sexta-feira, 13 de março de 2015

No tabuleiro da Baiana

VITORINA,  FILHA DE OMOLU E DE TEMPO,  A NEGRA VITU,  frita o mais gostoso acarajé da Bahia e o vende na esquina do Cabeça: acarajé e abará, cocadas diversas, moda e pé de moleque, por vezes tem doce de tamarindo, uma coisa! 
 
Variam os doces no tabuleiro, não varia jamais o sorriso terno de Vitu a despachar crianças, a conversar com os fregueses, comadre de quanto artista e escritor existia na cidade, pois durante muito tempo fez ponto na porta do Anjo Azul, boate sofisticada e super (ou sub) intelectual.


Não se intelectualizou Vitorina, mas certamente seu acarajé é uma obra de arte.  As baianas fornecem uma nota de alegre pitoresco às ruas e praças e nos dias de festa ritual vestem trajes magníficos, com as cores de seus orixás, os colares, as pulseiras, os torsos e os balangandãs. Algumas dessas baianas gozam de larga popularidade e seus quitutes possuem fama.


Carybé "Mulata Grande", 1980, óleo sobre tela 

Em frente ao edifício da Alfândega, na Cidade Baixa, Odília oferece uma cocada que é maravilha das maravilhas. Outras mantêm se no mesmo ponto durante decênios, a vender à tarde ou à noite nada existe de mais saboroso do que mingau de puba (de tapioca ou de milho) pela madrugada, quentinho, na hora dos últimos boêmios, quando a cidade dorme.

 

Damásia da Conceição sentou se por mais de quarenta anos em frente à Escola de Belas Artes. Gerações de mestres e alunos, de pintores e desenhistas foram seus fregueses, comprando lhe acarajés e laranjas de umbigo.  Quitéria de Brito ornou com sua jovial presença a Baixa dos Sapateiros durante trinta anos. 
 
Amigos e conhecidos param e demoram numa prosa descuidada: comentam as festas de terreiro, assuntos de en cantados e encantamentos, feitiços, amores e a vida cara. 

Numa cidade pobre de restaurantes populares, na qual a população raramente almoça ou janta fora de casa (...) as baianas enfeitam as ruas e servem ao povo. Se não fossem elas, com seu pequeno e oloroso comércio, onde saborear um abará, um acarajé, a perfumada moqueca de aratu?

Jorge Amado, Bahia de Todos os Santos, 1945


 Jorge Amado é um escritor que aborda a diversidade geopolítica baiana. É também particularmente voltado para a Cidade da Bahia, sua cidade amada. 
Todo um contexto histórico-cultural da urbe está envolvido, desde os ranços deixados por seu traçado citadino até a presença do mar, com seus encantos e mistérios.
Mostra ainda um multiculturalismo originário sem deixar de tocar nas diferenças étnicas, com o destaque para a cultura negra, o que faz aparecer o caráter ímpar da terra.

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