumos em nosso trabalho diário. Muitas são as ações necessárias e conjuntas para que os produtos orgânicos passem a ser regra e não exceção.
<Acha que ainda somos gastronomicamente falando colonizados, ou melhor já estamos seguros que a nossa culinária é fruto das nossa historia, ou tudo isso é uma tendência?
R. Concordo que nossa culinária é fruto de nossa história. A comida comercializada é que está se aproximando da comida de casa. Tendência pode até ser, mas podemos fazer com que não passe esse fenômeno. Podemos sim manter em nossos cardápios o ingrediente local, de época, mais barato. Podemos sim promover eventos para mostrar os produtores locais. Podemos sim fazer conservação e trocas de mudas e sementes crioulas. Nossa obrigação é essa.
<As preferências alimentares são uma das principais bases das identidades culturais, como vê este momento, onde muitos do nossos famosos Chef volta-se a valorizar e prestigiar pratos e produtos locais?
R. Acho que eles tem obrigação de fazer isso. E fazer com que não seja só modismo, tendência. Que seja uma coisa permanente. Um restaurante é um dos meios de recepção e hospitalidade. Como você vai receber bem se não apresentar de fato o que é do local?
<Como vê a participação das mulheres na Biologia?
R. Acho que as mulheres tem garantido seu espaço na Biologia. Nas minhas turma sempre fomos a maioria. Creio que a dedicação à formação continuada e o compromisso com o que se propõem a fazer é que as faz serem profissionais realizadas.
<Que te faz brilhar os olhos com seu trabalho?
R. O brilho nos olhos dos outros. O trabalho feito com amor e que percebe que ajudou alguém é o que me faz brilhar os olhos. Um objetivo comum alcançado só me traz felicidade. Preciso que outro olho brilhe para brilhar o meu também. Gosto de ajudar.
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