domingo, 31 de maio de 2015

Um Caiçara no Paraiso.

Apaixonado pela Cozinha Caiçara, nosso convidado de hoje no Bate&Leva,o braço direito do respeitado Chef Beto Pimentel,formado em letras vernaculas, com enfase em língua portuguesa, Josenildo Cardoso, cursou Cozinha Internacional pela casa do Comercio. Ele discorre sobre a importância dos orgânicos e como bom baiano, não esquece do feijão.

Bate&Leva
El.Se pudesse sentar à mesa com Josenildo Cardoso o que lhe preguntaria?
Resposta: Começaria de novo? (Eu responderia “sim”). (risos)

El. Acha que o mercado cresceu e as pessoas estão mais conscientes em termos do que é uma "boa alimentação"?
Jo.Crescer não digo, no sentido de amadurecimento. Cresceu no volume, o que não quer dizer que seja uma coisa boa. O que vemos por aí é um boom de food trucks, de feiras gastronômicas, de confrarias disso e daquilo... Não que isso tudo seja uma coisa ruim, longe disso. Aliás, na dose certa e na medida exata, esses eventos e essas formas de distribuir conhecimento – e a própria comida, por que não? - popularizam a gastronomia como um todo. Em relação à conscientização do que seria uma “boa alimentação”, eu ainda vejo um cenário sombrio: sabemos o que seja saudável? Sabemos distinguir o que seja bom e o que seja ruim? O que não é bom pra mim, pode ser bom pra outra pessoa? Pra mim, boa alimentação é aquela que não agrida tanto: meu paladar, o meio de onde ela foi tirada, por onde ela passou, nas mãos de quem passou. Alimentar-se bem é sentir-se satisfeito, quase pleno.

El. Esta onda de glamour em torno das coisas simples, como em transformar farofa em artigo gourmet, e para cobrar mais caro? Você acha que o espaço conquistado pela gastronomia, popularizou ou democratizou?
Jo. Primeiramente, isso não é pertencimento de nosso tempo atual. Essa coisa de “gourmetizar” o simples vem desde a Idade Média, quando os cozinheiros da nobreza, com o intuito de valorizar “suas” criações, lançavam mão de artifícios para “embelezar” pratos populares. Em segundo lugar, eu coloco no mesmo patamar semântico as palavras “popular” e “democrático”. Sobre isso, sim, houve uma certeza democratização no acesso a algum tipo de alta gastronomia: as diversas feiras gastronômicas pela cidade, as confrarias, as promoções sazonais (como o Salvador Restaurant Week) etc.

El. A cidade cresceu muito em 10 anos, e junto com ela as opções de lazer e ócio, acredita que a qualidade do serviço acompanhou este crescimento, O serviço melhorou em nossa cidade?
Jo. [Falando de comida, que é a minha área] Muito pelo contrário. Alguns até pioraram. O que vejo por aí são estabelecimentos que não respeitam questões básicas, como um bom atendimento, preços justos, backstage devidamente capacitado e treinado, higiene e, o pior, quando os próprios donos que não são
sequer da área; atuam como se o estabelecimento – ou o negócio que controlam – fosse apenas uma máquina de tirar dinheiro. 
Não se preocupam com a comunidade na qual o negócio está inserido; não contratam mão-de-obra devidamente qualificada (nem falo “certificada”, o que deveria ser regra por aqui, além do mais em se tratando especificamente de cozinha, onde o cuidado deveria ser extremo). Enfim, nada melhorou, a notar desde os últimos meses a quantidade de restaurantes, botecos e botequins sendo autuados. Há suas exceções, claro, mas essas são ofuscam aquelas, infelizmente.

