sábado, 25 de abril de 2015

Tempo de reflexão

A maior parte do que comemos hoje é produzido por um imenso sistema alimentar industrial.Vemos por um lado a classe média omissa e descomprometida, por outro lado temos as classes mais baixas normalmente excluídas
dos processos, são as virtuais consumidoras de todo esse lixo, tudo isso sob o olhar auspicioso do poder público e da mídia.
Num momento delicado em que vivemos politicamente falando, é bom recordar 
uma palavrinha que a sociedade por vez insiste em esquecer,  Ética vem do grego ”ethos” que significa um “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social


Sem deixar dúvida sobre o sentido do termo “ética”, aqui empregado, fica claro que distinguimos do termo “moral” conjunto de valores preservados numa determinada cultura, podendo ser, relativa à uma cultura e não a outras, ética é a determinação de fundamentar a ação em bases não 
relativistas.
 

A total liberdade industrial a liberação dos mercados, fizeram com que diversas mudanças no setor alimentício, tanto na produção quanto na comercialização, exigindo um preço caro de todos nos.
Episódios sanitários no final da década de 1990, além dos desastres ecológicos, uma onda de acidentes sanitários, principalmente de alimentos contaminados, tais como metanol no vinho, salmonela em ovos, chumbo no leite em pó, benzeno em água mineral, dioxina em frangos (gripe aviária) e uso ilegal de hormônios em carne bovina (doença da vaca louca), que se teve uma maior preocupação com a qualidade sanitária dos alimentos, adquirindo conceito de segurança alimentar. Mais do que nunca, a palavra
Ética, toma importância significativa.

Para tanto nosso Bate&Leva de hoje, convidou a Carol Gomes,  ela e Doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Curitiba. Pesquisa Filosofia em diálogo com Cinema e Fotografia e apesar de não ser cozinheira  e ir pouco a cozinha, nos da um banho de informa
ção e lucidez com suas respostas.


Ela vai nos ajudar a entender melhor o momento em que a Gastronomia passa sob um olhar mais Filosófico, pois seu trabalho consiste exatamente em perceber o diálogo com as Artes, ambas, Filosofia e Artes, fazem parte ativa de construções culturais.

Nesse sentido compreender que os Saberes e Práticas da tradição, em especial, a culinária, a alimentação, revelam potências afirmativas dos indivíduos em constante fluxo construtivo dos seus dias.


De família humilde, (sua mãe foi empregada doméstica), ela aprendeu a conviver e compreender este territorio, suas longas jornadas de trabalho muitas vezes ajudando na arrumação (guardando as louças e limpando chão).

 Memória Gustativa 

 Em 2013, junto com Patrícia Brito, de Belo Horizonte-MG, e seu trabalho com a Memória Gustativa (www.memoriagustativa.jimdo.com),  foi o tempo que ela teve maior contato o modo ativo de cozinhar e valorizar os saberes tradicionais, coletivos e individuais. Durante o tempo acompanhou o trabalho nos Banquetes Públicos, inclusive um deles realizado em Salvador,  apresentado posteriormente no ArquiMemória em 2013, cujo trabalho foi uma reflexão no Banquete realizado com mulheres da periferia em Diamantina-MG.

Bate&Leva

<Si pudesse sentar a mesa com Carol Gomes, O que lhe preguntaria?R. Vamos tomar café moído na hora, chá de hortelã, suco de época ou água para um diálogo sobre cultura e atualidade?!

<Acha que o mercado cresceu e as pessoas estão mais conscientes em termos do que é uma "boa alimentação"?
R. Sim, acho que as pessoas estão mais conscientes da necessidade de uma boa alimentação, entretanto, a ponte entre a consciência e a prática parece demonstrar problemas. Acredito que a 'boa alimentação' ainda necessita se transformar em aspecto cultural no país, incluindo políticas públicas para tal. Por exemplo, temos nas escolas professores que falam dos orgânicos, da agricultura familiar, mas quando vai para lanchonete, come a batata frita do saquinho junto com os alunos, ou pior, compra aquele steak frito horrendo e coloca catchup. Isso porque há legislação que proíbe frituras como lanche escolar e toda instituição com número x de alunos tem que ter profissional da nutrição. Então, vemos a consciência, mas não vemos o ato, ou então vemos um ato contrário. Por isso sou muito grata por ter aprendido essa máxima com a defensora da Memória Gustativa, Patrícia Brito: "Cozinhar é um ato revolucionário". É isso, tem que ser projeto pessoal diário.

