terça-feira, 21 de abril de 2015

Convidamos o Alexandre Mury para um Bate&Leva

"Cozinheiros não são artistas" vaticina Joan Roca, o chef do melhor restaurante do mundo, a gastronomia é efêmera demais para ser considerada arte!

 
Apesar de concordar em parte com o distinto Chef, muito mais por acreditar ser um ofício, que por uma preocupação com a durabilidade.  

No mundo fluido e rápido que vivemos, a Arte também toma emprestada esta característica, o que realmente importa, penso eu, o que vale é a intensidade e força com que desenvolvemos nosso trabalho, e por tanto convidamos o artista plástico visual carioca Alexandre Mury que chega a Salvador no dia 7 de maio com a mostra O Catador na Floresta de Signos, na Galeria Roberto Alban, para o nosso Bate&Leva de hoje.

polêmico por vezes, o trabalho do
Alexandre Mury é instigante e provocador, filho de São Fidélis, RJ, é formado em Comunicação Social, seu trabalho adentra o caótico universo humano, mas com poesia, propondo uma aventura estética. 


Bate&Leva

<Si pudesse sentar a mesa com o artista Alexandre Mury, O que lhe preguntaria?
R. Perguntas sobre os próximos trabalhos, projetos futuros.



<Quais são as principais influências no seu trabalho?
R. Simbologias e linguagens, experiências com o corpo, efeitos plásticos e visuais, valores sócio-culturais e identidade.


<O que representa para você, mostrar este trabalho, "O Catador na Floresta de Signos", em Salvador, que repercussão espera?
R. Pra mim representa uma significativa experiência que contribuiu muito para o desenvolvimento do meu trabalho de arte, mas sobretudo uma experiência que me levou a uma transformação como ser humano. Fiz muitos amigos em Salvador, me senti acolhido com muita ternura. Eu estava buscando mais autoconhecimento e para isso fui conhecer gente e conviver com tudo que me propiciasse descobertas que atravessassem o acúmulo de repertório de um pesquisador e me sensibilizasse. Eu espero que tudo que vivi, todos os conflitos, especialmente aqueles guardados no âmago, proporcionem algum efeito na revisão dos preconceitos de cada um. Nem tudo é tão estranho, nem tudo é novidade, as imagens que produzi são retratos dos meus sentimentos. Só eu sei o que eu senti, mas ficou registrado poeticamente tudo que aprendi. Especialmente sobre colocar-se no lugar do outro e perceber-se no mundo como parte de uma dinâmica irrefreável.



<Com que personagem da exposição mais se identifica?

Difícil de responder, porque o essencial foi me permitir identificar-se com todos. Eu me lembro de texturas, cheiros, temperatura, sabores, cores e até sons de cada vegetal e a dificuldade de encontrar cada um. Quando revejo a série de fotografias há um desejo de repetir cada experiência sensorial, até aquelas mais desconfortáveis. Talvez seja essa a pergunta que eu faço o tempo todo neste trabalho para mim mesmo e para quem for ver a exposição.


<Pelo que acompanho do seu trabalho, ele lança mão de vários tipos de suportes fotografia, pintura, escultura, devo supor que acredita no dialogo entre as artes? Como você descobriu esses talentos?

R. Eu sou filho de um carpinteiro e uma costureira. Nasci e me crie no meio de instrumentos, ferramentas e matéria prima. Meus pais tinham poderes para transformar as coisas. Eu percebi muito cedo que tinha habilidades manuais, mas como via o trabalho como brincadeira, meu interesse era me distanciar do caráter utilitário dos objetos. Um universo de fantasia foi se desenvolvendo e não havia nada nesse mundo que eu não pudesse alcançar, nem que fosse um sonho, ou a representação dos sonhos... nada que eu fazia precisava ser perfeito. Apenas me deixei levar pelo desejo de me aventurar com todo tipo de material. Por fim, o que tenho mais usado é o próprio corpo.



<O que acha da Gastronomia como Cultura?