El.Temos no Brasil, uma cultura rica e variada em termos de gastronomia tradicional, o que falta em termos de criação contemporânea, acha que compreendemos realmente o conceito?
Jo. Falta justamente isso: transformar, de forma não agressiva, o tradicional. Muita gente confunde bagunça com fusion (imagine... eu já vi gente substituir o vinho pelo leite de coco em preparações de risotos...). Sou muito puritano em determinadas áreas da gastronomia. Acho que a criação deva respeita um certo limite. Não o limite da própria criatividade (já que ela mesma não tem limites), mas o limite do bom senso. Nem tudo a gente pode meter a colher. (risos)

El. Na Bahia, precisamente no Recôncavo, temos um patrimônio que são os "Fumeiros", uma técnica que vem sendo desenvolvida ali, a séculos, mas seguem proibidos pela saúde pública e a polícia do estado. Acha que o estado deve promover a inserção deste patrimônio, ou simplesmente punir levando a extinção deste bem gastronômico?
Jo: Apesar de conhecer pouco o Recôncavo, não sou radical ao ponto de concordar cegamente numa proibição de uma “técnica” que vem de muitos anos. Se há problemas a resolver em questões de saúde pública (como higienização de locais dos fumeiros, guarda das carnes etc), isso deve ser discutido primeiro, pois existe questões culturais envolvidas aí. Não é simplesmente proibir e fechar casas de fumeiros que isso vá se resolver. Dá pra discutir uma forma de os que fabricam as carnes puderem fazer isso de forma mais ordeira, ou com um mínimo de higiene ou cuidado? Dá pra se fazer um suporte estatal que ampare os trabalhadores dessa área, em vez de puni-los? São questões que precisam e devem ser discutidas. Nada sem diálogo funciona direito.

El.O excesso de oferta não está nos mostrando que estamos mais despreparados diante da compreensão do sabor, A cozinha perdeu o charme? Levamos a sério a luta pelos orgânicos? Por que devemos nos importar com isso e como fazer para conscientizar as pessoas da importância dos orgânicos?   
Jo:Respondendo pela ordem: Acho que o excesso de oferta nunca vai nos mostrar como despreparados para compreender esse ou aquele sabor. A oferta está justamente para isso: para nos ajudar a compreender como a gastronomia é. Sobre a segunda pergunta, não. A cozinha não perdeu e nunca perderá seu charme (é o meu ponto de vista, de um cozinheiro que ama o que faz). Sobre a terceira: estamos ainda engatinhando na questão dos alimentos orgânicos.
O problema que vejo é justamente no produtor. Muitos deles abusam do preço, quando muito dizem vender orgânicos quando na verdade não são. Outro dia mesmo, uma amiga me relatou sobre um suposto produtor de legumes orgânicos que, na verdade eram produtos comprados na Feira de São Joaquim como se fosse sua produção orgânica. Questão de honestidade também nisso. Sobre sua última pergunta, devemos levantar a bandeira, também, dos orgânicos, pelo simples fatos de serem orgânicos, serem bons para a saúde, além de não agredir o meio ambiente, óbvio. Sobre o que fazer para conscientizar as pessoas sobre o consumo e a manipulação dos orgânicos, bem, eu faço minha parte. Vira-e-mexe escrevo sobre isso nas redes sociais. Vira-e-mexe isso entra nas minhas rodas de conversas com amigos, tanto da cozinha quando do meu meio social. Eu acho que é isso, divulgação. Divulgar. E acreditar que realmente é bom.

El. Acha que ainda somos gastronomicamente falando colonizados, ou melhor já estamos seguros que a nossa culinária é fruto das nossa história, ou tudo isso é uma tendência?
Jo.Não somos gastronomicamente colonizados há séculos. Temos bem definida a nossa cozinha. Diversificada, mas bem definida. A ver pela enormidade de comida regional que temos: a do sertão, a do Recôncavo, a do interior paulista, a dos pampas gaúchos, a dos ribeirinhos do Alto Amazonas e, a que mais me apaixona, a
Cozinha Caiçara, essa a mistura das três culturas que formaram nosso país: a herança negra, a herança europeia e a herança indígena. Enfim, estamos mais que seguros que nossa comida é resultado de nossa pequena, mas rica história.

Um comentário:

  1. Muito boa a entrevista Josenildo Cardoso. Fico feliz com sua paixão e dedicação por nossa culinária, assim como servir de exemplo para os novos Chef dando continuidade a nossa qualidade quando o assunto é comida. Parabéns

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