Quem defende é a antropóloga Maria Paula Adinolfi diz que é preciso salvaguardar as “expressões culturais tradicionais”
No meio do embate que se estabeleceu nas ruas, o
Iphan sai em defesa da tradição. Autora da peça técnica que constrói
argumentos jurídicos para a proteção do uso do nome acarajé, a
antropóloga Maria Paula Adinolfi diz que é preciso salvaguardar as
“expressões culturais tradicionais”.
As baianas pleiteiam a criação de uma lei que proteja o uso do nome acarajé. A senhora concorda?
Sim.
A gente sabe que tem muita gente dizendo que faz e vende acarajé por
aí, só que de uma forma muito diferente da forma tradicional. Essa forma
tradicional é um fazer ligado na sua origem a uma vinculação com as
religiões afro-brasileiras, um fazer de preceito — ligado a obrigações
religiosas e que muitas vezes se desdobram como ofício. Mas que não
perde a vinculação simbólica com esse universo de origem. Então tem toda
indumentária, uma forma de fazer, procedimentos, rituais, o tipo de
produto. E existem pessoas que vendem o acarajé como se fosse um produto
qualquer, como um salgado.
De que forma, legalmente, se daria essa proteção?
A
gente tem algumas formas de proteção a partir de indicações geográficas
de origem controlada. Todo mundo sabe que não se pode chamar um
espumante feito no Brasil de champanhe porque ele não é feito na região
de Champanhe, na França. A dificuldade para aplicar esse instrumento é
que o acarajé não tem uma indicação geográfica. Ele é feito em diversas
partes do Brasil. Na legislação internacional existe uma forma que são
as chamadas “expressões culturais tradicionais”, voltadas a evitar a
apropriação indevida dessas expressões por pessoas alheias ao grupo que
produz.
O acarajé congelado e o bolinho de Jesus seriam proibidos?
O que a gente quer tentar é proibir o uso do nome. Ela pode chamar de bolinho de feijão frito no azeite.
Já existiu algum caso semelhante no Brasil?
Já
aconteceu no caso dos indígenas Anhembi, do Amapá, que tiveram seus
grafismos corporais apropriados por empresas de decoração, de papel de
parede. O Iphan entrou com uma medida judicial e teve uma causa
vitoriosa. A empresa foi impedida de continuar produzindo.
Só baianas de acarajé que respeitam tradição terão licença garantida
A prefeitura resolveu colocar um pouco de molho na polêmica envolvendo
as baianas de acarajé tradicionais, evangélicas que vendem o “bolinho de
Jesus” e empresários que comercializam o acarajé congelado. Na semana
em que o ofício de baiana completa dez anos como Patrimônio Imaterial
Nacional, a Secretaria de Ordem Pública (Semop) escolheu seu lado na
apimentada disputa: o da tradição.
Com a promessa de apertar a fiscalização, a secretária Rosemma Maluf
garantiu que o objetivo é fortalecer a forma tradicional de fazer e
vender o bolinho. Na verdade, já existe o Decreto Municipal 12.175, de
novembro de 1998, que atribui obrigações para o comércio exercido pela
baiana de acarajé e de mingau. Mas Rosemma anunciou que o decreto será
modernizado.
Depois de algumas reuniões com a Associação de Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (Abam), a secretária disse que pretende seguir o que reza a certidão de registro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que prevê o uso de indumentária e receita específicas. Desde o primeiro decreto, quando passou a ser obrigatório o alvará de
autorização, as baianas deveriam “utilizar vestimenta típica de acordo
com a tradição da cultura afro-brasileira”.Depois de algumas reuniões com a Associação de Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo (Abam), a secretária disse que pretende seguir o que reza a certidão de registro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que prevê o uso de indumentária e receita específicas. Desde o primeiro decreto, quando passou a ser obrigatório o alvará de
A ideia é, segundo ela, “lapidar” essa lei, fiscalizar com rigor e licenciar apenas as baianas que respeitam a tradição na hora de se vestir e de fazer o acarajé. “No espaço público, só vamos licenciar as baianas caracterizadas. Existe uma indumentária que precisa ser preservada e uma forma de fazer o bolinho. Senão, o ofício vai acabar”, acredita a secretária. “O acarajé tradicional é patrimônio de uma comunidade e precisa ser respeitado”, concorda a presidente da Abam, Rita Santos.
O que não quer dizer que as baianas precisem usar roupas pesadas, como as saias carregadas de anáguas. Costureira de mão cheia, especialista em trajes relacionados com o candomblé, Gersonice Azevêdo Brandão, a Equede Sinha, do Terreiro Casa Branca, afirma que o traje da baiana de acarajé pode ser “o mais simples possível”, ou seja, saia, bata, torço e fios de contas. “Não precisa desfilar roupas caras e brilhosas. O que não pode é descaracterizar”, defende.
Sobre os bolinhos, as baianas defendem que sejam feitos de feijão fradinho temperado apenas com cebola e sal e frito no dendê. No recheio, o básico. “O acarajé original só tinha pimenta e vatapá. Depois, entrou o camarão e, recentemente, o caruru. Mas como também fazem parte do cardápio dos orixás não tem problema”, explica o cozinheiro e babalorixá Carlos Barbosa dos Santos, o pai Gueji de Oyá, do Terreiro Ilê Axé Opô Igbalé. Quem incrementa a receita, como o baiano de acarajé Yan Reinel, no Caminho de Areia, diz que não tem a intenção de mudar a tradição.
“Eu vendo com siri e bacalhau por causa de clientes que têm alergia ao camarão. Mas mantenho a forma de fazer. Em momento algum quero mudar o bolinho”, garante. Apesar de defender a tradição, a atuação da prefeitura se restringiria ao espaço público. Por isso, a Abam já anunciou que vai entrar na Justiça contra empresários que produzem acarajé congelado e restaurantes que servem a iguaria como artesanal.
Nesse embate, o Iphan também está com as baianas tradicionais. Mas, diz o superintendente Carlos Amorim, o órgão só poderá restringir formas de atuação quando a discussão avançar para o campo econômico. “O registro se realiza pelo fazer do tabuleiro e do ofício. Para que haja garantias econômicas, temos que avançar mais para a área que registra patentes de formas tradicionais de cerveja ou queijos, por exemplo, do que para o campo do patrimônio imaterial. Mas apoiamos as baianas”, afirma.
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