<Na Bahia, precisamente no Recôncavo, temos um patrimônio que são os "Fumeiros", uma técnica que vem sendo desenvolvida ali, há séculos, mas seguem proibidos pela saúde publica e a policia do estado, acha que o estado deve promover a inserção deste

patrimônio, ou simplesmente punir levando a extinção deste bem gastronômico?
R. Indiscutivelmente legitimar como patrimônio imaterial. Faço um adendo: o Estado assumir enquanto patrimônio, não quer dizer que não possa ver e rever políticas sanitaristas na produção dos pratos tradicionais, ao meu ver, o grande problema é que o Estado quer impor as mesmas regras sanitárias para uma lanchonete no centro da Av. Paulista que serva uns mil lanches por dia e para uma senhorinha que há décadas transformou a sala de casa numa cozinha artesanal para a vizinhança local. Uma coisa é você impor regras para uma Sadia que produz linguiça em toneladas, outra coisa é você impor regras para um grupo familiar que produz artesanalmente em quilos. 


<Como fazer para conscientizar as pessoas da importância dos Orgânicos? 

R. Sinceramente?! Acho que passa pela redução da carga horária de trabalho sem redução dos salários, pois para pensar e cultivar os orgânicos é preciso ter tempo para os tempos da alimentação, do cultivo ao comer, passando, especialmente, pelo preparo. Me pergunto se nossas condições de trabalhadores com carga horária massacrante de até 10 horas considerando tempo de deslocamento do trabalho nos permite resistir à indústria que coloca na prateleira tudo pré-pronto, legumes, verduras, frutas enormes e brilhosas?! Até a goma da tapioca agora tem pré-pronta. 
Já temos noção do grande problema da alimentação sem os orgânicos, mas ainda não conseguimos tempo para resistir, nossos corpos indiscutivelmente estão escravizados no mundo do trabalho.

<Acha que ainda somos gastronomicamente falando colonizados, ou melhor já estamos seguros que a nossa culinária é fruto da nossa historia, ou tudo isso é uma tendência? 
R. Vou aqui fazer um paralelo com o cinema. Por exemplo, se você coloca um 'Terra em Transe' na tela e cobra 15,00, e simultaneamente coloca um 'Tropa de Elite' e cobra os mesmos 15,00, dá para arriscar qual sala ficará cheia e qual sala será achincalhada por preço abusivo no ingresso?! Pois bem, ambas são produções brasileiras, com a diferença de que uma reproduz o modelo industrial vestindo uma máscara de brasileira. Aí os brasileiros batem a mão no peito de orgulho e dizem que agora disputamos com outras culturas... ora, valha-me! É a mesma coisa do petisco de jiló servido no bar que não pode passar de 5,00, enquanto a batata frita pode ser 12,00. Por isso não acho que estamos seguros e que nem pode ser compreendido com uma tendência, acho mesmo é que ainda precisamos dar alguns passos, pensar os orgânicos e a necessidade de uma 'boa alimentação' e aí conseguiremos depurar nossa autenticidade culinária. Hoje, se a gente soubesse que comer feijão é apoiar a agricultura familiar porque o agronegócio não gosta de produzir feijão, já teríamos dado um bom passo, mas não, comemos feijão muitas vezes no automatismo, ou se ao pedir o petisco de batata frita, pedíssemos o de jiló... até o voto na urna talvez fosse outro. 




<Muita gente bacana fazendo comida boa pelo Brasil, mas sem apoio, a gastronomia é um produto da mídia?

