quarta-feira, 3 de junho de 2015

A FESTA DE SÃO JOÃO-Bolo de Santo Antônio

Por Gustavo Barroso
Nenhuma festa mais popular entre os brasileiros do que a de São João, especialmente nas cidades e povoados do interior, onde se mantém melhor o culto das velhas tradições religiosas da raça.

Entretanto, nas capitais como o Rio de Janeiro, apesar do cosmopolitismo, das posturas proibitivas da Municipalidade e de outros entraves, a data famosa não é de todo desprezada. E quem andar pelos subúrbios e pelas ruas afastadas do centro, na segunda quinzena de junho, ouvirá de todos os lados o estrondar dos fogos, verá em todas as esquinas as lanternas vermelhas das pequenas lojas de madeira em que os garotos vendem bichas e busca-pés, bombas e rojões, chuveiros e rodinhas, estrelinhas e pistolas; e, se erguer os olhos para o céu, avistará os globos luminosos dos balões, perdendo-se no espaço.

Mas, no nosso interior, essa comemoração assume aspectos maiores e muito mais interessantes. Ela recorda todo o nosso passado de costumes singelos e profundamente nacionais. Nela vibram todas as almas rudes dos nossos matutos. É o tempo das fogueiras e dos fogos, das danças e dos balões. O céu cobre-se com um número infinito desses. Em cada porta de casa, ou em cada terreiro de fazenda, clareia o negror da noite urna grande fogueira, em torno da qual todos os habitantes, patrões e servos, meninos e velhos, homens e mulheres, andam e pulam, acendendo os seus fogos lendo as sortes, assando as castanhas de caju da última safra, saltando de pés juntos por sobre as brasas, realizando a simplíssima cerimônia pela qual se declaram compadres de São João, ligando-se por amizade para sempre. Uns saltam, a fogueira, para obter felicidade, se não tocarem nas labaredas, se não forem chamuscados. Alguns rodeiarn o fogo três vezes, cantando. Outros a fim de mostrar a sua fé no poder do santo, atravessam o braseiro, quando a fogueira agoniza, de pés nus, sem se queimarem. É ainda nesse tempo que as moças vêem num copo de água a figura do homem com quem se casarão, ou que, dando, pela manhã do dia do santo, a um pobre um vintém, que esteve mergulhado nas cinzas da fogueira da véspera, lhe perguntam o seu nome de batismo. E esse será o mesmo nome do seu futuro marido. Depois da fogueira, vêm as danças, as comedorias saborosas, os copázios de aluá, de mocororó, de gingibirra, os grogues de parati. Noite de cantos e de alegrias, dos desafios ao pé das violas e das sortes em verso, entrecortados de ironias e de sátiras.

Tal festa não é brasileira e muito menos católica. Ela é tudo o que há de mais profundamente humano e de mais visceralmente pagão. Velha conto o mundo, se tem transformado ao sabor de cada meio e ao gosto de cada povo. E a religião católica, com a sua extraordinária habilidade, não a esqueceu, quando organizou, no correr dos séculos, as suas festas, adaptando-a ao seu espírito e dando-lhe como patrono um santo cujo dia fica justamente na época do ano em que o paganismo morto a celebrava. Todos os santos do cristianismo são mais ou menos, filhos dos antigos deuses.

O espirito pagão da festa de São João é reconhecido por uma das maiores colunas morais e espirituais da igreja, Bossuet, o qual diz no seu Catechisme de Meaux o seguinte: "L’Eglise s’est resignée á y prendre part pour en bannir les superstitions auxquelles aprés tant de siécles les populations ne peuvent se resigner á renoncer".

O bispo de Meaux, descrevendo as cerimônias dessa festa, diz que elas constavam de danças em redor da fogueira, de festins, da colheita de certas ervas mágicas que se deviam guardar sobre si para obter felicidade, da conservação, durante o ano, com o mesmo fim, dos carvões da fogueira. São, mais ou menos, as mesmas cerimônias que Ovídio descreve nos Fastos, no livro quinto, renovadas a cada aniversário da fundação de Roma.

Sobre a grande antigüidade da festa de São João não pode haver a menor dúvida. A esse respeito o senhor Alexandre Bertrand se expressa deste modo (Réligion des Gaulois, p. 98) : "ces pratiques remontent á la plus haute antiquité, elles font partie de l’heritage de croyances et de rites que les tribus pastorales de civitisation aryenne ont importé avec elles en Occident. Elles n’ont cessé, avec des legéres modifications, de jouer chez nous um rôle traditionnel qu’aprés la Révolution..."

