quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Mais que merecido, Roberta Sudbrack é eleita a melhor chef mulher da América Latina

A chef que reinventou a jaca, o quiabo, o chuchu eleita a melhor da América Latina

A história da chef que faz de ingredientes cotidianos receitas sofisticadas e surpreendentes.

“Não tenho o menor interesse em começar a trabalhar com quiabo e terminar com pó de quiabo.” A frase diz muito sobre Roberta Sudbrack. Em sua cozinha, nada de esferificações ou métodos ultramodernos à la Ferran Adrià. 
“Eu uso calor e técnica, mais nada”, diz ela. Mas nem pense que no restaurante carioca você vai encontrar pratos simples, que não fogem do feijão com arroz caseirinho. A apresentação e o preparo cuidadoso são alta gastronomia pura. “Minha linha é completamente contrária à da cozinha molecular, mas me proponho a fazer uma cozinha moderna brasileira.” 

O conceito de simplicidade, no sentido de trafegar por uma culinária sem pirotecnia, mas muito consistente e ligada às raizes, vem desde as primeiras memórias relacionadas à comida. “Minha lembrança mais remota é o frango ensopado com polenta da minha avó”, diz. “ É o prato que eu pediria no corredor da morte .” Esse equilíbrio da tradição com a técnica apurada e criativa resulta em comida benfeita, sem excessos e ao mesmo tempo surpreendente: as receitas de Sudbrack têm uma fórmula enxuta, não mais do que três elementos e todos com seu sabor essencial mantido e destacado. “Em muitos dos meus pratos os ingredientes aparecem como eles realmente são, sem molhos para mascarar. Algumas pessoas estranham. Sei que fazer isso é um ato de coragem.”

A chef que é a cara do Brasil
A orquestra de Roberta Sudbrack

Quem prova as delicadas receitas de Roberta, a exemplo do quiabo defumado recheado de camarão semicozido, pode imaginar que ela tenha aprendido suas técnicas na Europa e estagiado em restaurantes estrelados pelo mundo afora. Nada disso. A chef começou seu aprendizado no exterior, mas ela é autodidata. 

Gaúcha de Porto Alegre, ela morava com os avós em Brasília. Quando o avô faleceu, a família enfrentou dificuldades financeiras e Roberta começou a vender cachorro quente nas ruas da Capital Federal. O molho de tomate caprichado era preparado diariamente pela avó Iracema e, junto com a salsicha artesanal, garantiu o sucesso dos sanduíches. “Foi com o dinheiro dos cachorros quentes que fui fazer faculdade de veterinária nos Estados Unidos (em Bethesda, a noroeste de Washington).” A receita até hoje é tratada com carinho pela chef. Sua versão mais elaborada, batizada de SudDog, faz sucesso em seu restaurante.


Quando morou sozinha nos Estados Unidos, Roberta teve contato pela primeira vez com a cozinha. E foi amor à primeira vista. “Até então nunca tinha precisado fazer comida, não sabia nem fritar um ovo”, conta. “Mas logo na primeira visita ao mercado, toquei os alimentos e percebi que era isso que queria. Foi muito definitivo.” Decidiu, então, comprar livros e montar seu próprio sistema de estudos. “Eu escrevia para as escolas para saber como era a programação delas e criei uma rotina para mim. Foi um laboratório completamente solitário.” Equilibrando seu tempo entre o curso de veterinária e as panelas, Roberta cortava legumes para ganhar agilidade com a faca, fazia molhos de todos os tipos e tentava dominar as técnicas da cozinha clássica. “Sabia que mesmo para fazer uma cozinha moderna, seria preciso conhecer muito bem a base clássica, que é o alicerce da comida.”

Quando a vontade de seguir carreira na cozinha ganhou ainda mais força, Roberta largou a faculdade e voltou para o Brasil com o apoio irrestrito da avó. “Ela me disse: ‘É isso que você quer? Então faça e faça o melhor que você puder’”. Na época, a decisão causou espanto. O glamour que existe hoje em torno da profissão de cozinheiro ainda não estava em voga. Ainda no Brasil, Roberta passou dois anos sem exercer a profissão. Achava que precisava de mais treinamento, e continuou o programa de experimentações práticas. Deu certo. “Ela faz uma cozinha moderna, valorizando o produto brasileiro como ninguém mais faz”, afirma Claude Troisgros. Ele conta que quando levou Gérald Passédat, respeitado chef francês do Le Petit Nice , em Marseille, para provar a culinária de Roberta, o colega disse: “Se ela estivesse na França, teria três estrelas Michelin” – em tempo: o restaurante de Passédat é condecorado pelo badalado guia com exatas três estrelas, o reconhecimento máximo da publicação.

Depois do treino intensivo, a chef começou a preparar pequenos jantares em residências brasilienses. Em um dos primeiros eventos, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, estava entre os convidados. “Achei que seria uma vez na vida, que eu colocaria no currículo que havia cozinhado para o presidente e ponto.” Pouco tempo depois, Roberta foi convidada para elaborar o cardápio de alguns eventos do Palácio da Alvorada e logo recebeu a chamada para assumir definitivamente o comando das panelas na residência oficial do dirigente da República. Assim, rompeu barreiras e se tornou a primeira mulher a assumir o cargo.
“O sonho de qualquer cozinheiro é ter o próprio restaurante, mas a oportunidade do Palácio da Alvorada foi uma grande experiência de vida.” Depois de sete anos comandando uma equipe completamente formada por militares e servindo chefes de Estado de todo o mundo, a chef partiu para voo solo e mudou-se para o Rio de Janeiro para abrir seu próprio restaurante.

Hoje, em uma pequena casa de fachada laranja, próxima à Lagoa Rodrigo de Freitas, Roberta recebe poucas pessoas por noite e serve algumas das mesas mais disputadas do Rio de Janeiro, atendendo somente com reservas. O menu degustação de nove etapas tem ingredientes escolhidos no próprio dia. Ela seleciona as melhores carnes e os peixes mais frescos do mercado para desenvolver suas receitas. Toda sexta-feira o restaurante abre também no horário de almoço e às terças oferece um cardápio mais enxuto (e mais barato) no jantar.

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