terça-feira, 2 de junho de 2015

Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Vários pesquisadores escreveram sobre as delicias das festas Juninas na Bahia, um rico acervo que deve ser mais conhecido, e que a cada dia, vou postando um novo, hoje um antigo texto da Maria Edisia, que segue.

DELICIOSA COZINHA BAIANA DO SÃO JOÃO

Em matéria de culinária a Bahia conserva as tradições de seus antepassados. A genuína comida baiana teve sua origem no cardápio africano, acrescida de pratos da cozinha européia e muito dos ingredientes indígenas.

Felizmente a família baiana, embora decorridos séculos, mantém inalterável a apresentação e o sabor dos seus pratos típicos, famosos em todo o país e até no exterior.

Como comunicar ao leitor a sensação e mistérios daqueles acepipes usados principalmente nas festas juninas?

Indubitavelmente, vem água na boca ao pensarmos na canjica, nos doces e bolos, tão cuidadosamente preparados e tão gulosamente saboreados. Ao lado de todos estes pratos, vem o jenipapo cheiroso e a boa pinga para o preparo do licor, bebida imprescindível e importante para esquentar o peito, nas frias noites do São João.



Este licor de paladar tão agradável é de preparo muito simples. Primeiro corta-se o jenipapo ao meio, retira-se as sementes e reduz-se a pedacinhos que são passados na máquina ou liqüidificados.

Põe-se na infusão de cachaça e álcool, 8 jenipapos para cada litro, deixa-se macerar por uns quinze dias. Finalmente, com um quilo de açucar faz-se uma calda em ponto de pasta branda, reune-se ao jenipapo, coa-se e filtra-se.

O milho é ingrediente muito importante nas iguarias juninas. A canjica cheirosa, delicada e gostosa, o seu preparo é quase científico e misterioso. A crendice popular assevera que quando a canjica está cozinhando se aparecer uma pessoa suada, de olhos maus, ou de sangue ruim, a canjica desanda, isto é, não terá consistência.

Seria longo citar as sutilezas que requer o preparo da canjica. Com a nossa receita o leitor pode tentar – vale a pena – é saborosa fria ou quente, pulverizada de canela em pó ou amarelinha como gema de ovo.


Tomamos umas trinta espigas de milho verde, tira-se a palha e os cabelos. Corta-se com faca bem afiada, retirando do sabugo ou debulhando se o milho estiver duro. Mói-se na máquina usando peça grossa, e depois na fina; deposita-se em vasilha grande com água. Ralam-se dois cocos grandes, retirando-se o leite grosso; em seguida coloca-se dois copos de água quente no bagaço que é espremido em pano. Tomamos um pouco de erva-doce, cravo-da-índia, canela em casca e amarram-se em um pedaço de tecido fino.

Por último, passa-se o milho em peneira fina, duas vezes, para que a massa fique bem cremosa (às vezes usa-se até uma estopinha). Junta-se o leite do coco mais fraco (o espremido no pano), o amarrado de cravo etc., sal e açucar a gosto e duzentos e cinqüenta gramas de manteiga.

Leva-se ao fogo forte, mexendo-se incessantemente com uma colher grande de madeira, até engrossar. Se o mingau estiver muito duro, torna-se a lavar o bagaço do coco e bota-se na canjica. Quando ferver bastante até ficar consistente e uniforme, joga-se o leite grosso, já previamente coado, deixa-se cozinhar mais um pouco, retira-se do fogo e é depositada em pratos grandes, bem secos.

Quando a canjica estiver fria, polvilha-se com canela em pó, e se preferir, para dar maior realce, escreve-se um VIVA SÃO JOÃO ou o nome da pessoa que se deseja ofertar um prato de canjica, obra prima da culinária baiana.

Mas a utilidade do milho não é só para canjica do São João, é também usado para fazer a pamonha ou o bolo, cujo preparo é o mesmo da canjica. A pamonha antes de levar-se ao fogo, faz-se um envoltório de palha de milho onde se coloca o mingau para cozinhar em banho-maria. Quanto ao bolo é colocado em forma untada e assado em forno quente.

Nas noites de São João come-se também milho cozido ou assado na fogueira.

Não devemos esquecer o famoso bolo de São João. Lava-se a carimã (puba, mandioca posta na água até amolecer e fermentar), pesa-se trezentas gramas.

Rala-se um coco grande, tira-se o leite grosso e bota-se três xícaras de água no bagaço, espreme-se bem. Coloca-se a carimã em uma tigela, com uma colher de manteiga, duas gemas de ovos, uma colher de chá de sal e duzentos e cinqüenta gramas de açúcar e o leite grosso, mexe-se bem. Por último bota-se o leite ralo, prova-se o sal e o açúcar. Leva-se para assar em forma untada e forno quente.

Está claro que a cozinha baiana é muito vasta e rica, tratamos apenas de pratos típicos do São João, sem contudo falar nos manauês, mãe-benta, além dos amendoins cozidos e colocados em chapéus de palha que tanto enfeitam as mesas do São João.

As receitas foram coletadas do livro Receitas de Vovó Thidu, senhora centenária, lúcida e, que não obstante pertencer à sociedade baiana, fazia os seus próprios quitutes. Também coletamos receitas da preta velha, octogenária, Josefa Maria das Mercês – a mãe Zefa – descendente de africanos, e uma excelente cozinheira baiana. 


(EDISIA, Maria. In São João na Bahia)

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