sábado, 12 de setembro de 2015

Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-C Caldo de Carangodé – prato preparado com mariscos do Recôncavo,
considerado afrodisíaco.

Todos sabemos que o Recôncavo da Bahia, é um celeiro de artistas, sempre muito criativos cheios de bom humor e  historias familiares, terra de muita festa comida saborosa, pois aqui é o berço do Samba de roda.

A primeira vez que ouvi falar sobre Carangodé, foi à uns 17 anos atras, o cozinheiro Vital era famoso em sua terra natal, Santo Amaro da Purificação, onde costumava cozinhar para a clã dos Velloso, principalmente nas festas de reis! 

Em Salvador, ele ocupava um casarão simples na rua das Laranjeiras, no Pelourinho,  o Ponto Vital onde ele oferecia um menu típico de sua cidade natal, o Caldo deste molusco do Recôncavo, era servido em seu restaurante como entrada, uma referencia da culinária típica do Recôncavo baiano.
O nome do caldo (Carangodé) deve ser uma referencia á cultura afro-baiana com relação ao fato de ser tido como um afrodisíaco natural.

O próprio Vital,  ensinava as origens de cada prato do cardápio do lugar,  enquanto o garçom Adelson, que ainda preserva o restaurante, mantinha copos cheios de pingada boa e aquela gelada para refrescar a boca de pimenta.


 A Baía de Todos os Santos das águas abertas do Oceano Atlântico, ela  banha toda a região do Recôncavo.
A baía,  recebe esse nome por ter sido descoberta pelos portugueses no Dia de Todos-os-Santos, forma um porto natural. Salvador é um dos principais portos de exportação do país, encontrando-se no coração do Recôncavo Baiano um imenso estuário de peixes, mariscos, que é responsável pela fama da cozinha da Bahia.

A maioria das espécies de ermitões gastrópodes(nome vulgar Carangodé) utiliza conchas vazias de gastrópodes como abrigos móveis. A variação na disponibilidade desse recurso em microambientes distintos pode minimizar interações competitivas em espécies simpátricas, possibilitando sua coexistência. 

As diversas formas de utilização dos organismos aquáticos pelos pescadores, além da alimentação, revela o grau de conhecimento dessas populações em relação aos potenciais do recurso pesqueiro de uma região. A obtenção dessas informações, aliada a conceitos científicos específicos, é de grande serventia para a ampliação e complementação das atuais formas sistemáticas de uso desses organismos. 
Os aspectos etnobiológicos da pesca no município de São Francisco do Conde foram obtidos através de questionários e conversas informais com pescadores da região, ligados à Colônia Z-5, nos meses de setembro de 2002  e janeiro de 2003. Foi constatado que, além da alimentação, os moluscos são utilizados pela população principalmente para fins medicinais (funções cicatrizante, fortificante, afrodisíaca e coagulante), com destaque para os bivalves. 

Os gastrópodes, que não são utilizados com freqüência na alimentação, servem de iscas para pescar moluscos, peixes e crustáceos, além do uso de conchas de moluscos em adornos decorativos de templos de cultos afro-brasileiros. 

Existem  tabus alimentares quanto à ingestão desses organismos em determinadas épocas do ano. 
A riqueza de utilizações destes moluscos revela a estreita relação entre os pescadores e a malacofauna da região com a utilização desses animais, principalmente no âmbito medicinal, alimentar e farmacêutico.  

No município de São Francisco do Conde, foram identificadas 24 espécies de moluscos de importância sócio-econômica n este total, 20 espécies são da classe Bivalvia e 4 pertencem à classe Gastropoda. Com relação ao enquadramento dos bivalves como moluscos, um dos depoimentos revela a visão de todos os pescadores entrevistados: “o que a gente pesca aqui é siri-de-vasa, siri-de-mangue, caranguejo, aratu: tudo crustáceo. Ostra, sururu, mapé: crustáceo também. O mapé é um crustáceo que parece com marisco”. 

Os catadores de moluscos de São Francisco do Conde podem ser chamados de marisqueiro (a), mariscador (a) de mangue ou de mariscadeiro (a), sendo o primeiro o mais utilizado pelos pescadores. A maior parte dos marisqueiros coleta os moluscos manualmente, no caso das espécies de bivalves endopsâmicas ou dos gastrópodes. Quanto aos bivalves epifíticos e epilíticos, as coletas são auxiliadas por facas, foices ou machadinhas.

A mariscagem é executada, em sua maioria, por mulheres e crianças, embora os homens também exerçam esta atividade, principalmente na catação de ostras e sururus. 
Alguns
depoimentos retratam a difícil arte da coleta de bivalves, como de uma marisqueira, hoje aposentada: “sempre vivi da pesca. Saía de manhã cedo... tenho cicatrizes nas mãos por causa das mordidas de caranguejos e siris e de pegar marisco no chão. (...) Eu pegava marisco, camarão, siri, caranguejo, sernambi (conchinha), ostra, sururu”.

