domingo, 30 de agosto de 2015

Por que a moda do gourmet pegou tão rápido no Brasil

Para jornalista David Sax, brasileiros e americanos são mais abertos a tendências gastronômicas

Por Thiago Minami

Não é preciso dispor de uma máquina do tempo para saber que, há menos de dez anos, quase ninguém no Brasil conseguiria definir um cupcake ou uma paleta. Um voo mais distante no passado, até a década de 1970, revelaria um país onde a ideia de comer fatias de peixe cru sobre arroz com vinagre e açúcar soaria provavelmente grotesca ou, no mínimo, exótica.

Hoje tudo isso é normal.
O jornalista canadense David Sax interessou-se por saber de onde vêm as modas alimentícias. Dos mais diversos tipos, como as gastronômicas, veiculadas por restaurantes famosos, ou as relacionadas à alimentação saudável, como chia, linhaça ou óleo de coco. Para ele, Brasil e Estados Unidos tendem a abrir-se mais a modas e tendências gastronômicas, pois ambos têm história culinária recente e grande influência de imigrantes. É o caso, por exemplo, do conceito de “gourmet”.

O fruto da investigação é o livro The Tastemakers – Why we´re crazy for cupcakes and fed up with fondue (Os Formadores do Paladar – por que somos loucos por cupcakes e já enjoamos de fondue, à venda, em inglês, aqui).

cupcake
Cupcakes: moda começou com uma cena de 20 segundos no seriado Sex and the City
Sax defende as modas e o gourmet. Acredita que são processos naturais, que levam à evolução do paladar. Menciona o spaghetti ao sugo, indiscutivelmente italiano: nasceu com massa inventada pelos chineses e o tomate originário da América Latina.

A época das Grandes Navegações, de fato, provocou modificações radicais e definitivas nos hábitos alimentares mundiais. É possível imaginar pratos tailandeses sem pimenta e os alemães sem batatas?

Nos dias de hoje, as modas parecem andar bem mais depressa. Sax diz que não devemos resistir. Para ele, é a mão invisível do mercado que vai regular as coisas, de modo que algumas tendências vão continuar e outras, desaparecer.


REVISTA GOSTO: Quando eu dava aulas para crianças brasileiras de classe média alta há alguns anos, perguntei a elas uma vez se tinham uma comida favorita. A maioria respondeu “sushi”. Existe algum risco de que pratos tradicionais, como a feijoada, caiam no esquecimento no futuro? Você acha que norte-americanos e latino-americanos somos mais abertos à tendências e modas na gastronomia?

David Sax: Existe a possibilidade, mas a realidade é que as pessoas comem o que elas querem, e os seus alunos gostavam de sushi não só pelo sabor e a experiência, mas porque eles eram mais internacionalizados e sofisticados. Nosso paladar está sempre evoluindo, especialmente em países como os nossos, onde a culinária tem uma história mais recente, maior número de imigrantes e acesso a influências do mundo todo.

O que faz a culinária brasileira tradicional é a combinação única de influências atrás da história, mas, na realidade, são diferentes tipos de comida e culinárias colidindo. Então feijoada é tão tradicional como quibe ou esfiha, trazidos pelos sírios e libaneses, ou comida japonesa no bairro da Liberdade. Ao mesmo tempo, produtos típicos brasileiros como cachaça e açaí tornam-se normais no exterior. A culinária é um sistema aberto, em constante mudança. Pense no “tradicional” macarrão italiano ao sugo: o macarrão foi inventado pelos chineses, os tomates nem existiam na Europa antes de Colombo.

Ainda que de vez em quando surjam tendências na Europa, a maior parte das modas que a gente segue no Brasil vêm dos Estados Unidos: cupcakes, sushi califórnia, hambúrgueres, frozen yoghurt, iogurte grego…É possível que o oposto ocorra também? Feijoada e brigadeiros sendo um grande sucesso por lá?

Eu pessoalmente odeio brigadeiros…Gosto mais de pastel de nata, ou mesmo de quindim. Mas sim…É plenamente possível que a feijoada e o brigadeiro virem moda, como já aconteceu com a caipirinha e o açaí. A razão pela qual os EUA são tão dominantes em criar tendências é que o país é o mais aberto a imigrantes, e atrai pessoas de todo o mundo que querem experimentar algo novo.

Além disso, não são tão ligados aos colonizadores como são Brasil ou Argentina, por exemplo. Então todos estão mais abertos a enfoques mais experimentais, como o dinamarquês recentemente ou a nouvelle cuisine francesa nos anos 1980.

É plenamente possível que a feijoada e o brigadeiro virem moda [no exterior].

Algumas pessoas criticam o termo “gourmet“ menos por suas implicações sociais e mais por seus aspectos práticos: alimentos comuns sofrem modificações e passam a custar duas ou três vezes mais, com pouca melhora na qualidade. Deveríamos ser mais resistentes a isso, na sua opinião? Ou é um fenômeno inevitável?

Certamente quando a qualidade não existe, devemos não apenas resistir a isso, mas provavelmente o mercado tampouco garantirá a sua existência. Princípios básicos de economia. Agora, se um aumento no preço se refletir em qualidade, aí deve funcionar.

Por exemplo, se você está na praia e um vendedor passa vendendo Mate Leão, enquanto um outro oferece um novo tipo por um real a mais. Se o sabor for melhor, e também representar ganhos para o meio ambiente (ou algo do tipo), provavelmente não haverá problemas em pagar o extra. Só que aí surgirão outros vendedores com o produto melhor, e então a Mate Leão também vai oferecê-lo.

Algo parecido aconteceu no Canadá: há dez anos, pagávamos 10 dólares por uma caixa de leite orgânico. Agora dá para achá-lo em supermercados por apenas 5 dólares. Portanto, não há razão em resistir ao produto gourmet, porque rapidamente ele se torna parte do nosso cotidiano de um modo mais acessível.

Desnutrição e dietas desequilibradas têm se tornado um problema sério em diversos países . É consequência de hábitos alimentares fracos, que rapidamente se adaptam a tendências e modas? Existe alguma diferença entre o que faz a indústria alimentícia e o que fazem restaurantes e chefs, nesse sentido?

É uma questão muito complicada. Modismos alimentares podem mexer com isso de muitos jeitos, seja para o bem (fazendo as pessoas se importarem mais com verduras e alimentação saudável) ou para o mal (popularizando refrigerantes gigantes e comidas ruins). Não acho que hábitos alimentares fracos tenham efeito direto em saúde e alimentação.

Muitas pessoas engordam e adoecem no Rio, onde é comum consumir o mesmo tipo de comida todos os dias, seja pastel ou pão de queijo ou muitas latas de cerveja. Quanto há diferente entre a indústria alimentícia e restaurantes, qualquer que seja o tamanho da empresa, seja um vendedor de pipoca na praia ou o McDonald´s, todos vão vender o que acreditam que dá mais dinheiro, seja saudável ou não-saudável, tradicional ou inovador, caro ou barato.

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