quinta-feira, 4 de junho de 2015

Sírios e Libaneses contribuiram com a gastronomia na Bahia-Personagens árabes na obra de Jorge Amado

Uma cozinha cheia de magia e requinte fez parte das misturas culturais que influíram na culinária baiana.
Os imigrantes Sírios e Libaneses chegaram ao Sul da Bahia, região do Cacau, ao final do
século XIX e início do século XX em função das crises políticas que ocorriam em seus territórios e atraídos pela perspectiva do progresso
que se evidenciava nessa região. 

A cidade de Ilhéus recebeu muitos desses imigrantes que fizeram desse espaço o seu novo lar. 
Esse fenômeno migracional foi registrado por vários autores de origem regional e percebido pelas pessoas da região em função de hábitos e costumes diferenciados trazidos por esses povos. As assimilações aconteceram, os imigrantes de primeira geração passaram a segunda, terceira e quarta gerações deixando um legado significativo para a cidade principalmente no comércio e na gastronomia. 

Personagens árabes na obra de Jorge Amado

Com essa retrospectiva resumida, de tantas e tão profusas marcas árabes nas várias culturas do mundo, mas especialmente na nossa, é mais do que natural que um

escritor, com raízes tão populares quanto Jorge Amado, traga, no bojo de sua tão extensa obra, a presença marcante dessa influência não apenas na língua, seu preponderante instrumento de expressão, como nos personagens árabes ou de origem árabe que se misturam tanto na "democracia racial brasileira", em geral, como particularmente no tecido de seus romances; movimentando-se entre negros, crioulos, espanhóis ou portugueses criados para viverem o drama, a tragédia, ou o amor que palpita nos romances desse autor que é o mais importante e mais expressivo escritor da "nação grapiúna", definida por Adonias Filho, outra não menos significativa expressão daquela "civilização" tão peculiar.

Jorge Amado é, na verdade, aquele que cantou tão bem a sua aldeia, com árabes, negros, etc., que se universalizou, universalizando sua terra e, por extensão, todo o país. Nenhum dos seus leitores de origem árabe ou leitores comuns, do Brasil ou de qualquer país onde estejam suas obras traduzidas, ao deparar com algum dos seus personagens árabes, não encontraria neles nada que não seja genuinamente árabe  quer nas reações, no comportamento psicológico, como na descrição física, com suas características raciais, bem como nas suas atividades de trabalho, que são, preponderantemente, o comércio.

Mas há também o malandro. O contrabandista. Ou o intelectual. Circulando em seus romances, vindos de Ilhéus, de Itabuna, Água Preta ou Salvador, seus árabes ou descendentes caminham em seu universo com a mesma naturalidade dos tabaréus, coronéis, bacharéis, prostitutas, malandros, trabalhadores de roça, capoeiristas, jagunços, gente anônima das ruas. E muitos entraram em sua obra tão marcantemente como Jubiabá, Guma, ou Tereza Batista, transformando-se no personagem principal, naquele em tomo do qual se desenrola a história ou o romance. É bem o caso de Nacib, de Gabriela, Cravo e Canela, e desse fabuloso Fadul Abdala, de Tocaia Grande, que tivemos a honra de conhecer ainda no embrião da história. Em outubro de 1983, quando Jorge Amado principiava a escrever seu romance, mandou dizer-nos, em carta: "Este meu romance da 'face obscura' está cheio. de árabes: um deles, Fadul Abdala, personagem fundamental, é porreta. Aliás, aconteceu uma coisa engraçada: para contar uns percalços de Fadul acabei escrevendo uma noveleta (45 páginas) de árabes em Itabuna, mas eu a retirei do contexto do livro onde ela pesava demasiado sobre a história do lugarejo - cujo nome é Tocaia Grande, futura Irisópolis. Mas, quando terminar o livro, voltarei a trabalhar a noveleta da luta entre Deus e o Diabo pela alma de Fadul".