R. Não tem arte mais sacra!!! E viva o ecumenismo culinário!!!

 


<Acha que o brasileiro esta mais atento e aberto as novas demandas na área da Gastronomia, ou ainda somos meros copiadores da cultura alheia?

R. Eu posso achar, porque não é algo que conheço bem. Eu acho que o brasileiro tem abertura para novas demandas só não sei como anda a atenção para isso. Nenhuma cópia é igual, nenhuma coisa é a mesma quando revista e revisada. Algumas tentativas de cópias são adaptações até muito bem-vindas.



<No Candomblé, as folhas tem muita importância, são muito usadas nas cerimonias, bem como no dia a dia, elas são uma forma de ligar o homem à natureza, este trabalho é um chamamento ao nosso lado mais ecológico?
R. As folhas não são somente ritualísticas ou litúrgicas, elas carregam memória cultural. Além de histórias elas fazem parte de um vasto conhecimento utilizado medicinalmente. Meu trabalho tem a preocupação tanto com a ecologia quanto com a entropia social. A gente precisa de ar puro e de água limpa. E a gente mesmo, além de sujar tudo, está destruindo os recursos que a Terra tem de se renovar. Com tanta interferência humana negligenciando a natureza não é só mato que deve ser preservado, a natureza precisa ser mas que cultivada e estudada precisa ser venerada.




< Acredita que a valorização da culinária de raiz, a utilização de ervas e raízes e produtos mais nossos, pode contribuir na questão da nossa auto-estima? A arte tem o poder de conscientizar?
R. Eu apoio essa valorização, mas não sou ufanista e pessoalmente acho que não tenho muita noção de pertencimento. Eu sou a favor da convivência entre tradição e inovação, entre possibilidades de misturas e a conservação do vernacular. A arte tem um papel muito importante na história da humanidade. Mas ela também é um reflexo da sociedade e pode funcionar como uma autocrítica. Infelizmente não alcança o grande público. A arte influencia na moda, no design, no comportamento, na filosofia... ela não age sozinha, mas é uma importante incitação da transformação. Se a arte não chega para o grande público acredito que os reflexos podem chegar diluídos e tardiamente. Mas acredito na arte como um volante do desenvolvimento.



<De que maneira você utiliza as folhas e
ervas neste novo trabalho?
R.  Á primeira vista, apenas um ornado elaborado esteticamente. No entanto, quem conhece as folhas do candomblé poderá nos conjuntos bastante significativos identificar as figuras de Orixás específicos. Primeiro tive que fazer muitas listas e estudar as listas de folhas de cada Orixá. Depois fui percebendo as características das plantas tais como aparência, propriedades químicas e terapêuticas. O comportamento de uma planta no seu desenvolvimento reflete uma ação com alguma previsibilidade... Tudo isso está fortemente carregado de analogias com as energias da natureza e os arquétipos. E eu senti que fui criando a sensibilidade para reconhecer não só comparando com os atributos, mas percebi que as plantas já carregam no nome popular inscrito literalmente o nome do Orixá, como por exemplo: tapete de Oxalá; ou algo muito sugestivo, como “pingo de ouro” e “dinheiro em penca associados a Oxum. O trabalho vai ganhando profundidade à medique que se vai permitindo conhecer e perceber como é rico de brasilidade. Não é apenas etnografia, não é uma ilustração da mitologia afro-brasileira. Eu emprestei o meu corpo para uma experiência sensorial e performativa indescritível em cada conjunto de cheiros, formas, texturas, temperaturas e cores. Eu sabia boa parte do que estava fazendo mas muito me deixei levar pelas emoções. Eu não me vesti de príncipe, princesa, rei ou rainha... eu não me travesti de nada, eu apenas trouxe para perto do meu corpo, do meu jeito, as diferentes formas da natureza se manifestar. E nós fazemos parte da natureza. A intenção não era produzir uma obra sacra mas com a minha poética reverenciar uma cultura viva.





<O que te faz brilhar os olhos com seu trabalho?
R. Quando uma fotografia é capaz de continuar me interpelando e me fazer descobrir sempre algo novo a cada vez que revejo.

 Conheça mais do trabalho do Alexandre Mury, no Sigulink


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