A festa de São João é a festa de Agni, do fogo, a festa que comemora o solstício do verão. E Santo Elói, no século VII, quando ainda a igreja a não adotara, trovejava contra ela: "Não vos reunais, - dizia ele, numa encíclica aos seus diocesanos, na época dos solstícios. Nenhum de vós deve dançar, ou pular em torno do fogo, nenhum de vós deve cantar no dia de São João. Por que essas canções são diabólicas!"

Em Roma, segundo Ovídio, que nela participou, a festa do solstício se chamava Palilia. Era a festa do deus, ou da deusa Palés: "sive deus, sive dea". Então, narra o autor dos Fastos, se acendiam fogueiras, em cuja cinza se cozinhavam favas, ornavam-se as casas e estábulos de ramos verdes, recitavam-se três vezes certas orações, atravessava-se pelo meio das chamas, sorrindo e cantando, porque o fogo tudo purificava, homens e rebanhos:

"Per flammas saluisse pecus, saluisse colonos"

Essa sobrevivência do velho culto ariano de Agni, o benéfico e o protetor, passou de Roma para as nações bárbaras que se formaram sobre as ruínas colossais do Império, conquistadas pouco a pouco pela cultura latina. Nós a vemos assim, no início da Idade Média, condenada por Santo Elói; depois, na festa da roda inflamada, que se fazia correr pelo meio do povo, em pleno século XII, segundo o insuspeito testemunho de Jean de Beleth, na sua Summa de divinis officiis: "feruntur quoque in festo Johannis Baptistae brandae seu faces ardentes et fiunt ignes rota in quibusdam locis volvitur".

A reminiscência dessa roda de chamas é o uso atual de jogar fogo de rodinhas de papelão orladas de estopim, em cujo centro há pinturas curiosas e, às vezes, a face do Batista. Essas rodinhas, presas por um prego à ponta de uma vara, queimam, rodopiando, e recordam a antiga grande roda inflamada das superstições medievais, como a passagem purificadora pelo fogo, que Ovídio aconselha, é a mesma que nós realizamos nas nossas fogueiras de São João, com intuitos de ser felizes durante o ano, ou para obter o compadresco singelo. Obedecemos nisso à força insuperável da tradição milenária, indestrutível, que celebra no dia de São João o solstício do verão, como no dia de Natal o solstício de inverno. A igreja adaptou essas celebrações à sua maneira e os Manicheus lhe reprochanam o ato: "solemnes gentium dies cum ipsis celebratis". Só o grande Santo Agostinho replicou, com a sua formidável habilidade: "habemus solemnem istum diem non sicut infideles propter hunc solem, sed propter eum qui fecit hunc solem". E foi otimamente respondido. [1923]

Bolo de Santo Antônio

250 gramas de farinha de trigo
250 gramas de manteiga
8 ovos
250 gramas de açúcar
10 gramas de erva-doce
100 gramas de castanha assada sem casca

Misture o açúcar com a manteiga (com colher de pau) até ficar bem ligado, junte a erva-doce e vá pondo as gemas, uma a uma mexendo sempre.

Continue a bater a massa durante 3 ou 4 minutos e por fim misture a farinha com muito cuidado. Asse em forma redonda, untada e forrada com papel vegetal também untado. Forno regular. Com as claras que sobrara, faça uma massa de suspiro, cubra com ela o bolo depois de assado e enfeite-o com as castanhas.


(BARROSO, Gustavo) O sertão e o mundo, estreou na literatura, aos vinte e três anos, usando o pseudônimo de João do Norte, com o livro Terra de Sol, ensaio sobre a natureza e os costumes do sertão cearense. 

Além dos livros publicados, sua obra ficou dispersa em jornais e revistas de Fortaleza e do Rio de Janeiro, para os quais escreveu artigos, crônicas e contos, além de desenhos e caricaturas. 

A vasta obra de Gustavo Barroso, de cento e vinte e oito livros, abrange história, folclore, ficção, biografias, memórias, política, arqueologia, museologia, economia, crítica e ensaio, além de dicionário e poesia. Pseudônimos: João do Norte, Nautilus, Jotanne e Cláudio França.


Em seu livro, publicado em seis volumes a partir de 1937, História Secreta do Brasil, são narrados episódios como a participação por parte dos judeus em rituais de sacrifício no sertão baiano no século XIX até a sociedade secreta da Faculdade de Direito de São Paulo (chamada 'A Bucha'). Profundamente nacionalista, ele defendeu a integridade do Brasil contra dominação estrangeira e de grupos de banqueiros internacionais.

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