terça-feira, 11 de agosto de 2015

Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-M Moqueca de Carne

O Recôncavo da Bahia soube dar sabor e temperar de forma inteligente toda uma cultura, adaptando, misturando, emfim se reinventando. Um dos principais produto da dieta dos soteropolitanos era a carne, "O comércio de carne possuía lugar estratégico no abastecimento da cidade e envolvia uma complexa teia de interesses, pois se tratava de um produto que, depois da farinha, compunha a base da dieta da população local".
Assim, a pecuária firmou-se desde cedo como um dos principais fatores de povoamento dos sertões.

Sua expansão pelo interior do Brasil começou pela Bahia.

Ao reservar os massapés do Recôncavo para a cultura da cana, o governo português instigou o avanço da colonização para o interior. Dois vetores marcaram a expansão das fazendas de gado: um para o norte, subindo de Jacobina, à margem direita do rio São Francisco, até atingir o Piauí; o outro, em sentido contrário, avançou de Januária e Montes Claros para chegar a Minas Gerais. Conforme Erivaldo Neves, desde o século XVIII, houve a consolidação da policultura sertaneja, tanto da lavoura quanto da pecuária, com seus excedentes dinamizando o segmento mercantil interno da economia colonial.


Devido à influencia da cultura, trazida pelos negros africanos que aqui chegaram como escravos, que ao contrário do mito de que teriam contribuído nas cozinhas das casas grandes com seus "temperos", somente tiveram liberdade para criar pratos depois da libertação e todo engenho do receituário que ao longo dos tempos vão sendo criados a partir da oferta de produtos locais a Carne Fresca ou Verde como era chamada, também foi sendo incorporada ao habito alimentar do baiano. 



Manuel Querino, em seu antológico "A Culinária Baiana",faz menção ao Eran Paterê, como prato genuinamente africano, talvez a primeira citação desta mistura, à utilização da carne com o Azeite de Dendê.
Eran(quer dizer carne) Paterê(quer dizer fresca), "um naco de carne verde, bem fresca, salgada e frita no azeite."
Hoje vemos uma variação infinita de moquecas utilizando carnes de todo tipo, como Charque, Carne do Sol, Carne de Porco.


A revolta da Carne sem osso, farinha sem caroço.
Na Bahia de 1858, a luta contra a carestia se misturou com a luta em torno de direitos políticos, ganhando uma linguagem de defesa da cidadania. Como escrevera o vereador Manoel Ferreira, os manifestantes não se opuseram apenas a uma abstrata doutrina do livre mercado, a um poder provincial que não estava respondendo a suas demandas por comida barata. 
Câmara Municipal da Bahia


O que aconteceu em 1858 foi uma reedição, com as devidas inovações, de uma tradição da Bahia rebelde que vinha desde o final do século XVIII, com a conspiração dos alfaiates. Outras revoltas pontilharam a província nas décadas de 1820 e 1830. Nelas, a primeira ação dos manifestantes era ocupar a Câmara e convocar o povo, em geral com o toque do sino, tal como ocorreu por ocasião do motim da fome. O ato de tocar o sino emprestava dimensão ritual aos movimentos políticos, chamando os habitantes para abraçar alguma causa. Nessas horas, a casa da Câmara de fato simbolizava o poder popular. Houve, então, uma dimensão política no movimento de 1858.

Assim, não basta levar em conta apenas a barriga do povo e a cabeça do governo para explicar o motim da “carne sem osso e farinha sem caroço”. Uma rede complexa de comportamentos, necessidades e interesses balançou Salvador durante aqueles dois dias. E um acaso. É provável que o motim não tivesse ocorrido, ou o tivesse de outro modo, sem o incidente com as moças da Misericórdia e a disputa envolvendo a Câmara e o presidente. Em movimentos desse tipo, a carestia é uma condição necessária, mas não suficiente. Talvez isso explique por que no ano seguinte, quando o preço da farinha bateu o recorde da década, Salvador manteve-se em paz. 


João Jose Reis
No século XIX, o abastecimento de carne verde para a capital da Província da Bahia era uma atividade de interesse primordial para o poder público, por se tratar de um gênero de primeira necessidade na dieta alimentar da sociedade baiana. 
Sua importância gerou a criação de uma série de leis e posturas que pretendiam controlar o abastecimento de carne, desde a quantidade de animais abatidos para consumo quanto o seu preço e distribuição nos pontos de venda espalhados pela Cidade da Bahia, com o objetivo de evitar a atividade dos monopolistas, que dificultavam o acesso da população da cidade ao víveres através da alta dos preços e da qualidade do produto oferecido. Porém, ao mesmo tempo em que o poder público tentava combater os monopolistas, criava condições para que eles estivessem inseridos dentro de seu próprio corpo administrativo.