As principais espécies, com seus nomes populares e suas utilizações. Vale ressaltar que muitas espécies da classe Gastropoda são conhecidas por grande parte dos pescadores como búzios. 
Poucos gastrópodos possuem nomes populares exclusivos, como ocorre com a maioria dos bivalves. Estes, por sua vez, apresentam uma diversificada nomenclatura popular, ocorrendo, em algumas espécies, mais de um nome vulgar.

As principais utilizações dos moluscos pelos pescadores são a alimentação e o uso medicinal. Diferentemente dos bivalves, os gastrópodos não possuem grande importância na alimentação humana. Este fato também foi observado no litoral dos estados do Rio de Janeiro (Mello, 1985) e de Pernambuco (Melo Júnior e Paranaguá, 2002). Entretanto, alguns pescadores afirmam consumir tapu (Turbinella laevigata Anton, 1839) e peguari (Strombus pugilis Linnaeus, 1758). 

No caso do peguari, Santos (1982) relata tal consumo na Bahia, sendo bastante capturado para alimentação. Para Costa (1985), esta espécie é tida como uma das mais consumidas no litoral brasileiro.

Quanto ao uso medicinal, os gastrópodos, tem efeitos cicatrizantes, fortificantes, afrodisíacos e coagulantes. 
A importância medicinal dos bivalves já era fato relatado no século XVIII, por ANDREONI; (ANTONIL). Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Companhia Nacional, 1976.

Porém, outros entendem o contrário, porque a fornalha da olaria gasta muita lenha de armar, e muita de caldear, e a de caldear há de ser de mangues, os quais, tirados, são a destruição do marisco, que é remédio dos negros (...). 
Relatos semelhantes aos de São Francisco do Conde foram observados por Alves e Souza (2000) para Itapissuma, município localizado no litoral norte de Pernambuco.

 Para esta região, estes mesmos autores relataram que o modo de uso dos bivalves varia de acordo com a espécie de molusco, sendo usadas a concha e/ou as partes moles, dependendo da enfermidade em questão.
Para os  pescadores das comunidades locais, os bivalves tem  importância como fonte nutritiva: “o marisco tem muito fosfato”. Entretanto, o consumo exagerado de bivalves: “(...) marisco e caranguejo dá disenteria... tem que ter um bom fígado e um bom rim”afirmam os pescadores.

Depoimentos de pescadores apontam tabus alimentares em relação a algumas espécies: “Aqui ninguém come búzios: temos nojo...”. Essa aversão aos gastrópodos pode ser explicada pelo modo de vida rastejante dos búzios ou pela constante produção de muco, peculiar a esses moluscos. 
Para Hanazaki (2002), a maioria das comunidades pesqueiras mostra um detalhado universo de preferências e tabus alimentares relacionados à proteína de origem animal. Estas particularidades alimentares, segundo esta mesma autora, podem ser explicadas em função de fatores como a disponibilidade do recurso animal, a posição trófica da espécie no ecossistema ou sua importância no contexto social da comunidade pesqueira.

Os tabus alimentares também podem ser vistos em relação a algumas espécies de bivalves. Em determinadas épocas, ostras, sururus, tariobas e lambretas são evitados por “menstruarem em noite de lua”.  Segundo depoimento de uma marisqueira: “as ostras e sururus solta sangue feito mulher. A tarioba também, em noite de lua. Ninguém come marisco quando eles tão assim”. Fato semelhante foi registrado por Alves e Souza (2000) para o Canal de Santa Cruz, Itapissuma – PE. Nesta localidade, os referidos autores também apontaram que este fenômeno está associado a um tabu alimentar, pois as informantes (marisqueiras) dizem que “nessa época, a gente não pega ele (marisco). Não presta para comer, não. (...) o povo tem nojo”.
Outros depoimentos revelam algumas lendas locais sobre as relações entre moluscos gastrópodos e caranguejos-ermitão. Os métodos empregados por esses crustáceos, conhecidos como carangodé, para habitar as conchas dos moluscos podem ser retratados no seguinte depoimento: “Ele invadia o espaço do búzio e matava o búzio e se instalava dentro dele”. Estórias deste tipo também foram retratadas por Santos (1982).
Além das utilizações na alimentação e na medicina alternativa, conchas de algumas espécies de moluscos estão presentes em objetos decorativos de cultos afro-brasileiros (Figura 2.2). Estes adornos consistem em colares, braceletes ou tiras de enfeites, todos confeccionados com conchas de moluscos, pedras e outros objetos.

Um comentário:

  1. Relato preciso e impar,poucos sabem dizer com tal propriedade a Maravilha que é o nosso recôncavo.

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