Verbete-F Feijão Refogado, acompanhamento do Dia-a-Dia.
Na companhia do Arroz, da Farinha e do Molho de Pimenta, o Feijão refogadinho é uma unanimidade na mesa brasileira.
Apesar dos textos dos cronistas atestarem a disponibilidade dos feijões e das favas (que os índios cultivavam e comiam), as variedades sul-americanas dessas leguminosas não parecem ter
merecido o apreço dos colonos lusos até meados do século XVIII. Luís da Câmara Cascudo em sua História da alimentação no Brasil, observou o papel secundário que esses ingredientes comestíveis desempenhavam na alimentação dos colonos portugueses.
Os motivos da relutância inicial dos colonos em ingeri-los foram investigados, bem como as circunstâncias da transformação dos feijões em mantimento principal da dieta brasileira. Inicialmente consideraram-nos substanciosos, mas difíceis de digerir, flatulentos e apropriados sobretudo à nutrição de trabalhadores braçais.
O estudo de seu consumo colonial evidenciou desigualdades de status social correspondendo a diferenças notórias entre as dietas alimentares usuais dos magnatas, dos colonos pobres, dos escravos, dos cristãos velhos e dos cristãos novos. Até o final do século XVII a dieta alimentar básica de mantimentos secos que garantia a subsistência dos colonos, surpreendentemente, não incluiu feijões ou favas.
Esses vegetais, mesmo oferecendo condições favoráveis de armazenamento, não figuravam entre os itens alimentares cuja produção era objeto de incentivos e de controles por parte da Câmara Municipal de Salvador.
A dieta fundamental, compunha-se apenas, na época, de farinha de mandioca seca, de carne-seca, de peixe-seco ou de carnes e de peixes salgados, substituídos prazerosamente - na medida da disponibilidade e da sazonalidade - por víveres frescos, carnes verdes, peixes recém-pescados, raízes, grãos, folhas e frutas ou por preparos perecíveis como a farinha de mandioca fresca, cujo gosto, segundo afirmavam os cronistas lusos, se assemelhava ao sabor do miolo de pão fresco.
Conforme salientou Luís da Câmara Cascudo, em sua História da alimentação no Brasil, os feijões não foram integrados de imediato ao rol dos ingredientes comestíveis indispensáveis: “No Brasil as referências atestam a existência dos feijões e favas mas não a sua popularidade”:
“Comia o indígena feijões e favas mas, ao deduzir-se dos registos dos séculos XVI e XVII, não constituíam preferência ou aquela atração irresistível que a farinha de mandioca
provocava”
Relatos do século XVIII, com efeito, revelaram uma crescente importância dos feijões na alimentação da população
colonial que contrastava com o apreço restrito dos colonos dos primeiros séculos em relação às variedades nativas dessas leguminosas que os indígenas conheciam, cultivavam e comiam regularmente.
Câmara Cascudo acrescentava:
“Pela documentária dos séculos XVI e XVII o feijão não acusa saliência nem posto na atenção administrativa. Toda legislação oficial que conhecemos nesses duzentos anos e
mais, afasta o feijão dos cuidados defensivos, mantidos para o açúcar, moeda internacional, farinha de mandioca e milho, alimento natural das bocas curibocas, mamelucas e mulatas. No rol de compras do engenho de Sergipe do Conde, 1622-1653, o feijão é adquirido em alqueires, mencionando-se em quase todas as listas”.
O autor concluía (talvez um pouco prematuramente) que, a partir da primeira metade do século XVII, o “binômio feijão-e-farinha” já “governava o cardápio brasileiro”,
alimentando “feitores, artesões e a escravaria africana que trabalhava no recôncavo da Bahia”.
Segundo Rodrigo Elias: “A dispersão populacional dos séculos XVIII e XIX [...] foi extremamente facilitada pelo prestigiado vegetal. Atrás dos colonos foi o feijão”.
Efetivamente: “Era uma cultura essencialmente doméstica que facilitou a fixação das populações no território luso- americano”.
Em meados do século XVIII, o feijão, alçado à condição de mantimento conveniente, se fez item indispensável, não somente na dieta dos moradores da área continental, mas ainda naquela de muitos colonos da costa brasileira. Russell-Wood, por exemplo, ao citar os mantimentos providos em 1749 às moças do Recolhimento na cidade de Salvador, mencionou o cálculo mensal (para cada moça) de um barril de sal, de três quartas de farinha de mandioca, de nove quartas de feijões, de 2 libras de gordura de porco, de uma vasilha de azeite para os dias magros e de 320 réis para comprar bananas. Previa-se também um fornecimento diário de 2 libras de carne, de 30 réis para comprar repolho e de 80 réis para adquirir peixe nos dias magros e aves ou frangos sob prescrição médica.
O testemunho do viajante inglês Henry Koster que chegou ao Recife em 1809 para
se restabelecer de tuberculose no clima ameno do Brasil, também ressaltou a relevância
desse gênero comestível na alimentação nordestina:
“A casa em que eu morava era uma construção longa e baixa [...] o aposento principal
estava mobiliado com algumas cadeiras, uma mesa e uma estante contendo meus livros e
também uma grande arca onde depositavam a farinha e o feijão para o consumo mensal da
casa”
Feijão de Cominho, Feijão Refogadinho, Do Diário, seja qual for o nome dado a esta guarnição, ela faz parte objetiva da mesa do brasileiro, conferindo distinção e sabor a nossa gastronomia.
Dos feijões à feijoada: a transformação de um gênero comestível pouco apreciado emmantimento básico brasileiro
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