segunda-feira, 2 de março de 2015

Semana Santa O sagrado na cultura gastronômica do Candomblé



A Semana Santa é sem duvida um momento marcante na cultura baiana, época onde o ”cardápio magro”, imposto pela tradição católica, coexiste tranqüilamente com os mais diversos pratos da exuberante cozinha baiana.
Muitas preparações em copiosos almoços e os mais diversos itens regados ao sabor do Leite de Coco, das Pimentas e claro do Dendê.

Na Semana Santa (Sexta-feira) e dia de receber a família, os amigos e uma oportunidade de provar um Caruru completo, composto por Vatapá, Arroz branco, Xinxim de Galinha, Farofa de Azeite com Camarões, Feijão-Fradinho e de Leite, Banana-Frita, Frigideira de Bacalhau, Efó, Moqueca de Peixe. Um auspicioso banquete onde através da comida se promove a eucaristia, alem de uma importante contribuição a comensalidade.

Oportuno esclarecer o que queremos dizer aqui quando utilizamos a expressão cozinha baiana, sabemos que a cozinha da Bahia contempla as culinárias do sertão, da chapada, do oeste e do sul do estado, além da famosa culinária do recôncavo e do litoral. Contudo, a cozinha baiana é comumente associada apenas ao comer soteropolitano, com suas “comidas de azeite”. Encontramos aí um grande equívoco, pois mesmo em Salvador, muitas comidas que não levam azeite de dendê fazem parte do cotidiano da cidade.

A Semana Santa na Igreja Católica, preserva o tabu alimentar do Jejum,motivo pelo qual não se come carne, é de significado penitencial e de reflexão, pois a mesma lembra um alimento substancioso além de estar ligada ao sacrifício de alguma forma.

Enquanto católicos reverenciam o "jejum", onde se mantem de resguardo durante a quaresma e semana santa, no Candomblé uma das religiões que mais possuem rituais interligados por alimentos, a coisa se processa de forma diferente, a Quaresma, e momento também de reverenciar o Orixá, onde maneiras de preparar, de oferecer, atitudes e os rituais propriamente ditos estão repletos de significados simbólicos, econômicos e sociais, sendo de alta importância para comunicação em linguagem própria – a comida. Oferecer o alimento aos deuses do Candomblé é ter insigne honra de “comer” com eles, garantindo, dessa forma, a presença dos orixás na vida das pessoas .


Segundo o sociólogo francês, Roger Bastide, não é possível dissociar a cozinha africana da sua relação estrita com a religião. Para ele, foi este caráter religioso que possibilitou que as comidas dos orixás pudessem ser conservadas na Bahia.


“Se a cozinha africana pôde manter-se fielmente na Bahia, contra a cozinha portuguesa ou indígena, com base na mandioca, foi porque se encontrou ligada ao culto dos deuses e que os deuses não gostam de mudar de hábitos” (BASTIDE, 1960, p.464)
Os terreiros de Candomblé são locais de fé, de festa e principalmente centros gastronômicos de grande fartura e diversidade de alimentos para se comer. Comidas para ver, tocar na alma, para os espaços, para locais determinados na natureza. Comidas para comer, para ingerir energia, para comunicar, para unir e fortalecer laços entre homens, deuses e ancestrais.
Comidas para festejar, lembrar, marcar, expressar características de indivíduos e grupos, terreiros, nações, de vinculações mais próximas com Áfricas, umas idealizadas, outras transformadas e, outras ainda, etnograficamente reconhecíveis.

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