Este depoimento, vindo mesmo do coração do clima em que seu personagem se movimentava e crescia, na verdade como um “porreta”, é mais do que uma simples demonstração da simpatia do romancista pelos árabes: revela sua preocupação pela legitimidade de seus personagens. Assim, Fadul não poderia ter um tratamento diferente de qualquer outro personagem genuinamente baiano, portanto brasileiro, com características pessoais ou próprias no comportamento, na fala, nas reações, nos traços físicos, elementos que marcam a autenticidade ou identidade inequívoca de cada um dos seus personagens. O que há de invenção, criação ou fantasia ficcional em muitas de suas criaturas não é gerado unicamente pelo gênio criativo de Jorge Amado — mas nasce de uma realidade conhecida.

Quem poderá dizer que Jorge Amado não conviveu, no Vesúvio, na cidade de Ilhéus, com Nacib e Gabriela, por exemplo, já que a casa do grande romancista (hoje Fundação Cultural de ilhéus) era vizinha daquele bar? Os Nazal, Medauar, Maron, Daneu, Chalub, eram famílias de Ilhéus, portanto pessoas de seu convívio. Daí a matéria-prima. O retrato. A matriz. Assim, o Abdula, comerciante em Feira de Santana, é tão legítimo quanto Nacib, o Maron ou o Daneu, que eram de verdade, da vida real. Jorge Amado tem, dentro dele próprio o modelo de seus personagens árabes. Não precisou inventar. Não é, pois, sem razão que despontam com naturalidade em quase toda a sua obra. Verdade que outros romancistas têm personagens árabes, mas nenhum apresenta mais sírios, libaneses, descendentes do que Jorge Amado. Seu rol é imenso, e ainda maior se considerarmos as misturas. Como no caso desse Antônio Bruno, com nome de brasileiro, mas com "romântico perfil de beduíno". Era neto do árabe Fuad Maluf e está em Farda, Fardão, Camisola de Dormir. Do mesmo modo, dona Fifi, mesmo com nome que nada tem de sírio ou libanês: é árabe, mãe de um malandro de dezessete anos. Está no País do Carnaval. Bia Turca, nome meio dúbio, porque apelido, está em Tereza Batista. E dona Émina Silva, esposa do Dr. Ives e mãe de "bonitas filhas", é da rua do Sodré, da Bahia, e, como os citados, descendente de sírios.

Esses personagens, muito embora diluídos na tessitura social brasileira, são, como os sinais da influência árabe, tão disseminados e muitas vezes quase imperceptíveis. Mas, quando pesquisados, como as inúmeras descendências em nossa sociedade, revelam suas origens. Cecílio J. Carneiro, aqui posto como romancista filho de árabes, nada tem no nome que denuncie sua ascendência árabe. Personagens já vêm carimbados, como que com passaporte ou cédula de identidade que diz inequivocamente de sua ascendência, aí estão, misturados com mulatos, capoeiristas, jagunços ou personalidades da sociedade baiana, de Salvador, Ilhéus ou Itabuna. como aquele Fuad Maluf, que era poeta. "Quando abdicava do metro e da tesoura, compunha poemas em árabe". Ou Abdala Curi, que tinha uma loja na Baixa do Sapateiro — Loja "Nova Beirute". Está presente e vivo em Pastores da Noite. O estudante de Direito Antonio Murad leva sua marca árabe no sobrenome. Naufragou ao largo do porto da Bahia, mas foi salvo por Guma, de Mar Morto. Asfura, que já se tornou Asfora, diz Jorge Amado que era um "sírio que se fez fazendeiro" de cacau em Ilhéus. É personagem de São Jorge dos Ilhéus. E já que tal nome, estranho entre nós, desponta em Jorge Amado, convém não esquecer do romancista Permínio Ásfora, também aqui citado (a pronúncia correta é asfura, que quer dizer passarinho). Aziz mandou buscar na Síria a sua mulher Zoraia, que deve ser Soraia, mas o nome com z ou com s acaba em pronúncia correta, só podia mesmo ser imigrante sírio, radicado em Ilhéus, pois que de lá mandou buscar na Síria a mulher e seus dois filhos: Salma, de seis, e Nacib, de quatro anos. Diz o romancista que ambos foram convenientemente registrados como natos em Itabuna, então ainda chamada Tabocas, "no cartório do velho Sigismundo". Lá estão, sobretudo, Nacib, árabe legítimo, como das figuras ou personagens principais em Gabriela Cravo e Canela, seus parentes e aderentes. Lá está Nacib circulando em Ilhéus, percorrendo sua feira, vendo as lojas dos patrícios entupidas de fregueses vindos de Água Preta, Rio do Braço, ou do Recôncavo. Parando na estação da estrada de ferro, ouvindo a cantoria dos cegos de cuia, ou cruzando com patrícios pobres, "mascates da estrada", na procura da cozinheira ideal para seu bar. Até que um dia encontrou sua Gabriela, com quem se casaria, teria filhos e continuaria integrando a população da cidade. Sem dúvida, o romancista Jorge Amado, seu vizinho, teve Nacib em pessoa como modelo, porque a criatura é tão perfeita que o criador não poderia ter tirado do nada ou unicamente da sua poderosa usina imaginativa uma criatura tão autêntica.

