sábado, 1 de agosto de 2015

DiCadolOKO-Cidade de Jorge Bahia de Todos os Santos

"Baiano quer dizer quem nasce na Bahia, (...) mas significa também um estado de espirito, certa concepção de vida, quase uma filosofia, forma de humanismo"
Jorge Amado


A cidade desejada e sublimada por Jorge Amado: os lugares imaginados em Bahia de Todos-os Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador.
O livro Bahia de Todos-os-santos: guia de ruas e mistérios de Salvador, publicado em 1944, foi inicialmente ilustrado pelas magníficas gravuras de Manuel Martins.
A partir de 1976, as edições foram iluminadas pelos desenhos de Carlos Bastos. Tanto na escritura de Jorge Amado quanto nas ilustrações, percebe-se uma capital baiana tranquila e provinciana cuja população, que não ultrapassava 300 mil pessoas, movimenta-se pelas diferentes celebrações à vida. Devido às profundas transformações urbanas, o guia sofreu algumas alterações nas suas diferentes versões ao longo dos anos, mantendo-se, entretanto, a estrutura fundamental e o espírito do livro: a produção de uma espécie de enciclopédia do ser/estar baiano – cenários, histórias, velhas ruas, novas avenidas, costumes, festas, miséria, alegria, igrejas, candomblé, santos, orixás e personagens variados. 

Ao longo das suas páginas, o texto literário presentifica uma imagem real e mágica de uma territorialidade permeada por mistérios cotidianos. Com mais de quarenta anos de sucessivas edições no Brasil, Argentina e Portugal, este livro se apresenta como uma homenagem à capital baiana. Cabe lembrar que, em 1944, Jorge Amado voltara havia apenas dois anos do seu exílio na Argentina e no Uruguai. Ao regressar ao Brasil, foi preso por um tempo, mas, após a sua liberdade provisória, recebeu ordens de cumprir prisão domiciliar na cidade de Salvador. E é nesse período que o escritor baiano trabalhará na redação do jornal O Imparcial e também lutará politicamente pela libertação de Luís Carlos Prestes. Mas é justamente nesse momento de profundo engajamento político que o escritor produzirá seu encantador guia, que se materializa como se fosse uma cartografia lírica do sentir, do amar, do respirar, do andar, do festejar baiano. Talvez um dos capítulos do livro traduza perfeitamente a pulsão desejante desse guia: “Canto de amor à Bahia”. Como é sabido, Jorge Amado costumava relatar que jamais relia um livro depois de publicado, mas o seu guia é uma grande exceção por se tratar de uma obra de referência que merecia ampliação e atualização constante. Para acrescentar novos elementos, novos personagens, novas emoções e as profundas mudanças urbanas, o escritor realizou em 1960 a primeira atualização, na qual foram feitos cortes, como o do capítulo que tematiza a falta de bons cinemas na cidade.

A segunda ampliação, por sua vez, realizou-se seis anos depois (e é nessa edição que se insere o capítulo “Baiano é um estado de espírito”). Considerada a atualização mais importante, a terceira ampliação será feita no início dos anos 1970 e nela o panorama artístico da cidade merece especial atenção. Apenas em 1986 Jorge Amado organizará a sua última revisão. No entanto, é importante observar que o livro mantém a sua essência ao longo de todos os anos, pois, se fisicamente a cidade mudou, permanece inalterada a prosa poética na elaboração de um descritivismo sublime da “Roma negra”. Ilustre protagonista, a cidade de Salvador transforma-se numa territorialidade que permite aos seus passantes uma migração em direção ao Outro: outros amores, outros estados epifânicos, outras experimenta- ções antilogocêntricas, outras negociações simbólicas e míticas. A secreta magia-magma da cidade possibilita um transitar sem se perder. E é justamente nesse rito de espiritualização e escapismo que se vislumbra uma cartografia de um caminho por vir. Se pensarmos no ritmo anônimo dos caminhantes da metrópole, estamos diante de uma sublime poética dos mapas errantes identitários. A metaforicidade do peregrinar-nas-vielas se aproxima do ensinamento de Vico, segundo o qual os homens fazem sua própria história e sua própria geografia. Salvador configura-se, portanto, como um espaço de ressimbolização de laços afetivos e oníricos. Afinal, a cidade transforma-se num organismo vivo que “respira” através da movimentação cadenciada dos passantes. Localidade mítica e labiríntica, essa Salvador de Jorge Amado (2012) materializa-se enquanto teatro de uma caçada profética e salvacionista que sintetiza a fragilização do Eu- -caminhante e a agitação do pulsante desejo do erótico-amoroso. Bahia de todos os santos: guia de ruas e mistérios, leitura obrigatória no estudo sobre o imaginário da capital baiana, singulariza uma cidade onde a contingência humana se apresenta atordoada pela proliferação de caminhos apaixonados nos quais o passeador precisa aprender a derivar entre as múltiplas cidades que compõem a cidade.

A cidade desejada e sublimada por Jorge Amado:os lugares imaginados em Bahia de Todos-os Santos:guia de ruas e mistérios de SalvadorRicardo Araújo Barberena

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