sexta-feira, 15 de maio de 2015

Somos todos mestiços

Por Consuelo Pondé de Sena

O negro tem estado presente na América Portuguesa, desde os inícios da colonização brasileira, aqui tendo chegado no século XVI, com as primeiras levas de portugueses incumbidos de povoar território recém-descoberto.

Trabalhou arduamente a partir do século XVI, como mão de obra escrava, em substituição ao indígena, inadaptável às tarefas forçadas e sistemáticas, tendo representado a maior força de trabalho nos períodos: colonial e imperial até 1888.

Até o presente momento, segundo creio, dada à insuficiência de dados, parece impossível estimar o número de escravos negros que, no decorrer de 3 séculos, aportaram nos pontos de desembarque do Brasil. As estimativas calculam que os números vão de 3 a 18 milhões de pessoas.

Em função do tamanho do Brasil e do caráter cíclico da economia brasileira, esses milhões de escravos distribuíram-se por vários pontos do país. Noção básica e conhecida de todos é a que a maior concentração deles observou-se na área nordestina, sendo menos significativa no sudeste do país, nos territórios em que atualmente se situam os estados de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Ao longo dos anos de intensa convivência entre as populações formadoras da nossa gente, observou-se o continuado processo de miscigenação, formando-se expressivo segmento mestiço, que sobrepujou quantitativamente o negro e o branco, como pode ser observado nos vários recenseamentos oficiais. Os resultados do censo de 1950 há mais de meio século, portanto, indicavam, num total de 51.994. 357 indivíduos da população do país, a existência de 32.027.661 brancos ( 61%), 13.786.742 pardos ( 26% ) e 5.692.657negros ( 11%). Já àquela altura a soma a soma dos mestiços atingia o percentual de 37% de uma população não branca na população brasileira. Trinta anos depois, em 1980, a população brasileira atinge 119milhões, sendo 65 milhões de brancos; 45 milhões de pardos e 7 milhões de negros. Assim, o segmento não branco alcança cerca de 52 milhões de indivíduos, ou seja, um percentual de aproximadamente 43% da população nacional. Observa-se, portanto, à vista desses dados o aumento dos pardos e o decréscimo de brancos e negros. Esses dados, contudo, apontam para o crescente aumento dos pardos que tanto pode ser mestiço de branco com negro (mulato), branco com índio (mameluco), negro com índio (cafuzo) ou mesmo o próprio indígena integrado à civilização brasileira. Assim, os estudiosos da tradição bantu disputam seu lugar com o montante da população não branca do país, conforme escreve o sociólogo da USP, Prof. João Baptista Borges Pereira. Por outro lado, consoante o mesmo estudioso: “No discurso de ideólogos e militantes políticos negros, essa onipresença cultural é ressaltada com muita ênfase”.

Dado que merece esclarecimento diz respeito à procedência dos escravos, oriundos de diversas partes do continente africano, portadores de diferentes culturas, que não devem ser considerados num “lote único”, como supõem pessoas desavisadas. Em estudo da década de 1940, Artur Ramos distingue: culturas sudanesas, culturas bantus e as culturas guineano-sudanesas ou negro-maometanos. Os cruzamentos entre esses grupos diversos dos negros e deste com o branco se observaram, igualmente, no plano cultural. Esse emaranhado cultural não comporta a idéia do resultado de uma matriz exclusiva, compondo o que hoje se denomina cultura afro-brasileira. O afastamento de cada um desses grupos da sua matriz original africana, queiram ou não, atualmente integra a cultura nacional, que é formada desse intenso caldeamento étnico, sendo plurirracial a população do nosso país. Todavia, alguns ideólogos negros procuram manter suas tradições próprias como reafirmação do seu grupo, que se inclinam para a tradição sudanesa, ou seja, a tradição sincrética gege-nagô. Como não sou do ramo, apenas, faço essa referência, haurida das constantes leituras sobre o assunto.

Quero crer, e esse é um direito que defendo, que a cultura brasileira revela grande receptividade no que se refere à ssimilação das irrefutáveis contribuições africanas, tanto assim que adotam , por inteiro ou em parte, os elementos culturais dessas diversos mananciais formadores da nossa gente. Parece que os últimos censos os de 1980 e 2010, não anotaram o quesito cor, em nome ou não de teses de “democracia racial”, “tirando a ideólogos e ativistas negros um recurso que se constitui na exploração ideológica do significado desempenha outra função, que consiste em fornecer elementos concretos para que teses a respeito da supremacia do negro sejam reforçadas”. O trabalho do Prof. Borges Pereira foi publicado em 1983, na Revista de Antropologia e reflete o que se passava naquela quadra da vida brasileira.

Todavia, vale como uma reflexão séria e responsável, além de alertar, como ele o fizera desde aquela data, para a folclorização da cultura negra, cada vez mais presente em nosso meio, a transformar suas manifestações culturais em “algo irrelevante ou em recheios ideais para se montarem esquemas de entretenimento para vastas camadas da população, em especial para aquelas que, independentemente da cor, podem usufruir de forma mais plena, certo tipo de lazer produzido pela sociedade brasileira. Como tal, esta cultura não é levada a sério; é, ao mesmo tempo, uma cultura da puerilidade e do pitoresco”.

Por fim, a política a ser adotada e cumprida nos domínios da cultura deve dar importância a todas as manifestações culturais que se tenham radicado no Brasil, após a chegada dos adventícios, com destaque para as culturas negras nas regiões em que tiveram maior presença, do mesmo modo que se deve exaltar a contribuição indígena onde ainda têm predomínio, e o marcante subsídio estrangeiro no Sul do Brasil.

O assunto é instigante e exige muita habilidade e perspicácia dos que se ocupam do assunto, tal o visceral significado para o povo brasileiro, inquestionavelmente, uma terra de mestiços.

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