Ao lado de árabes dominantes, como figuras principais de romance, como Nacib ou Fadul, Jorge Amado semeia outros, de maior ou menor importância. Como um ferroviário que ficou conhecido como "Profeta". Foi preso no quartel de Policia Especial do Estado Novo, no Rio, naturalmente como comunista. Mesmo destoando das atividades abraçadas pelos árabes, só poderia ser árabe: pelo nome Elias - que poderia ser até codinome.

Chalub é filho de sírio, brasileiro de primeira geração. Era um chovinista exaltado, diz o romancista. Ora, a família Chalub, em Ilhéus, era bem conhecida do autor. E esse Chalub deve ter escapulido da vida real para o romance Dona Flor e seus Dois Maridos. Em Tereza Batista há um Chamas, velho pai de Kalil Chamas, estabelecido com antigüidades à rua Rui Barbosa.

Há um Chafik, que aparece em Os Subterrâneos da Liberdade, nos três volumes. É um sírio estranho, porque fugitivo de Caiena.

Mas sua aventura é bem árabe: matara a amante Ginette. Fugira de Caiena, onde cumpriria pena. Foi viver em Mato Grosso, onde a colônia árabe é grande e de lá se passou para o Paraguai, encontrando certo tipo de comércio bem atraente para árabes, aventureiros e contrabandistas. Em Tieta do Agreste aparece um Chalita, de "bigodaça de sultão, a barba por fazer, eterno palito nos dentes". É o dono do cinema Tupi e da sorveteria Santana do Agreste. Mamed Chalub, dono da loja "Baronesa do Mundo", na Baixa do Sapateiro, e que aparece em Os Pastores da Noite, não tem nada a ver com o outro, que aparece em Dona Flor.

F. Murad é "o árabe mais rico da cidade" da Bahia. Pai do acadêmico Antonio Murad, já mencionado. Foi Fadel, comerciante estabelecido com a “loja de fazendas na praça de Itabuna”, que testemunhou no cartório haverem Salma e seu irmão Nacib Achcar (recém-chegados da Síria) nascido no povoado de Ferradas, terra do romancista. Outro de Ferradas é Farhat, amigo do grande fazendeiro Horácio da Silveira (Terras do Sem Fim).