As Hortas de São Bento ocupavam toda a região contígua à área do Mosteiro de São Bento, onde desde o
século XVIII funcionava o primeiro Matadouro de gado para o abastecimento de Salvador

A “carne verde” do século XVIII era a carne sem conservantes proveniente dos abates e comércio diários realizados nas proximidades da cidades. 
Ela se diferenciava da carne seca ou conservada com sal ou frita e conservada em gordura de porco. É o que chamamos de carne fresca, com a diferença que hoje ela é quase sempre resfriada. Já o que se chama de “boi verde”, expressão moderna, corresponde não a um tipo de carne, mas ao boi criado exclusivamente a pasto, sem acesso a suplementos alimentares energéticos (rações).

Haviam sido previstas pelo Regulamento de 18 de fevereiro de 1832, baixado pela Decisão n. 77, Criadas pela Decisão n. 553, de 23 de setembro de 1833, eram encarregadas de arrecadar e fiscalizar os impostos incidentes sobre a carne verde do gado vacum. Esses impostos eram:-

a) Subsídio Literário da Carne Verde, reduzido a 320 réis por cabeça de gado em pé; esse tributo fora instituído pelo Marquês de Pombal no século XVIII, para atender às despesas com a instrução pública, que ele fora forçado a criar em virtude da expulsão dos jesuítas, que até então cuidavam dela.

b) Imposto de 5 Réis em Libra de Carne Verde; este fora estabelecido pelo Alvará de 30 de junho de 1809, e ainda era renda geral do Império no Orçamento de 1831/1832. Em 1835 passou a ser receita provincial.

O desperdício de carne verde certamente era muito freqüente em uma época onde não havia técnicas maiores que o salgamento e transformação da carne fresca em “carne seca”, processo que demorava alguns dias de secagem ao relento até que o produto estivesse pronto para ser estocado; desta forma, a matança diária de reses em Jacobina faria crescer a quantidade do gênero sem aproveitamento ao final do dia, quando pela ação da temperatura e da falta de meios de conservação, as carnes já estariam imprestáveis para o consumo.

O preço da carne vendida em Salvador era comunicado pelo dono das rezes antes da matança, inclusive sendo determinante para a escolha das boiadas que tinham preferência para o abate. Desde o início do século XIX, os menores preços garantiam para os donos a preferência do abate, e a distribuição primeira de suas carnes para os talhos, com maiores chances de serem compradas na totalidade, por chegar primeiro ao mercado

Em tempos de falta de carne para abastecimento, como na época da epidemia de cólera, quem providenciava a compra de gado no interior era a Presidência da Província, mas em
épocas de abastecimento regular, a Câmara Municipal também regulava os preços e a distribuição de carne na Capital.

A Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas, popularmente conhecida como as Cartas de Vilhena, são uma referência constante dos pesquisadores sobre a Bahia nos finais do século XVIII. Neste artigo, elas são utilizadas como uma forma de compreensão da alimentação dos baianos em uma abordagem introdutória, na medida em que suas informações são concentradas na produção e distribuição de alimentos. Porém, muitos desses alimentos já estão preparados, como a célebre relação de "especialidades baianas", o que termina por nos fazer pensar sobre a mesa dos baianos nos últimos momentos do século XVIII.



Moqueca de Carne

Ingredientes
1kg de coxão duro sem gordura cortado em pedaços
¾ de litro de água
½ colher (sopa) de sal
1 colher (sopa) de vinagre
4 colheres (sopa) de azeite de dendê
3 cebolas grandes cortadas em rodelas finas
3 dentes de alho socados
4 tomates sem pele nem sementes picados
2 pimentas malagueta picadas
3 colheres de coentro (sopa) picado

Como fazer
Coloque a carne numa panela de pressão com a água, o sal e o vinagre.
Cozinhe em fogo alto por cerca de 30 minutos, até a carne ficar macia.
Retire a carne da panela e desfie. Reserve o caldo.
Em outra panela, aqueça o azeite de dendê e refogue a cebola e o alho.
Acrescente o tomate, a pimenta malagueta e o coentro.
Cubra com um pouco de caldo reservado e cozinhe até levantar fervura.
Em seguida, junte a carne, misture bem e ajuste o tempero.
Tampe a panela, coloque em fogo médio e deixe cozinhar por mais 15 minutos.
Se achar necessário, vá juntando um pouco de caldo de carne quente, para não deixar secar.
Desligue o fogo e sirva com farofa de dendê e arroz branco.

Fontes:

POLÍTICOS, MILITARES OU MONOPOLISTAS? UM
OLHAR SOBRE O ABASTECIMENTO DE CARNE VERDE NA BAHIA OITOCENTISTA 



Saiba mais lendo o texto do prof. João José Reis e de Márcia Gabriela D. de Aguiar, disponível no SCIELO.
Essa leitura é diretamente recomendada às turmas 1822 e 3912.

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