segunda-feira, 29 de junho de 2015

Desperdiçar comida num mundo com fome

Todos os anos perde-se um quarto de toda a comida do mundo devido a colheitas ineficientes, a armazenamentos inadequados e a desperdícios na cozinha. Se reduzíssemos a metade essa perda poderíamos alimentar mais mil milhões de pessoas – e tornar a fome um problema do passado.
A extensão deste problema é, particularmente, irritante na visão de um novo estudo global sobre segurança alimentar da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Segundo a FAO, 57 países desenvolvidos não alcançaram o Objectivo de Desenvolvimento do Milênio de reduzir em metade o número de pessoas com fome. Uma em cada nove pessoas do planeta – ou seja, 795 milhões de pessoas – continua a passar fome. 

É verdade que também tem havido progressos notáveis: nos últimos 25 anos o mundo alimentou mais dois mil milhões de pessoas; os países desenvolvidos reduziram em quase metade a sua taxa de fome. Mas o desafio é manter este progresso: em 2050 a procura por alimentos vai quase duplicar. Nessa altura, o mundo terá mais dois mil milhões pessoas para alimentar e uma nova classe média em ascensão.

Atualmente, as Nações Unidas estão a analisar 169 novos metas de desenvolvimento para sucederem aos Objectivo de Desenvolvimento do Milênio (a fome é uma delas). Estas metas são muito importantes porque vão determinar a forma como 2,5 biliões de dólares vão ser gastos, desde as alterações climáticas à malária.

O meu think tank, o Centro de Consenso de Copenhaga, pediu a 60 equipas de economistas para analisar quais as metas mais, e menos, benéficas. A nossa pesquisa sobre segurança alimentar mostra que há formas mais inteligentes de alimentar muitas mais pessoas – mas que têm pouco a ver com as campanhas contra o desperdício que são vistas nos países mais ricos.

Nos países mais ricos, a atenção está centrada no desperdício do consumidor. Faz sentido: mais de metade das perdas nestes países ocorrem nas cozinhas (simplesmente, porque nos podemos dar ao luxo de o fazer).

No Reino Unido, por exemplo, o maior desperdício é de saladas, vegetais e frutas – luxos quando comparados com as fracas calorias de cereais e tubérculos consumidos no mundo em desenvolvimento. Os lares mais pequenos dos países ricos desperdiçam mais por pessoa porque é mais difícil utilizar tudo o que se tem, enquanto os lares mais ricos aumentam o desperdício quando se podem dar ao luxo de comprar em excesso para "fazer face a imprevistos".

Pelo contrário, os países mais pobres desperdiçam muito pouco, simplesmente, porque não se podem dar ao luxo de o fazer. Em África, o desperdício alimentar representa 500 calorias por pessoa – mas os consumidores representam apenas 5% desta perda. Mais de três quartos do desperdício ocorre muito antes dos produtos chegarem à cozinha, em agricultura ineficiente, porque os ratos e os pássaros comem as colheitas ou as pragas destroem os cereais armazenados.

Há muitos remédios para este tipo de desperdício – desde a "cura" de raízes e tubérculos a processos de refrigeração mais caros, passando pela redução dos danos. Porque motivo, então, é que estas tecnologias – muito usadas nos países mais ricos – não são adoptadas no mundo em desenvolvimento?

A resposta é a falta de infra-estruturas. Se não há estradas com condições para ligar as zonas rurais ao mercados, os agricultores não conseguem vender, facilmente, a sua produção, podendo esta estragar-se antes de ser consumida. Melhorar as estradas e as linhas ferroviárias permite, não só, aos agricultores chegar aos compradores, como facilita a chegada de fertilizantes e outros produtos aos agricultores. Um adequado fornecimento de energia permite, por sua vez, que os cereais sejam tratados e os vegetais conservados.

Os economistas do International Food Policy Research Institute estimam que o custo total de reduzir em metade as perdas pós-colheita nos países em desenvolvimento atinja os 239 mil milhões de dólares durante os próximos 15 anos – e que gere benefícios de mais de 3 biliões de dólares, o que representa um benefício social de 13 dólares por cada dólar gasto.

Isto tornaria a alimentação mais acessível para os mais pobres. Em 2050, melhores infra-estruturas poderia significar que 57 milhões de pessoas – mais do que atual população da África do Sul – deixariam de estar em risco de fome e que quatro milhões de crianças deixariam de sofrer de má-nutrição. A maioria deste ganhos ocorreria na África Subsaariana e no sul da Ásia, as regiões mais necessitadas do planeta.

Mas há um investimento ainda melhor. Podemos alcançar três vezes este benefício econômico, e reduzir ainda mais o número de pessoas em risco de fome, se nos focarmos na melhoria da produção alimentar e não apenas na prevenção de desperdício.

Atualmente, apenas 5 mil milhões de dólares são gastos todos os anos em pesquisa para melhorar as sete maiores plantações alimentares e apenas um décimo desse valor é direcionado para ajudar pequenos agricultores em África e na Ásia. Investir um valor adicional de 88 mil milhões de dólares na pesquisa e desenvolvimento agrícola durante os próximos 15 anos poderia aumentar a produção em 0,4% por ano.

Pode não parecer muito, mas a redução nos preços e as melhorias na segurança alimentar ajudaria quase toda a gente. Representaria um ganho social de aproximadamente 3 biliões de dólares, ou seja, um enorme benefício de 34 dólares por cada dólar gasto.

A fome é um problema complexo, exacerbado pelas pressões financeiras, pela volatilidade dos preços das matérias-primas, por desastres naturais e por guerras civis. Mas podemos dar um passo enorme no sentido de vencer a campanha contra a má-nutrição, investindo, simplesmente, na melhoria de infra-estruturas e na pesquisa e desenvolvimento agrícola. 

Bjørn Lomborg, professor adjunto na Copenhagen Business School, fundou e preside o Centro de Consenso de Copenhaga. É autor dos livros The Skeptical Environmentalist e Cool It, e editor de How Much have Global Problems Cost the World?

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques

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