R. Sim, sim, muita gente fazendo comida deliciosa no anonimato. Lembro de um boteco que sempre ia próximo à faculdade, o boteco do Pedrinho (militante comunista) e a esposa dele preparava para os frequentadores mais assíduos e amigos de prosas revolucionárias, uma costela na panela de pressão com mandioca. Nossa! Era o paraíso. Essa era uma das partes menos sofridas de ser militante de esquerda.
Não acho que a gastronomia seja um produto da mídia, acho que ela foi capturada num processo de fetiche por publicitários que perceberam o aumento do poder aquisitivo no Brasil, logo, mais pessoas pensando sobre o que comer e disposta a sair do 'arroz com feijão' e pagar por isso. Por outro lado, muitas pessoas que cozinhavam no anonimato perceberam que então poderia fazer da cozinha profissão oficial e mergulharam. O que vejo de problema nesse processo é que parte considerável da cozinha emergente tem sido pautada pela indústria da alimentação, o que antes seria sair do 'arroz e feijão' para novos sabores, acabou se transformando em grandes restaurantes fast food com cara de gourmet. Essa cozinha emergente pouco ou quase nada dialoga com os alimentos de época, com os alimentos regionais, com as práticas e tradições culturais, em outros termos, se rendem novamente aos ditames da indústria alimentícia, pois no lugar de comprar um baunilha produzida por pequeno agricultor (por exemplo da Dona Helena do Mercado de Goiás Velho), encomenda-se caixas de produtos industrializados para feitura dos pratos. Pior ainda, insere no cardápio um prato com aparente raiz regional, entretanto não buscou o mínimo de diálogo com pessoas da comunidade de que preservam o mesmo prato nas refeições da família e que foram passadas de geração em geração, exemplo: empadão goiano.


<Como vê a participação das mulheres na gastronomia hoje, ou segue sendo um território do masculino?
R. Se pensarmos na gastronomia oficial, sim, me parece que continua sendo um território do chef, à semelhança do chef da casa, do chef do escritório, do chef de Estado... embora, fora da oficialidade do poder, as mulheres emplacam regimes matriarcais próprios e bota para quebrar!





<Que  te faz brilhar os olhos com seu trabalho?

R. A busca constante pelos diálogos de pesquisa teórica e diálogos com o saber popular não oficial que a academia tem dificuldade de lidar. Diálogos entre diferentes áreas do conhecimento, por exemplo, Filosofia, Fotografia, Antropologia e Cinema. Diálogos às vezes nem sempre verbalizados, mas expressos com pessoas mais velhas, tias, minha mãe, feirantes, comunidades nos interiores de Minas Gerais e Goiás.
O sentido de "fome" e "sabor" aparece muito nos meus textos, justamente por compreender que a alimentação tem correspondência direta com a nutrição, e um corpo se nutre dos alimentos que escolhe para se potencializar, se fortalecer, daí que escolher o prato no cardápio é uma escolha ética, momento em que você escolhe pela tradição cultural ou pela indústria da alimentação. Comer é um ato ético, são suas convicções, seu modo de viver. Por isso, quando escolho um filósofo para ler, escolho um alimento teórico para me fortalecer enquanto ser que pensa a vida e um modo de viver. Escolher entre o suco de laranja com cenoura que preparo e o refrigerante, é uma escolha tal como escolher um filósofo que em seus textos afirma ou não uma superioridade dos europeus em relação aos africanos. A fome, assim pensada, é saciada por um ato ético de comer, ou seja, você é o que escolhe para comer, e o sabor que vai sentir é o sabor que seu corpo re-inventa. Daí que o fígado pode ou não causar dor de cabeça, daí que o intestino pode ou não funcionar legal, os rins pode ou não filtrar etc etc, daí que as faculdades podem ou não compreender o texto, porque seu corpo funciona de acordo com as suas memórias, em sintonia com as referências culturais que carrega.


<Sabe algo sobre a Cozinha Baiana, gostaria de conhecer mais?R. Conheço quase nada da cozinha baiana, embora tenha estado em Salvador 2 vezes, comi o Acarajé, tapioca e beju. Tive a oportunidade de comer pratos com peixes deliciosos. Sempre que penso em comida baiana, me aparece na mente, a pimenta e o dendê.

"Banquete: Santo Antônio Além do Carmo", cuja proposta foi um banquete coletivo na Praça. Aos poucos, durante o banquete a comunidade foi chegando e os moradores em torno foram ajudando com estrutura mínima para o banquete, fogo, água, mesas, vasilhas, doação de alimentos etc. Em Salvador quem muito nos ajudou foi o Edu Chaves (advogado, militante das causas sociais e de luta pela terra. Face: https://www.facebook.com/edu.chaves.39?fref=ts).
 
Vídeo

Banquete: "Santo Antônio Além do Carmo"

{Maio 2013, Salvador/BA)
https://www.youtube.com/watch?v=wQyS5aAsKP0

Fonte: http://memoriagustativa.jimdo.com/banquetes/

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