Quase todos os árabes de Ilhéus, como o sírio Fuad, dono de uma loja de calçados, que jogava pôquer no Vesúvio, devem ter sido recolhidos, ao vivo, como se diz, por Jorge Amado e incluídos em seus romances. Geninha Habib; o intérprete Haddad, que fora devorado pelos tubarões no naufrágio em que Guma também morreu (Mar Morto); Jacó Galub, nome meio dúbio, não se sabe bem se árabe ou judeu; Ibraim, sírio que mascateava nos arredores da Bahia; "seu" Isaque; Jamil; Najar, cirurgião-dentista em Aracaju; Abdula Farah, comerciante em Santana do Agreste, pai da filha única, Sátima; o libanês Mahul (Tenda das Milagres); Maluf, outro de Ilhéus; dona Maria, árabe muito magra, locatária de todo o sótão dum sobradão de cômodos à Ladeira do Pelourinho (País do Carnaval); Miguel Turco, árabe exaltado e secretário da Intendência Municipal de Belmont, terra do poeta Sosígenes Costa; Nicolau, gringo, fazendeiro modesto (Jubiabá); Munira; o jornalista Paulo Nacif; o cronista social Roberto Sabad (Tenda dos Milagres); Salma Saad de Castro, que outra não é senão a irmã de Nacib, já mencionada; Samara, árabe proprietário do sobradão de cômodos na ladeira do Pelourinho n.º 68; a dançarina Soraia, sempre a bailar nas histórias do comandante Vasco Moscoso de Aragão; Squeff; Tufik, um vagabundo; Zalomar; Zebedeu, garoto filho de árabe (Suor); enfim, toda uma população de árabes e descendentes palpita nos romances de Jorge Amado, muitas vezes quase anônimos, apenas mencionados por apelido ou profissionalmente. Como o "comerciante", um retardatário que se demorou a fechar a loja; a "esposa" (esposa do comerciante árabe, em Ilhéus, tio de Nacib); "libanês", açougueiro próspero; "libanesa", a esposa do açougueiro; "malandro", filho da árabe Fifi, "mascate", "sírio", "turco", "gringo", "um patrício". E até o coronel Florêncio, que não é árabe mas casado com "fogosa filha de sírios".

Tudo isso, afinal de contas, é indicação que reforça o verdadeiro sentido não apenas da chamada democracia racial brasileira, como também da influência do árabe na vida do país. E, como já foi dito, por ser Jorge Amado um verdadeiro escritor com raízes populares, sua obra teria que refletir esse caldeamento, do qual ele plasmou uma das, numericamente, maiores galerias de personagens de toda a literatura brasileira. São tantos que só poderiam ser recenseados, no seu imenso universo ficcional, se houvesse o concurso de um dicionário biográfico, como esse magnífico Criaturas de Jorge Amado, de Paulo Tavares, feito na linha e à altura do que foi feito para os personagens de ficção da Comédia Humana, de Balzac.

E, se algum mérito, finalmente, houver neste rastreamento de tantos personagens árabes na obra de Jorge Amado, — e não foram todos —, fica, desde já, aqui, atribuído ao esforço e à dedicação do autor daquela obra tão importante para a identificação das criaturas criadas ou aproveitadas pelo romancista.

Quanto a nós, como outros personagens homenageados pela amizade de Jorge Amado, incluindo-nos em sua obra, só nos resta dizer, como descendente de árabes, patrício daqueles que povoam as páginas de seus romances, que nosso orgulho, por sermos personagens do escritor brasileiro mais lido no país e no mundo, é o mesmo que sentimos quando Castro Alves, o maior poeta do Brasil, baiano como nós e Jorge Amado, resume toda a força da influência árabe entre nós, dizendo, ele mesmo, ainda que poeticamente, ter a nossa ascendência:

"Árabe errante — vou dormir à tarde

à sombra fresca da palmeira erguida"

* Romancista, contista e poeta. Artigo publicado originalmente em nossa Revista de Estudos Árabes N. 1, DLO-FFLCHUSP, 1993.


Receita de Mamoul

Ingredientes
1kg de farinha de semolina
1/2 KG de manteiga
1/2 de farinha de trigo
2 Copos de leite
2 colheres de sopa de açúcar
Açúcar de confeiteiro

Recheio

1/2 kg de nozes moída(s)
1/2 copo(s) de açúcar cristal
1 colher(es) (sopa) de essência de flor de laranjeira

Modo de Preparo

Coloque a semolina em uma vasilha e despeje sobre ela a manteiga derretida e morna. Misture bem os dois ingredientes para que manteiga seja totalmente absorvida. Deixe descansar por 1 hora. Junte os demais ingredientes amasse bem e deixe descansar novamente. Separe porções dessa massa e forme bolas, abra a massa com a palma da mão e coloque no centro 1 colher de recheio. 

Feche a bolinha com

a ponta dos dedos apertando bem a união. Decore com a ponta de um garfo. Asse em forno brando em assadeira sem untar. Quando estiverem ligeiramente corados, retire e use açúcar de confeiteiro para polvilhar (polvilhe com uma peneira, com os doces ainda quentes). Para o recheio, basta misturar todos os ingredientes.

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